Rússia e EUA querem promover conferência sobre a Síria
Encontro deve reunir regime e oposição, que dificilmente aceitarão sentar-se juntos. Não há “respostas fáceis” para a crise síria, diz Barack Obama.
A Rússia e os Estados Unidos vão encorajar a organização “o mais depressa” possível de uma conferência internacional sobre a Síria, disseram o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, e o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, numa conferência de imprensa em Moscovo.
“Pusemo-nos de acordo para encorajar o Governo sírio e os grupos da oposição a encontrarem uma solução política para o conflito”, afirmou Lavrov ao lado de Kerry. O objectivo da conferência é juntar representantes do regime e da oposição e o encontro pode ter lugar antes do fim do mês.
Kerry sublinhou que uma solução política ajudaria a evitar que a Síria se dividisse. A maioria da população e, naturalmente, a maioria dos que combatem o regime, é árabe sunita, enquanto a elite no poder é alauita, um pequena minoria do xiismo, e está concentrada numa região portuária do Nordeste do país. “A alternativa é a Síria a aproximar-se do abismo, cair no abismo e no caos.”
Desejar que uma conferência se realize é mais fácil do que fazê-la acontecer: a oposição recusa sentar-se com altos cargos do Governo ou do Partido Baas, que responsabiliza pelos crimes cometidos contra a população desde o início dos protestos pacíficos, há dois anos; Damasco recusa dialogar com grupos que descreve como “terroristas”.
Lavrov, aliás, reafirmou que a saída do Presidente Bashar al-Assad não deve ser uma condição prévia a negociações de paz, insistindo ao mesmo tempo que a Rússia não o encoraja a ficar. Ora não é só a oposição síria que exige a saída de Assad – EUA, Reino Unido, França e muitos outros países ocidentais já o fizeram. A imprensa americana escrevera que este encontro serviria precisamente para Kerry tentar convencer o Governo russo a pressionar Assad a deixar o poder.
Kerry defendeu que “o comunicado de Genebra é o caminho a seguir para evitar o derramamento de sangue”. O acordo de Genebra foi o único documento que juntou as grandes potências sobre a situação na Síria. Assinado em Junho do ano passado, define os passos a seguir para estabelecer um governo de transição (sem dizer o que acontece a Assad). Foi negociado quando Kofi Annan era o enviado da ONU e da Liga Árabe para a Síria e no pressuposto de que seria acordado um cessar-fogo; Annan conseguiu que as duas partes o aceitassem mas o regime nunca o cumpriu.
Entretanto, o conflito intensificou-se e todos os dias morrem dezenas e dezenas de civis. A contabilidade do Observatório dos Direitos Humanos ia em 70 mil no mês passado, mas esta ONG só contabiliza as vítimas que consegue identificar e admite que são muitas mais.
A viagem de Kerry a Moscovo segue-se a dois ataques aéreos de Israel dentro da Síria contra alegados carregamentos de armas para o Hezbollah libanês e ao aumento da pressão interna para que Barack Obama ajude os rebeldes a derrotar Assad, depois de a Casa Branca afirmar que existem indicações fortes de que o regime usou armas químicas. O próprio Presidente norte-americano afirmara, o Verão passado, que o recurso a essas armas “mudaria as regras do jogo”.
“Eu não tomo decisões a partir de percepções. Não posso reunir coligações internacionais à volta de percepções. Já o tentámos no passado e isso não funcionou exactamente bem”, disse nesta terça-feira o Presidente norte-americano, recordando, uma vez mais, a invasão do Iraque, há dez anos, por George W. Bush. Washington acusava Saddam Hussein de ter armas químicas e biológicas, o que se comprovou não ser verdade. Não há “respostas fáceis”, afirmou Obama, mas “podemos compreender o desejo” de que elas existam.