terça-feira, 3 de maio de 2016

LUANDA: Prisão dos Revús Já é Ilegal por Despacho do Tribunal Constitucional

Prisão dos Revús Já é Ilegal por Despacho do Tribunal Constitucional

Fonte: Makaangola/Rui Verde 3 de Maio de 2016

Fernando Tomás, Nito Alves, Arante Kivuvu, José Hata e Benedito Jeremias (descalço) durante o julgamento.
Domingos da Cruz, condenado a oito anos e meio de cadeia por ter adaptado um manual sobre não-violência à realidade angolana, bem como todos os outros condenados a prisão efectiva por terem discutido o mesmo manual estão presos ilegalmente desde o dia 18 de Abril de 2016.
Nesta data, o juiz presidente em exercício no Tribunal Constitucional de Angola admitiu, nos termos da lei, o recurso ordinário de inconstitucionalidade apresentado pelos advogados de Domingos da Cruz e dos outros 16, conferindo efeito suspensivo à condenação.
Efeito suspensivo quer dizer, como a expressão indica, que suspende os efeitos da decisão, ou seja, que esta não pode ser executada.
Assim, se 17 pessoas foram condenadas a prisão e se há um recurso com efeito suspensivo dessa decisão, então essas 17 pessoas não podem ser detidas ou permanecer detidas após a suspensão da condenação.
Se o juiz Januário Domingos não ordenar a libertação dos 17 activistas, está ele próprio a cometer um crime de denegação de justiça e prisão ilegal, e deve ser sujeito a procedimento criminal por parte do Ministério Público, o garante da legalidade nos termos constitucionais.
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No dia 18 de Abril de 2016, o Tribunal Constitucional, por despacho do juiz presidente em exercício, decidiu admitir a reclamação apresentada pelos advogados do processo n.º 505-B/2015 (denominado “Revús” ou “15+2”) quanto à omissão de pronúncia do juiz de primeira instância sobre a admissibilidade de um Recurso Ordinário de Inconstitucionalidade que tinham interposto relativamente à sentença que os tinha condenado (cf. números 3, 4 e 5a) do despacho).
No mesmo despacho, além de admitir a reclamação, o Tribunal, de forma clara e explícita, admitiu também o Recurso Ordinário de Inconstitucionalidade, determinando o efeito suspensivo da condenação e a subida nos próprios autos por força do artigo 44.º da lei 3/08, de 17 de Junho (considerando também as alterações da lei n.º 25/10, de 3 de Dezembro, que não afectam o caso presente).
Esta decisão tem automaticamente várias consequências. A principal delas é a imediata libertação dos presos, por efeito da suspensão da sentença de condenação que é objecto do recurso. Vejamos as razões.
Como se referiu acima, o Recurso Ordinário de Inconstitucionalidade tem efeito suspensivo. A lei prescreve tal efeito e a doutrina sobre a Constituição angolana é clara (cf. Machado, Costa e Hilário, 2013, ou Bacelar Gouveia, 2014).
Em português jurídico, efeito suspensivo, aplicado ao recurso de uma sentença, quer dizer que a execução da sentença fica suspensa até ao seu julgamento final, impossibilitando a concretização dessa decisão, mesmo que provisória, até decisão final do recurso (cf. art.º 44.º da Lei de Processo do Tribunal Constitucional, ou art.º 658.º do Código do Processo Penal de Angola, por exemplo). Portanto, se os condenados em primeira instância neste processo foram conduzidos à prisão em resultado da sentença do juiz de primeira instância, Januário Domingos,  a partir do momento em que o Tribunal Constitucional declara o efeito suspensivo relativamente ao Recurso Ordinário de Inconstitucionalidade atinente a essa sentença, ela deixa de poder ser executada. Logo, os presos têm de ser libertados. Caso contrário, a lei não estará a ser cumprida.
Como escreve Germano Marques da Silva, “efeito suspensivo do processo consiste no não prosseguimento do procedimento, a não ser no que diz respeito ao próprio recurso” (Marques da Silva, 2006, p. 343). E mais acrescenta o professor de Direito Processual Penal: “O efeito suspensivo do processo em razão da pendência de decisão condenatória significa que essa decisão não pode ser executada sem a prévia decisão do recurso” (Marques da Silva, 2006, p. 344, sublinhado nosso).
A propósito de uma questão semelhante no direito português, o juiz Paulo Pinto de Albuquerque, agora em exercício no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, escreve que “em nenhuma circunstância o preso preventivo entra em cumprimento de pena se for interposto recurso para o TC [Tribunal Constitucional] de fiscalização concreta da constitucionalidade” (Paulo Pinto de Albuquerque, 2011, p. 1073).
Também na doutrina brasileira prevalece o mesmo entendimento sobre o efeito suspensivo determinado por lei, entendido como impeditório de que a decisão correspondente possa produzir os seus efeitos, sejam eles executórios, declaratórios ou constitutivos (Ravi Peixoto, 2010).
Portanto, o objecto do Recurso Ordinário de Inconstitucionalidade é a apreciação sobre a decisão que tenha expressa ou implicitamente abordado um problema de inconstitucionalidade e que o tenha julgado ou não inconstitucional, e sendo assim essa decisão está suspensa.
Deste modo, o juiz Januário Domingos não pode, a partir da decisão de admissão do Tribunal Constitucional, dar execução à sentença que lavrou. Se o fizer, está a cometer uma enorme ilegalidade. Ou seja, é obrigatório libertar os 17 activistas ou aplicar, dentro dos prazos e condições estabelecidas pela Lei das Medidas Cautelares, uma medida de coacção. O que não pode, seguramente, é aplicar uma decisão que um Tribunal Superior, por força da lei, suspendeu.
Se porventura o juiz Januário Domingos não tomar tal medida e optar pelo incumprimento das determinações do Tribunal Constitucional, este mesmo juiz poderá incorrer na prática de crimes, designadamente o crime de denegação de justiça (artigo 286.º do Código Penal), prisão ilegal (artigo 291.º do CP), prisão formalmente ilegal (artigo 292.º do CP) e mesmo, eventualmente, abuso de poder (artigo 286.º do CP). Note-se que qualquer interessado poderá naturalmente denunciar ou queixar-se de qualquer destes crimes, levando a que, nos termos da lei, o Conselho Superior da Magistratura suspenda o juiz Januário Domingos se houver matéria suficiente para prosseguir com uma instrução preparatória. E o próprio Ministério Público tem o dever de levantar e investigar a questão.
Não se diga que a condenação já está executada a partir do momento em que o juiz Januário Domingos mandou conduzir os Revús à cadeia. Trata-se de uma execução continuada que, como é óbvio, tem de cessar a partir do momento em que fica suspensa.
Em suma, há que retirar os efeitos legais adequados do despacho da colenda conselheira do Tribunal Constitucional, Luzia Sebastião, e suspender a execução da sentença que condenou os Revús, até ser decidida a constitucionalidade normativa da mesma.

Bibliografia:
ALBUQUERQUE, P.P. (2011), Comentário ao Código de Processo Penal, Lisboa: Universidade Católica Editora.
BACELAR GOUVEIA, J. (2014), Direito Constitucional de Angola, Luanda: IDILP.
GRANDÃO RAMOS, V. (2011), Código de Processo Penal, Luanda: Universidade Agostinho Neto.
MACHADO, J., COSTA, P. e HILÁRIO, E. (2013), Direito Constitucional Angolano, Coimbra: Coimbra Editora.
MARQUES DA SILVA, G. (2006), Curso de Processo Penal, III, Lisboa: Verbo.
PEIXOTO, R. (2010), Breves Considerações sobre os Efeitos dos Recursos. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n.º 74
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LISBOA: A Falácia sobre os Investimentos de Isabel dos Santos em Portugal

A Falácia sobre os Investimentos de Isabel dos Santos em Portugal

Fonte: Makaangola/Rui Verde 2 de Maio de 2016
Alguns supostos sábios portugueses, daqueles que terão inspirado os "Relógios Falantes" de Francisco Manuel de Melo, gostam de abrir as suas bocas pomposas para falar dos “grandes investimentos da engenheira Isabel dos Santos em Portugal” e da sua enorme importância para a economia nacional. Ora, importância para a economia portuguesa tiveram ou têm António Champalimaud, Belmiro de Azevedo, ou o Orlando, o Esteves, o Amílcar e muitos outros pequenos e médios empresários que labutam no dia-a-dia, produzem e fazem com que as coisas aconteçam.
Quanto a Isabel dos Santos, analisemos somente um dos seus investimentos em Portugal, de modo a apreciarmos o estilo que a caracteriza e o impacto das suas iniciativas, apenas para concluirmos que estamos perante mais uma falácia, isto é, um “sofisma ou engano que se faz com razões falsas ou mal deduzidas” (cf. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa).
O investimento em análise é a participação financeira de Isabel dos Santos no BPI (Banco Português de Investimento).
Esta participação começou em 2008, através da compra pela Santoro (empresa detida por Isabel dos Santos, sem movimento nem capital social significativo) das acções que o banco BCP (em Portugal) detinha no BPI, e que correspondiam a 9,7% do capital.
O Banco Comercial Português (Millenium BCP) atravessava uma crise de governação, e pouco antes da operação de compra e venda das suas acções no BPI, a Sonangol tinha-se tornado o seu maior accionista. Portanto, a operação BPI resulta de um acordo entre Isabel dos Santos, através de uma empresa oca, e a Sonangol (empresa dos petróleos angolanos). Não se conhecem os meios de pagamento usados nessa transacção. Mas, para todos os efeitos, tratou-se de uma transacção entre particulares que não beneficiou nem deixou de beneficiar a economia. Contudo, o valor do negócio é público. Rondou os 164 milhões de euros. Note-se que este valor é superior às cotações da altura em cerca de 30%, mas impôs uma menos-valia ao BCP de cerca de 300 milhões de euros, pois no momento em que o BCP tinha consolidado a sua posição no BPI esta valia 481 milhões de euros. Dependendo da perspectiva, o BCP, grosso modo, ganhou 30 milhões de euros ou perdeu 300 milhões de euros. Seja como for, começa por ser uma operação pouco clara, até porque simultaneamente, em Angola, Isabel dos Santos, através da Unitel, tomava conta de parte do capital do BFA. Seria interessante perceber os fluxos financeiros que ligam estas operações, bem como os efeitos colaterais e os empréstimos concedidos.
Talvez as únicas pessoas a ganhar com este negócio tenham sido os advogados que redigiram os contratos. É uma hipótese.
Mais tarde, em 2010, houve um reforço de capital no valor de 800 mil euros comprado em bolsa. Constituiu uma operação simples, sem relevo especial.
Foi somente em meados de 2012 que a Santoro (propriedade de Isabel dos Santos) comprou mais 9,4% do capital social, atingindo a posição de quase 20% que hoje detém. Esta compra, ironicamente, foi feita à CaixaBank (aquela que hoje “luta” com a Santoro), e permitiu a Isabel dos Santos duplicar a sua posição.
Mais uma vez, estamos diante de uma transacção financeira entre particulares. Novamente, para o retrato ficar completo, seria interessante saber-se quem a financiou e quais foram os efeitos colaterais.
No BPI, Isabel dos Santos não realizou qualquer investimento em termos económicos e nenhuma despesa em equipamentos de capital ou em meios de produção para o aumento da capacidade produtiva (instalações, máquinas, transporte, infra-estrutura). Limitou-se a firmar contratos de compra e venda cuja mais-valia agregada é igual a zero. Zero porquê? Porque não contribuiu para o aumento geral do stock de capital.
Ou seja, com a entrada da Santoro, a gestão do BPI não se tornou mais eficiente ou melhor.
O BPI não obteve qualquer “dinheiro fresco” aquando da entrada da Santoro. Não foi esse dinheiro que comprou mais máquinas, que contratou mais pessoal ou que internacionalizou a instituição financeira. Na realidade, o dinheiro de Isabel dos Santos (ou o dinheiro que esta utilizou) não trouxe qualquer benefício ao BPI – os benefícios foram apenas da LaCaixa e talvez (ou não) do BCP. Tratou-se de uma mera mudança de mãos de activos.
Este tipo de aplicação financeira é positivo para Isabel dos Santos se lhe der lucro, e é mau se lhe der prejuízo. Do ponto de vista do BPI, é tecnicamente indiferente, uma vez que se trata de uma mera troca de accionistas. Para Portugal, a operação só tem relevo se a Santoro obtiver alguma mais-valia e pagar impostos sobre a mesma, o que provavelmente, através da utilização da Santoro e de mecanismos com offshores, não acontecerá.
Portanto, quando no BPI se fala de “investimento” angolano, fala-se disto: de compra e venda de acções entre particulares sem efeitos significativos na economia. Nada mais, e com muitas pontas soltas em termos da origem dos fundos e eventuais efeitos colaterais.
Note-se, e aqui entramos no cerne da questão, que a compra da parcela do BPI ocorreu em 2008 e foi realizada ao Millennium BCP, que vivia na época uma crise suscitada em parte por interesses angolanos, que na mesma altura, através da Sonangol, totalizavam 10% de participação, tornando-se os maiores accionistas do próprio BCP. Repito: em 2008, Isabel dos Santos compra a parte do BCP no BPI, após a Sonangol se ter tornado a maior accionista do BCP. Refira-se também que o valor pago por Isabel dos Santos (embora acima do valor momentâneo de mercado) se traduziu numa menos-valia para o BCP. Outro facto: o primeiro-ministro de Portugal era José Sócrates.
Então, em 2008, o banco que acabava por estar controlado pelo pai, José Eduardo dos Santos, através da Sonangol (BCP), vende à filha (com uma menos-valia) as acções que detinha no banco BPI (aquele que domina o BFA em Angola), estando José Sócrates no poder. Este é o retrato da operação, e não outro.
Coloca-se então a pergunta: de onde veio o dinheiro da filha-princesa? Não foi certamente das actividades das Santoro 1 e 2, que constituem meras sociedades de participação e não tinham operações em curso de onde resultassem rendimentos regulares. Aliás, as Santoro foram criadas na mesma época, precisamente para servirem como veículos de aquisição.