Angola à mercê de um grupo de insaciáveis
14/11/2015
Fonte: AM/Leston Bandeira
Quarenta anos depois da Independência, Angola vive uma grave crise económica e social. É o país com o maior indíce de mortalidade infantil, que tem mais de 60 por cento da população na miséria, ao lado de uma elite milionária, com fortunas inexplicáveis dos próximos do Presidente José Eduardo dos Santos, incluindo a filha mais velha, Isabel dos Santos, a mulher mais rica de África, e outros elementos da sua própria família.
Por Leston Bandeira
Tentemos explicar esta concentação de riqueza com alguns factos que foram ocorrendo ao longo dos anos, o primeiro dos quais foi uma espantosa ponte aérea em que colaboraram lado a lado, companhias aéreas soviéticas e americanas.
Esta ponte aéra trouxe para Lisboa uma grande parte dos cidadãos brancos (todos considerados portugueses, embora muitos deles fossem descendentes de bisavós que já haviam nascidos em Angola), muitos outros mestiços e negros. O medo de uma guerra generalizada justificava a fuga.
Muitos, porém, afirmavam a intenção de regressar, “quando tudo estivesse mais calmo…”. Para muitos outros, a intenção era apenas a de retirar as famílias a eventuais perigos de uma guerra que os três movimentos , então “de libertação”, preparavam afincadamente – ou pelo menos parecia.
Ora, uma das primeiras leis assinadas pelo presidente Agostinho Neto foi a nacionalização dos bens de todos os cidadãos que tenham estado mais de 45 dias fora do país.
Esta lei, conjugada com as instruções para a não concessão de vistos de entrada em Angola, consumou um verdadeiro roubo: tudo quanto existia e valesse alguma coisa era ocupado; muitas vezes houve tentativas de ocupar casas e de levar automóveis ou outros objectos de valor com os donos presentes.
Houve gente presa e/ou morta por causa de um automóvel ou de uma de uma casa. Até mesmo por causa de uma mulher.
As empresas foram saqueadas, ocupadas e depois abandonadas. A capacidade de produção industrial, agrícola, pecuária e piscatória, que em 1973 fazia de Angola uma dos países mais prósperos de África, foi caindo a pique.
Em 1976 foi lançado o chamado movimento de emulação socialista com o objectivo de repor a produção angolana nos níveis de 1973. Em muitos sectores hoje ainda não foi possível conseguir esse objectivo.
Sob o governo de Lopo do Nascimento foi nacionalizado todo o comércio, incluindo o pequeno, que, no fundo, representava uma rede informal de apoio às populações do “mato”, comprando-lhes os produtos que produziam, vendendo-lhes tudo quanto era necessário para o dia a dia – até medicamentos.
Esta troca era em alguns casos injusta – é certo - , mas a sua ausência significou a invasão das cidades por uma população necessitada de tudo. Em alguns casos instalou-se o caos.
Esta nacionalização indiscriminada foi tomada, nas palavras de Lopo do Nascimento, por “razões de ordem política”. Ele não explicou que “as razões de ordem política” significavam um alinhamento com os métodos cubanos e soviéticos. Para Angola, as razões de ordem política aconselhariam exactamente o contrário.
A verdade é que, onze anos depois, Lopo do Nascimento reconheceu que aquela medida tinha sido uma dos mais graves erros do MPLA.
Com esta medida começou o segundo grande êxodo de Angola, talvez mais importante do que o primeiro, porque aos pequenos comerciantes se começaram a juntar os que tinham resistido à ponte aérea, uma vez que começaram a ser assediados de todas as maneiras, incluindo por assaltos às suas casas levados a cabo por cubanos armados.
Angola foi começando a ser partilhada entre gente próxima dos líderes: no Huambo, a gente de Savimbi tomou conta de tudo e, para isso, matou alguns dos resistentes. No resto do país, eram os amigos de Neto que beneficiavam do “saque”.
As empresas que tinham dimensão suficiente e eram claramente fonte de rendimento passaram a ser dominadas, sem nenhum processo jurídico, por gente sem preparação, sem qualidades. Há mesmo um caso exemplar: a fábrica de cervejas Cuca, cujo principal accionista, o Dr. Manoel Vinhas nunca saíu de Angola passou para a posse do Estado e ainda hoje está em situação ilegal, com a família Vinhas a preferir não interferir no processo.
Depois da morte de Agostinho Neto, a elite foi sendo gradualmente substituída. Ficaram célebres as constantes acções de desconsideração à viúva de Agostinho Neto, a Drª.Eugénia Neto.
A guerra, entretanto cresceu de intensidade e trasnformou-se numa verdadeira indústria – como, de resto, já tinha sido a guerra colonial . Os generais passaram a ser os principais alvos da distribuição de riqueza. O Presidente precisava de ter a certeza de que os “seus” generais eram leais e de confiança. Não havendo outro tipo de riqueza disponível, recorria-se às comissões das compras de armamento e ao petróleo.
O petróleo foi inscrito, pela primeira vez, no orçamento da então província de Angola, em 1972, pelo então governador Santos e Castro, que o decuplicou.
Já com Neto,a sua gestão foi entregue a familiares e amigos e as suas receitas não entravam no orçamento.
Com Eduardo dos Santos o petróleo passou a pertencer ao presidente, que, com o pretexto de criar uma elite capaz de acumular capital primitivo, foi distribuido riqueza pelos familiares e pelos generais. Estes, pelo seu lado, foram exigindo aos empresários de negócios rentáveis uma participação na sociedade, muitas vezes de 51 por cento.
Foi crescendo o grupo dos insaciáveis para quem todo o dinheiro era pouco. Dinheiro que vinha do petróleo e do esforço de alguns empresários que se viraram para outros sectores de actividade.
Também os generais tomaram conta dos diamantes, criando ou apadrinhando empresas para a exploração diamantífera, sobretudo no Leste, na zona das Lundas. A famíla Santos também foi contemplada: existem explorações que pertencem a alguns dos filhos de dos Santos.
As grandes empresas pecuárias foram ocupadas – por generais – para quê? Para passarem fins de semana com amigos e muitas amigas. A criação de gado voltou mais de cinquenta anos atrás e é hoje a demonstração de riqueza e notoriedade social dos chefes tribais, sem qualquer valor no mercado.
A exploração de ferro, cobre e outros minérios foi esquecida, bem como a produção agrícola e as pescas.
Quer dizer, o país, em quarenta anos não conseguiu criar uma alternativa económica ao petróleo e criou uma elite abastada, que não investe na sua terra e procura todos os meios para transferir os seus proventos, obtidos de forma ilícita, para o exterior, nomeadamente e sobretudo para Portugal.
Muitos dos membros desta elite fabricada nas e às costas de mais de 60/70 por cento da população estão a preparar locais de recuo, procuram afanosamente maneiras de credibilizarem as suas fortunas – que já não se explicam com a venda de ovos.
Esta elite é o problema de Angola e já não faz parte da solução, porque nos primeiros anos expulsaram aqueles que podiam garantir uma transição política ordeira e rentável para todos.
Logo no princípio do percurso, não contentes com a expulsão dos brancos, fizeram, na sequência da tentativa de Nito Alves de derrubar Neto, a 27 de Maio de 1977, um contra-golpe fascista em que mataram grande parte da juventude que, tendo beneficiado da educação colonial, tinha capacidade para adquirir conhecimentos dos mais variados – o que garantiria uma chegada ao poder de uma variedade muito grande de angolanos e não apenas os que, por práticas políticas de subserviência, se colocaram junto do presidente e da sua gente.
A morte destes milhares de jovens e a prisão de muitos quadros brancos e, por isso, considerados portugueses, que Lopo do Nascimento designa pelos militantes do interior, em cuja designação se inclui, ampliou o êxodo de quadros, que, entretanto, tinham assegurado a continuidade de funcionamento de escolas, empresas e até Universidades. Aos poucos, Angola foi ficando à mercê de um grupo a quem só interessava dinheiro.
Foi este grupo que alterou as leis de propriedade da terra. Na situação colonial, a terra pertencia ao Estado, que fazia concessões de exploração por tempo determinado. Se a terra não fosse devidamente aproveitada cessava a concessão e o concessionário não tinha nada a receber a qualquer título.
Hoje a terra tem donos definitivos, mesmo que lá não façam nada, que apenas signifique território para um possível “reino” e para o exercício de pressões, algumas ofensivas dos costumes locais, sobre populações cada vez mais indefesas.
Com o aparente fim do regime de partido único e o fim da guerra houve dois fenómenos que ocorreram em paralelo: Eduardo dos Santos juntou à elite os inimigos de anos, transformando os generais da Unita e outros quadros em comensais do mesmo orçamento e, por outro lado, a população, em geral deixou de ter acesso a produtos essenciais a preços controlados.
As diferenças foram-se acentuando e hoje Angola é propriedade de um grupo de insaciáveis, muitos deles a prepararem-se para, ao primeiro estremeção da actual liderança se lançar na conquista do seu próprio espaço, atirando para cima dos mesmos de sempre as culpas do que vier a acontecer.
O perigo para milhares de pessoas que hoje vivem e trabalham em Angola e têm modos de vida folgados está na possibilidade de estes detentores da riqueza os apontarem às multidões famintas como os responsáveis pela sua pobreza.
AM