“O MPLA trouxe tudo de bom para esse povo (angolano)”, afirmou hoje o general João Lourenço, vice-presidente do MPLA, no acto de comemoração da fundação do MPLA e de lançamento da sua pré-campanha eleitoral.
Esperança Gueve Gonçalves discorda desta opinião, proferida hoje, dia 10 de Dezembro, quando se celebra também o Dia dos Direitos Humanos. O seu filho António Januário Cachitele “Amarula”, de 27 anos, foi assassinado a 26 de Novembro passado, depois de um patrulheiro da Polícia Nacional e quatro indivíduos à paisana o terem levado, na companhia de mais dois amigos, com os quais convivia na residência de um deles, no Bairro de Santa Teresa, município de Viana.
Depois de informados da detenção, os familiares dirigiram-se às esquadras locais e, no Kapalanca, receberam a notícia de que os seus filhos tinham sido executados e os corpos depositados na morgue de Luanda. Souberam então, e confirmaram visualmente, que os jovens haviam sido torturados de forma macabra, com as cabeças prensadas até aos olhos se soltarem das córneas e os pénis esticados com atacadores.
“O meu filho nunca esteve envolvido em actos de delinquência. Era serviço e casa, e vice-versa. Trabalhava num salão de festas”, diz a mãe enlutada. O pai, efectivo das Forças Armadas Angolanas, prefere ficar calado.
É assim a boa justiça do MPLA, que muitos aplaudem. Entre incontáveis crimes perpetrados pelos agentes supostamente defensores do Estado e da lei, têm-se somado, a um ritmo vertiginoso, as execuções sumárias em Viana. Para estas forças criminosas que deveriam combater o crime, basta-lhes dizer que os executados são delinquentes. Só neste ano, já assassinaram mais de cem jovens em Viana.
O comício realizado hoje no Estádio 11 de Novembro gerou bastantes expectativas, porque se acreditava que seria formalmente anunciado à massa militante do MPLA e aos angolanos que José Eduardo dos Santos não se candidataria às eleições de 2017. O general Lourenço seria então apresentado formalmente como o candidato presidencial do MPLA.
De acordo com informação e rumores que correram mundo, o general João Lourenço seria o candidato presidencial do MPLA, e o actual ministro da Administração do Território, Bornito de Sousa, o seu número dois.
Enquanto candidato oficial, o general João Lourenço apresentaria a sua visão para o futuro de Angola. O problema da falta de empregos, a fome, a situação de falência técnica em que o país se encontra, a corrupção, a diversificação da economia, o modelo de governação capaz de conduzir o país ao desenvolvimento, eram as questões mais importantes sobre as quais muitos angolanos esperavam ouvir João Lourenço, a par das suas propostas de solução.
Debalde.
O dono da bola, o presidente da República e do MPLA, José Eduardo dos Santos, aprontou mais uma das suas. No dia anterior, apareceu no Sambizanga para demonstrar, através da propaganda da TPA, o quão profundamente está preocupado com a situação social.
Entretanto, furtou-se a aparecer no comício do MPLA para apresentar o seu suposto sucessor. Assim, José Eduardo dos Santos pode em breve dar o dito pelo não dito na reunião do MPLA e apresentar-se ele próprio — ou quem ele quiser — como candidato.
Só por isso, o general João Lourenço merece o benefício da dúvida. É um gato escaldado. Em 2003, o então secretário-geral do MPLA, o mesmo João Lourenço, acreditou na palavra de José Eduardo dos Santos, quando este sugeriu que não mais seria o candidato do MPLA. Veio inclusive a público dizer que o presidente tinha dado a sua palavra de honra e que não recuaria. Depois disso, foi afastado do cargo e iniciou uma travessia no deserto, desterrado na Assembleia Nacional, o vale dos caídos.
O discurso de estreia do general João Lourenço, como eventual candidato presidencial, não poderia ter sido pior. Na verdade, o seu discurso foi o de quem representa formalmente o ditador e não tem mandato para mais.
Mas nem isso justifica a incoerência e a confusão do discurso do general João Lourenço, que durou cerca de uma hora. O homem agarrou-se ao passado para repisar lugares-comuns. Para ele, Angola é do MPLA; só o MPLA é que sabe e pode, e são dele os únicos verdadeiros patriotas. Falou ainda em generais, que agora têm de ser “generais do desenvolvimento”. Alguém entendeu alguma coisa?
João Lourenço poderia ter aproveitado a ocasião para demonstrar que tem alguma luz no seu cérebro que o faça pensar por si próprio. Poderia ter falado do que pode fazer pela juventude, escusando-se à palhaçada de atacar os jovens “revús”. Já o seu chefe opinou, em 2013, que os revús não passavam de 300 jovens frustrados sem educação. Então, porquê esta obsessão política em fugir da responsabilidade atacando sempre os “frustrados”? O general disse ainda que, como bantus, não temos de seguir os árabes, que derrubaram os seus presidentes-ditadores. Porque não falar sobre aquilo que, unidos, os bantus podem fazer por uma vida melhor, por oposição a continuarem a ser vistos como a massa oprimida do MPLA? Seriam notas positivas que cairiam bem nos ouvidos da sociedade e não desagradariam ao ditador e aos seus algozes, como o general Kopelipa e outros manipuladores que puxam os cordelinhos nos bastidores.
Como se não bastasse o vazio de ideias frutíferas, jorraram inverdades da boca do general João Lourenço. Primeiro, falou nos 60 anos do MPLA, como se este tivesse sido fundado mesmo em 1956. Os líderes políticos têm sempre dificuldades em lidar com a verdade, mas João Lourenço pretendeu dar uma lição de história com mentiras. E meteu os pés pelas mãos.
O MPLA foi fecundado em Tunis, na Tunísia, em 1960, e nasceu na Guiné-Conacri tempos depois. Até às prisões do Processo dos 50, o MPLA não existia. Lúcio Lara, Hugo de Menezes, Viriato da Cruz e Ilídio Machado, os fundadores, estavam em movimentos diferentes. Há tempos que todos pretendiam criar uma frente unida, mas sem sucesso. Conseguiram entender-se em Túnis, em 1960.
Além disso, João Lourenço repetiu insistentemente a inverdade de que foi praticamente o MPLA quem acabou com o apartheid. É como se nunca tivesse existido toda a luta internacional anti-apartheid. O MPLA ignora o Congo, a Argélia e muitos outros países africanos e não só que muito contribuiram para a luta de libertação dos angolanos.
O resto é pura demagogia.
O discurso foi de uma incoerência extraordinária. Por exemplo, Lourenço afirmou que “lutámos porque nunca aceitámos que os estrangeiros pilhassem a nossa terra”. Muito bem. Mas não explicou por que razão o povo angolano tem de aceitar que o MPLA continue a pilhar a nossa Angola para benefício da família presidencial, dos governantes, generais e estrangeiros que os apoiam. Também não falou em combate contra essa pilhagem.
Noutro ponto, referiu, e muito bem, que “um povo subjugado não é feliz”. Pena é que o orador — junto com todos os apoiantes de José Eduardo dos Santos — finja ignorar que o MPLA subjuga diariamente o povo angolano. Que todos eles finjam que o povo angolano pode ser feliz sem saúde, sem instrução, sem comida, sem trabalho. Com pouco mais que nada.
Resumindo e concluindo, o MPLA já não muda. O povo é que tem de mudá-lo. Como muito bem diz o general, e nós assinamos por baixo: “Um povo subjugado não é feliz.”