MILITARES ASSALTAM ÁREA DE GARIMPO DE DIAMANTES
Um grupo de cerca de 30 efectivos das Forças Armadas Angolanas controla ilegalmente, desde a passada quinta-feira, a área de garimpo de diamantes situada no povoado de Catolo, município de Xá-Muteba, província da Lunda-Norte. Armados com lança-granadas e metralhadoras, os militares, provenientes do município do Cuango, tomaram de assalto o cascalho recolhido pelos garimpeiros e membros das comunidades locais para benefício privado, expulsando-os do local.
A acção foi comandada pelo primeiro-sargento Santos Yanva, identificado como pertencendo à Polícia Judiciária Militar e afecto à 75.ª Brigada de Infantaria da Região Militar Leste das FAA, baseada em Cafunfo (Cuango). Os soldados entraram em conflito com as autoridades e comunidades locais de Catolo, na comuna de Kassanje-Kalucala. “Quando a polícia se apercebeu da [iminente] ‘invasão’ do sargento, montou um controlo junto ao Rio Malombo, onde decorrem as escavações de garimpo. As FAA chegaram, às 3h00 da madrugada, romperam o controlo da polícia, correram com eles e montaram o seu controlo no mesmo local”, denuncia fonte local.
Os militares passaram a cobrar “portagem” de três mil kwanzas por cada motorizada que circula na área e cinco mil kwanzas no caso de transporte de carga. Por falta de estradas, só as motorizadas circulam na referida área.
Várias testemunhas, quer em Cafunfo quer em Kassanje-Kalucala, confirmam as ligações do sargento Santos a um comprador de diamantes libanês, estabelecido em Cafunfo e localmente conhecido como Carlos. O sargento passou a decidir sobre quem garimpa e quem circula na área e impediu, a 20 de Janeiro, o soba Catolo, do povoado com o mesmo nome, de circular na sua área de jurisdição.
Como estratégia, os compradores estrangeiros baseados no Cuango, como Carlos, sabem sempre quais são as zonas de maior produção de garimpo, através dos vendedores que os contactam para vender as suas pedras. Ao longo dos anos em que Maka Angola tem investigado a extracção de diamantes na região, parece repetir-se sempre o mesmo padrão: os compradores estabelecem contactos com os comandantes militares e policiais e passam a dispor dessas forças para operações de tomada de cascalho. Deixam primeiro que os populares cavem os buracos – as chamadas mesas – e só depois intervêm com armas de fogo, expulsando-os. Assim, poupam-se ao trabalho de cavar durante semanas ou meses, concentrando-se apenas em extrair o cascalho, ou seja, a camada que contém diamantes.
Elias Isaac lidera um grupo de garimpeiros e revela que, há cinco anos, está ao serviço de um traficante senegalês. O seu trabalho é controlar e alimentar os garimpeiros ao serviço do seu patrão. O sargento Santos não os incomodou.
“O meu patrão tem influência junto dos comandantes das FAA e da Polícia Nacional, a troco de uma percentagem para os mesmos, para assegurar que as suas equipas possam garimpar à vontade em qualquer lugar onde se encontrem diamantes, com apoio e escolta militar”, refere.
Por regra, quando os diamantes são vendidos, os representantes dos comandantes acompanham “e cada um recebe a sua parte ali mesmo”.
O chefe dos garimpeiros indica também que os sobas recebem a sua percentagem, da parte do seu chefe.
Em reacção à tomada da área pelos militares, o administrador comunal de Kassanji-Kalucala, Ngongoyosso Manuel Malamba, interpelou o comandante da operação ilegal acerca dos seus desmandos, segundo uma testemunha contactada por Maka Angola. “O administrador perguntou ao Santos se ele consegue um voto na área para o MPLA, com a confusão que está a causar. O sargento respondeu apenas que cumpre ordens superiores”, revela uma testemunha.
“No dia 23, os sobas atiraram as suas kijingas [chapéus que simbolizam o seu poder tradicional] ao chão em protesto contra a “invasão” do primeiro-sargento Santos Yanva.” Essa é a segunda incursão privada do sargento em Catolo, depois de ter protagonizado a primeira acção pouco antes da Natal.
“O sargento, por ser supersticioso e para acalmar os sobas Catolo e Cuango, entregou US $200 a cada um deles e exigiu para si dez sacos de cascalho por cada monte, da camada que contém diamantes”, explica o filho de uma das autoridades tradicionais, que prefere manter o anonimato.
Em resposta, os sobas apresentaram a contraproposta de um saco de cascalho por cada monte (que contém entre dez e trinta sacos), tendo as partes chegado a acordo. O cascalho é concentrado junto ao rio para facilitar a sua lavagem, através de peneiras, o que permite a filtragem da areia e a separação das pedras dos diamantes.
Na sequência do acordo, o sargento regressou à sua unidade, em Cafunfo, para ir buscar reforços militares à 75ª Brigada, cujo comandante é o brigadeiro Alberto Francisco da Silva Menezes, no sentido de controlar melhor a lavagem do cascalho, segundo interlocutores locais.
No povoado de Catolo, para onde grande parte dos garimpeiros, comerciantes e outros se dirigem, não há um posto médico, uma escola ou sequer água potável, mas, aparentemente, tem diamantes em abundância nas redondezas.
Apesar da sua extrema pobreza, o povoado de Catolo e áreas circunvizinhas, como Kavuba e Bananeira, atrai centenas de cidadãos estrangeiros, particularmente da República Democrática do Congo, do Senegal, do Mali, do Líbano, da Mauritânia e da Guiné-Equatorial, que encontram em Catolo o El Dorado.
Benvindo, natural da República Democrática do Congo, explica como circula à vontade nessas áreas, em companhia de muitos estrangeiros. Diz que o seu patrão, um comprador de diamantes estrangeiro, tem parceria com chefias militares e policiais e, por isso goza da protecção destes. Na região, a absoluta maioria dos compradores licenciados pela Sodiam são estrangeiros. A Sodiam é a empresa do Estado com o direito exclusivo de concessão na compra de diamantes.
Por sua vez, os agentes da Polícia Nacional também têm o seu esquema bem montado. Exigem “portagem” nos controlos instalados na ponte sobre o Rio Cuango, no município do Cuango e na zona do Bolinho, controlando o tráfico de e para Xá-Muteba: as carrinhas ou veículos todo-o-terreno pagam até 5000 kwanzas por cada um dos controlos policiais, enquanto os camiões são obrigados a pagar 10 000 kwanzas em cada posto.
Na zona do Bolinho, um sistema informal de inteligência permite identificar, a partir das zonas de garimpo, os garimpeiros que transitam com pedras de diamantes para as vender aos ‘contuários’ [casas de compra de diaamantes] no Cuango. São interceptados, revistados e, regra geral, “convidados” a partilhar os proventos. O controlo cativa 12,5% do valor da pedra interceptada e envia um dos seus membros para acompanhar a venda e receber a “parte” cabimentada.
Nas lundas, o governo tem-se mostrado incapaz de implementar qualquer política que garanta a transformação da exploração de diamantes em geração de postos de trabalho e implementação de condições sociais básicas para as comunidades locais. A região continua a ser um faroeste, e a vontade do poder apenas se manifesta pelo uso da força e pelo desprezo face às comunidades locais.
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