Era uma vez uma administradora de uma empresa nacional de combustíveis chamada Sonangol, num país muito rico em petróleo onde a maioria da população vivia na miséria absoluta.
A administradora queria ir de férias a um país distante. A administradora só viajava em classe executiva pois, sendo uma alta funcionária de uma empresa nacional de combustíveis num país muito rico em petróleo, não iria passar as muitas horas de viagem num lugar apertado.
No seu país, a maioria da população viaja sempre em lugar apertado, ou mesmo muito apertado (e quase nunca de avião), por falta de transportes, de estradas e até de combustíveis.
A administradora queria levar consigo o seu marido, que sendo casado com uma alta funcionária de uma empresa nacional de combustíveis, num país muito rico em petróleo, só viaja em classe executiva. É uma questão de classe e, assim, tranquilamente, enquanto bebe champanhe, pode ler os melhores jornais e revistas internacionais. No seu país, a maioria da população é analfabeta por falta de um ensino adequado e até de lápis e cadernos.
A administradora e o seu marido têm três filhos que, tendo por mãe uma alta funcionária de uma empresa nacional de combustíveis, num país muito rico em petróleo, só viajam em classe executiva. É uma questão de classe e, assim, podem ver os últimos filmes de Hollywood e brincar com os melhores jogos de vídeo. No seu país, a maioria da população não tem televisão, leitores de DVD, consolas de jogos ou mesmo acesso a energia eléctrica.
A administradora precisava então de comprar cinco bilhetes de avião em classe executiva, ao custo equivalente a US $23,520.00 daquelas notas verdes americanas. É uma quantia que daria para alimentar, vestir, educar, transportar, cuidar da saúde e até mesmo aliviar o sofrimento de, pelo menos, várias dezenas de habitantes do seu país que (sobre)vivem, segundo as estatísticas das organizações internacionais preocupadas com os assuntos mesquinhos dos índices de desenvolvimento humano, com menos de dois dólares por dia.
A administradora Raquel David Vunge mandou então a sua secretária marcar as passagens aéreas para as férias de toda a família. Custou apenas 2,352,691.80 Kz. Em seguida a administradora enviou os recibos, solicitando “pagamento das férias” (tal e qual), a um director da empresa, de patente mais elevada, reverências mais solenes e, sobretudo, poderes mais mágicos para fazer aprovar solicitações de pagamentos de férias e outras. Muitas e diversas férias e outros gastos afins haverá, numa empresa nacional de combustíveis, num país tão rico em petróleo.
E foi assim, com poderes mágicos, que aqueles dólares todos, incluindo até os oitenta cêntimos, foram pagos logo ali, sem perguntas. Ninguém averiguou sobre o benefício da despesa de férias de família para o funcionamento da empresa nacional. Ninguém se lembrou da justificação de tal gasto para o bem do país, muito rico em petróleo, onde a maioria da população vivia na miséria absoluta.
Também ninguém perguntou porquê a liderança que, volta e meia abomina Portugal, autoriza pagamentos de férias para Lisboa, onde se fala mal da origem da riqueza de tão diligentes servidores públicos. E o povo angolano, sempre animado, paga as férias de tão ilustres famílias angolanas que, nesse Portugal de conquistadores conquistados, vivem tão bem.