Fonte: MakaAngola/Rui Verde 10 de Julho de 2016
Reservatórios de combustível da Sonangol.
Não há dúvidas de que a nomeação de Isabel dos Santos para liderar a Sonangol foi um acto politicamente inepto, e de legalidade extremamente duvidosa.
Contudo, muitos dos defensores da nomeação (sejam imbecis úteis, sejam avençados bem pagos) têm avançado com um outro argumento: a capacidade de gestão da famosa princesa. Acontece que este argumento padece de uma falha: Isabel dos Santos não tem experiência de gestão.
Isabel dos Santos está mais habituada, na verdade, a ser accionista por interpostas empresas de fachada. Não desempenha funções de gestão na GALP, na NOS ou no BPI, as grandes empresas portuguesas onde alegadamente participa. Portanto, estamos aqui perante um mito.
Isabel dos Santos até pode efectivamente ter uma capacidade potencial para administrar uma empresa – o problema é que ainda não o demostrou, e a Sonangol não deveria ser o jardim-de-infância para onde a princesa vem exibir os seus dotes escondidos.
Olhemos para os números da Sonangol com o intuito de perceber se, mais uma vez, a opinião pública está a ser alvo de mistificação.
O negócio essencial da Sonangol era a concessão de petróleo e a sua produção. O primeiro apenas gera receitas (em termos genéricos), pois consiste na cobrança de verbas avultadas (para não usar as palavras inglesas) a quem pretende explorar petróleo. Quanto ao segundo aspecto, as informações tornadas públicas revelam que os custos de produção do barril de petróleo na Sonangol rondam os 14 dólares. Ora, se é verdade que tal é mais elevado do que na Arábia Saudita, continua a ser um preço abaixo da Noruega, do México, da Venezuela, do Brasil, dos Estados Unidos e de muitos outros. Na realidade, de acordo com as estatísticas da Rystad Energy e do FMI, o preço do barril em Angola tem um preço mediano. Além disso, está certamente abaixo do valor de mercado do barril, mesmo quando esteve muito reduzido. Logo, esta parte dará lucro.
Aparentemente, a princesa quer baixar o custo de produção para metade. Não conheço os pressupostos de tal afirmação, mas parece ser daquelas coisas que os estagiários das consultoras escrevem nas planilhas excel para que as contas batam certo nos planos de negócios. O problema é que, ao primeiro embate dos planos de negócios com a realidade da empresa, tudo se desmorona. Em rigor, só uma inovação tecnológica disruptiva conseguiria alcançar essa redução.
Isto para dizer que o problema da Sonangol e a suposta falência agora descoberta – a tal que exigiu a intervenção das mãos mágicas da princesa – não têm que ver com o núcleo central do negócio. Têm que ver com as trapalhadas políticas que já vêem de longe, supervisionadas pelo senhor seu pai.
Para se perceber isto, basta ler o relatório de auditoria da EY (anteriormente Ernst & Young) referente às contas de 2014, assinado por Manuel Mota e Alberto Romeo, com data de 30 de Março de 2015.
O primeiro problema detectado é um conjunto de operações com o Estado no valor de 405 mil milhões de kwanzas, na altura correspondentes a quatro biliões de dólares, relativamente às quais não se percebeu se estão reflectidas nas demonstrações financeiras. Portanto, há quatro biliões de dólares que andaram de mão em mão, com a justificação de serem contas com o Estado, mas não sabe bem de quê nem para quê.
O segundo problema detectado é o reconhecimento como activo de 300 milhões de dólares de investimentos no Iraque, cujas actividades estão suspensas por motivos do conhecimento público.
Se no primeiro caso há quatro biliões de movimentos não explicados, no segundo há um investimento “fantasma” no Iraque!
O terceiro problema detectado é um valor de cerca de 500 milhões de dólares referentes à actividade de corporate finance a receber de uma associada, mas relativamente à qual se desconhecem documentos.
Além disso, na área dos barcos e transportes marítimos, os números são desconhecidos, pelo que a auditora se recusou a emitir parecer. O mesmo aconteceu na actividade imobiliária. Também não se sabe nada sobre os valores dos serviços de saúde. A famosa Clínica Girassol, por exemplo. E assim se comprova que uma boa parte das actividades da Sonangol não tem qualquer controlo ou supervisão.
Além disso, dívidas de ou a fornecedores em montantes elevados não estão quantificadas ou devidamente documentadas.
O quadro de que dispomos relativamente às contas da Sonangol é claro: uma empresa lucrativa no seu núcleo duro e completamente descontrolada nas suas actividades complementares (imobiliário, saúde, etc.).
Todavia, o principal problema é o da relação com o Estado. Aí, as contas estão completamente mal explicadas e levam a que esta seja a primeira preocupação da auditora.
Em resumo, face aos números a que existe acesso, vê-se claramente que o problema da Sonangol é a promiscuidade com o poder político. Há efectivamente problemas de gestão, e estes são facilmente identificáveis.
Se o problema das contas da Sonangol é a ligação demasiado próxima com o poder político que tudo controla, então torna-se ainda mais difícil justificar que esta ligação tenha sido estreitada através da nomeação de Isabel dos Santos. Só se pode antever que a situação piore…
Uma nota final: estas considerações resultam directamente das reservas emitidas pela auditora EY; não são resultado de uma qualquer opinião maldisposta.