Serramemorian2Conheci o João Serra no “Diário de Luanda” nos idos de 76, tendo o nosso relacionamento pessoal e profissional prosseguido em 77 no “Jornal de Angola”, para onde fomos os dois parar, por força da forçada/complicada  extinção daquele vespertino, depois de termos dado umas voltas pela desconseguida “Novembro”.
A nossa convivência no JA durou até ao dia 28 de Maio de 1977, altura em que por força de outras circunstâncias ainda mais complicadas, fui transferido para uma outra “redacção”, localizada desta vez da Cadeia de São Paulo, onde as poucas coisas que consegui escrever, acabaram por me ser confiscadas na hora da libertação, como resultado da “linha editorial” que aquela casa observava com bastante rigor e muito profissionalismo. Numa outra oportunidade contarei melhor esta história, pois ela tem pano para muitas mangas.
Ao lado do também já falecido David Mestre, o João Serra foi uma das testemunhas oculares dessa minha partida forçada para o desconhecido, pois ela aconteceu em plena redacção do JA.
Desse episódio ficou-me sempre uma dúvida não totalmente esclarecida, que viria a ser a única zona cinzenta do nosso relacionamento.
Na altura o jornal, então dirigido por Costa Andrade (Ndunduma), funcionava nas instalações do “Comércio”, localizadas no prédio vizinho ao da antiga “Província de Angola”, que era assim como o “nosso Pravda” se chamava antes de ter mudado de nome para “Jornal de Angola”.
Não sei quanto tempo mais, depois do fatídico ano de 77, o João Serra continuou a trabalhar no JA, nem quais foram as razões que o levaram a mudar posteriormente de ares profissionais e políticos.
Admito que o João tenha começado a enfrentar algum tipo de crise mais existencial, como resultado da conjuntura e dos desencontros da época.
O João, note-se, tinha abraçado a revolução de uma forma particularmente intensa e apaixonada que o levou, inclusivamente, a escrever um longo poema/texto de condenação ao 27 de Maio, o “Hino Geográfico aos Heróis”, que ele fez questão de publicar logo a seguir aos trágicos acontecimentos.
Dessa época há ainda a registar o poema “Venho das teses de Outubro”, que ele publica, salvo erro, antes mesmo do 27 e já no calor do debate político que marcava a crónica de uma época em brasa.
Sei que em finais da década de 80, o JS foi trabalhar para a agência portuguesa de notícias, a LUSA, onde viria a “contrair” alguns problemas bastante sérios com as autoridades, que culminaram com a sua expulsão de Angola por razões políticas, em data que também não consigo precisar.
Antes da expulsão, o JS foi preso e agredido pela polícia, tendo-lhe sido fracturado pelo menos um osso de um dos membros superiores na sequência de um desentendimento nocturno, cujas razões exactas nunca consegui saber.
No que toca à sua expulsão, na altura em que estava em vigor para os correspondentes estrangeiros o “20/24″ , o que queria dizer 20 kilos de bagagem mais 24 horas para abandonar o país, só agora soube que, provavelmente, na origem dessa draconiana decisão tenha estado um notícia por ele elaborada com base numa fonte da UNITA.
Foram de facto tempos muito difíceis para a liberdade de imprensa e muito particularmente para a actividade dos jornalistas estrangeiros que eram autorizados a trabalhar em Luanda.
Tempos de mão pesada que o João Serra sentiu particularmente na sua própria pele.
Da sua passagem pelas colunas do JA ficou-me na memória a célebre entrevista com o carapau, que foi o título que ele deu a uma crónica que  assinou na época, onde retratava de forma magistral as dificuldades alimentares que se viviam no país.
Até hoje, ando sofregamente à procura dessa crónica, pelo que agradeço que quem por acaso a tiver guardada no seu baú dos papéis amarelados me faça chegar com urgência uma cópia para eu voltar a rever esses tempos de privação pela pena e a criatividade do JS.
Dá-se recompensa.
Foi, muito provavelmente inspirado no formato  dessa fictícia entrevista com o carapau, que anos depois e apenas como colaborador, passei a assinar uma coluna no JA,  a que dei o nome de “Solilóquios” e que me viria a custar alguns amargos de boca.