Intermediário de Angola circulava “livremente” pelo DCIAP
25/03/2017
Fonte: Revista VISÃO
Reedição: Planalto de Malanje Rio Capopa
Os documentos descobertos no escritório de Paulo Blanco constava uma carta enviada ao general Leopoldino Fragoso do Nascimento dando-lhe conhecimento do “contacto permanente com o magistrado do Ministério Público” titular de determinado inquérito “com vista ao arquivamento do processo”.
O rascunho de um despacho do Ministério Público “eventualmente produzido” por aquele advogado referente à empresa Portmill Investimentos e Telecomunicações; a cópia de um despacho “exarado pelo Dr. Paulo Gonçalves” sem que estivesse assinado; a cópia de uma carta de Outubro de 2013 enviada por Paulo Blanco ao general Helder Junior, dando conta de que o processo relacionado com a compra de apartamentos no Estoril Sol Residence iria ser arquivada no DCIAP; outra cópia de uma carta datada de agosto de 2013 e enviada a Zandre Eudénio de Campos Finda, justificando a reabertura de um inquérito e garantindo que o processo seria arquivado; e ainda cópia de um email enviado ao procurador-geral da República de Angola, João Maria de Sousa, referindo que o processo havia “sido reaberto por pressão e intervenção de falso amigo”.
Foram ainda encontradas cópias de outro despacho do procurador Paulo Gonçalves, não assinado; a cópia de dois despachos de Orlando Figueira, também sem assinatura, um deles respeitante a um recurso do ex-presidente do BES Angola, Álvaro Sobrinho; e ainda coisas tão bizarras como uma nota escrita à mão numa folha timbrada do DCIAP com a identificação de uma equipa de investigação da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da PJ.
Num dos interrogatórios mais inesperados do processo, uma funcionária do DCIAP que trabalhara com Orlando Figueira contou que Paulo Blanco “entrava e circulava livremente no DCIAP por todos os andares sem que tivesse conhecimento de que a sua presença fosse controlada” e que teria aliás o hábito “de tratar todos os funcionários por tu” e de demonstrar “um à vontade desadequado” que gerava “desconforto entre todos os funcionários” do departamento. A funcionária disse ainda recordar-se de encontrar com frequência Paulo Blanco à conversa com Orlando Figueira no seu gabinete e de ter ficado altamente surpreendida quando lhe foi pedido pelo procurador para apagar todas as referências a Manuel Vicente de um processo arquivado. Contou ter ficado aliás sem saber “se o devia cumprir ou não cumprir”, tendo acabado por recortar todas as referências ao vice de Angola do processo mas sempre estranhado, pois o habitual seria “mandarem fechar em caixas seladas com fita-cola e fio documentos que não deveriam permanecer acessíveis”.
O Ministério Público diz que Orlando Figueira terá recebido 760 mil euros nas suas contas bancárias - em Portugal e em Andorra - para favorecer Manuel Vicente, o então presidente da Sonangol que não queria perder a oportunidade de entrar para o governo de José Eduardo dos Santos nas eleições que se aproximavam.
O primeiro inquérito contra Manuel Vicente viria a ser arquivado a 12 de janeiro de 2012, quatro dias depois de Orlando Figueira abrir uma segunda conta bancária onde viria a receber logo de seguida 210 mil euros com origem na sociedade Primagest, conectada com a Sonangol, de que Vicente era presidente quando começou a ser investigado pelo Ministério Público português.
Esse processo nascera de outro que corria contra vários angolanos e estava relacionado com a compra de apartamentos no empreendimento de luxo Estoril Sol Residence. Orlando Figueira terá decidido autonomizar num novo processo a parte que dizia respeito a Manuel Vicente, vindo a arquivá-lo sete dias depois. Para o Ministério Público não há explicações plausíveis para as coincidências das datas das decisões tomadas pelo procurador e dos depósitos que foram caído nas suas contas.
Figueira é acusado de corrupção passiva, de violação do segredo de justiça, de branqueamento e de falsificação de documento, os dois últimos em co-autoria com os restantes arguidos. Os outros arguidos acusados são Manuel Vicente, o advogado Paulo Blanco e Armindo Perpétuo Pires, que seria uma espécie de testa-de-ferro de Manuel Vicente em Portugal, representando os seus interesses em assuntos de natureza fiscal, financeira e empresarial. Os três deverão responder, em co-autoria, por um crime de corrupção ativa, um crime de branqueamento e um crime de falsificação de documento. Paulo Blanco é ainda acusado de um crime de violação do segredo de justiça, em conjunto com Orlando Figueira.
Alguns dos processos que Orlando Figueira deixou pendentes, contra outras altas figuras de Angola, acabariam arquivados por Paulo Gonçalves. Foi o caso de um processo contra o general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior, ministro de Estado e chefe da Casa Militar de Angola. Amadeu Guerra mandou reabrir o caso, ordenando novas diligências. A defesa do general angolano recorreu.