segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

SÃO PAULO: General sobrinho do ditador Angolano chegava a pagar US$ 100 mil por sexo com brasileirs

General angolano chegava a  pagar US$ 100 mil por sexo com brasileiras



Reportagem especial denuncia rede de prostituição de luxo, que levava brasileiras a Angola. Principal cliente era um dos homens mais poderosos da África.


Fonte: Globo/Fantástico

Divulgação: Planalto De Malanje Rio Capôpa
A reportagem especial deste domingo, no Fantástico, vai denunciar uma rede de prostituição de luxo que você nunca viu nada parecido. Mulheres brasileiras eram levadas para fazer programas sexuais em Angola. Segundo as investigações, o principal cliente era um general, um dos homens mais poderosos da África. Ele chegava a oferecer US$ 100 mil por um programa. Veja na reportagem de Walter Nunes e Ernesto Paglia.
O Aeroporto Internacional de São Paulo é passagem frequente de muitos famosos. Artistas, celebridades, gente que viaja a trabalho para decolar nos palcos do Brasil e do mundo.
Agora, uma investigação da Polícia Federal revela que, durante os últimos sete anos, Guarulhos funcionou também como ponto de partida de uma ponte aérea da prostituição, que ligava Brasil e África.
Brasileiras - algumas, rostos conhecidos de programas de TV - embarcavam pelo menos duas vezes por mês com destino a Angola ou à África do Sul. Em certos casos, essas expedições incluíam Portugal.
Entre os envolvidos, não havia segredo. O objetivo das excursões era abertamente sexual.
Fantástico: Essas mulheres sabiam que iam para lá para se prostituir?
Stella Fátima Scampini, procuradora federal: Sim.
Fantástico: Então, isso não descaracteriza o crime?
Stella: Não. O fato de a pessoa se prostituir, isso não é crime. A pessoa que explora a outra sexualmente, que tira proveito da prostituição alheia, essa sim comete crime. O simples fato de você promover a saída de uma pessoa para o exterior para exploração sexual, isso por si só já é um crime, que é justamente o crime de tráfico internacional de pessoas.
O destino final desse tráfico de pessoas era, na maioria das vezes, a cidade de Luanda. A precária capital angolana, marcada por quase 30 anos de guerra civil, foi o improvável cenário de prostituição para algumas mulheres brasileiras.
Se Angola ainda luta contra a pobreza, o mesmo não pode ser dito do homem que a Polícia Federal aponta como o grande patrocinador deste esquema, que pode ter movimentado quase US$ 50 milhões desde 2007.
Bento dos Santos Kangamba é general da reserva das Forças Armadas angolanas. Herói da guerra civil, líder político do partido do poder, o MPLA, ele é um dos maiores empresários do país. Com negócios na África e em Portugal, dono do time de futebol que é o atual campeão angolano, o general Bento tem forte ligação com o presidente José Eduardo dos Santos, no poder há 34 anos. Ele é, simplesmente, casado com uma sobrinha do chefe de estado de Angola.
Luiz Tempestini, delegado da Polícia Federal: Ele é uma pessoal muito influente naquele país.
Fantástico: Intocável?
Tempestini: Eu não diria intocável. Mas tem uma dificuldade maior sim.
De acordo com a Polícia Federal, as brasileiras eram enviadas em grupos de cinco ou seis para Angola. No auge do esquema, no meio deste ano, havia pelo menos dois grupos por mês. Em uma escuta feita com autorização judicial, uma das mulheres que já tinha visitado Luanda conta para outra como é a viagem. A conversa confirma: as moças sabiam muito bem com quem estavam lidando.
Mulher 1: Ele é famosíssimo. Esse cara é dono de tudo lá. Ele abre uma gaveta assim ó, cheio de dólares. Cheio. Milhões de dólares.
As moças eram contratadas por US$ 10 mil cada. O combinado: uma semana à disposição de Kangamba e seus amigos na África. Mas, para uma delas, a eleita, o cachê podia ganhar outra dimensão.
As escutas mostram que Bento Kangamba fazia uma seleção cuidadosa e escolhia uma das beldades para ser a sua própria acompanhante.
Mulher 1: No primeiro dia que ele foi ver a gente, ele pegou, foi lá pro quarto, mandou chamar nós duas. Aí ele mandou ficar em pé para ele ver meu corpo.
Mulher 2: De roupa mesmo ou sem nada?
Mulher 1: De vestido e calcinha.
Em um quarto do hotel, as moças desfilavam diante do poderoso angolano.
Mulher 1: Ele não gosta de baixa, ele gosta de mulher super bolada. Ele gosta de mulher com carne. Se eu tivesse o corpo de antes, a bunda do tamanho do mundo, eu tenho certeza que ele ia pirar na minha.
Quando Kangamba decidia, a escolhida recebia um bom pé-de-meia. O general pagava até US$ 100 mil, quase R$ 250 mil, para a sua favorita. Mas essa pequena fortuna tinha um preço alto, segundo a polícia. Um risco de vida. Quando se trata de sexo, o general tem os seus caprichos.
Mulher 1: Ele não transa com camisinha, né?
Mulher 2: Ah, não?
Mulher 1: Dizem que ele só gosta sem camisinha e por isso que ele dá R$ 100 mil, R$ 200 mil para as meninas.
Fantástico: O risco envolvido é muito alto.
Stella: Muito alto. Elas tinham consciência disso, muitas delas ficavam em dúvida, mas acho que a tentação e aquela ambição era maior.
Mulher: Eu não vou ficar com demagogia, não, tô lá na chuva é pra me molhar. Ninguém morreu de Aids até agora.
Para as moças que ficavam em dúvida, era oferecido um suposto antídoto, um coquetel de drogas antiaids.
Nesta escuta, uma das mulheres que topou fazer sexo sem camisinha com Bento Kangamba conta os efeitos da medicação recebida.
Mulher: Deixa eu te falar uma coisa, eu estou tomando os negócios e eu estou supermal.
Para o Ministério Público Federal, não há comprovação de que esses remédios de fato teriam algum efeito contra a contaminação pelo vírus.
“A gente não sabe do que seria composto, mas acho que todos sabemos que ainda não há cura para esse tipo de doença”, afirma a procuradora.
Segundo a Polícia Federal, ninguém conhecia melhor as exigências de Bento Kangamba do que um brasileiro, o encarregado de recrutar as prostitutas do lado de cá do Atlântico.
Músico, produtor de eventos, Wellington Eduardo Santos de Souza visitou Angola pela primeira vez em 2003 como percussionista do grupo de pagode Desejos. Wellington é conhecido como Latyno e não deve ser confundido com o músico mais famoso, que tem o mesmo apelido.
Os shows em Luanda iniciaram a parceria com Nino Republicano. O empresário artístico africano era o contato do brasileiro na capital angolana. Segundo a investigação, Nino era encarregado de reservar hotéis e pagar as despesas das brasileiras.
Latyno: Foi nove mil, nove mil e pouco das passagens de todo mundo.
Republicano: Você tinha seis mil dólares meus aí.
Latyno: Comprei cinco bilhete.
Republicano: Então, cinco bilhete dá quanto?
Latyno: Eu vou te passar as contas aí tem o dinheiro já, tu vai pegar aí com o coiso.
A Polícia Federal calcula que o esquema de prostituição internacional chegou a faturar mais de R$ 640 mil por mês. E o dinheiro não ficava todo com as mulheres. A comissão cobrada pelo chefe dos agenciadores, Wellington de Sousa, o Latyno, corroía pelo menos metade desse valor. E como a mesma rapidez com que ele dinheiro entrava, aparentemente ele saía, gasto em itens de luxo, como um supercarro que está apreendido pela Polícia Federal de São Paulo. Um veículo que zero quilômetro custa mais de R$ 380 mil.
“Ele era basicamente o líder da organização aqui no Brasil”, revela o delegado.
Em uma ligação, o ex-pagodeiro fala diretamente com o general angolano. O assunto é uma viagem a Portugal.
Kangamba: Qual o pessoal que vai agora?
Latyno: Tô com várias pessoas já preparadas, que era tudo pessoal de TV. Já tem um time bom, tudo montado pra lá.
Kangamba: Põe pra ir na quinta-feira, elas.
Em outra gravação, ele precisa lidar com a frustração do general, que não pode ter uma das moças que gostaria.
Kangamba: A cara é boa, né?
Latyno: Sim, é boa. É grande, né? Aquela eu tentei já, mas é difícil demais, tio.
Kangamba: É difícil por quê?
Latyno: É muito difícil, tio. Tentei muito, tentei muito.
Kangamba: Ah, tá bom, organiza lá então.
Latyno - que lembramos mais uma vez, não tem nada a ver com o músico mais famoso de mesmo apelido - também executava funções burocráticas. Em uma escuta, uma das mulheres explica que o ex-pagodeiro também cuidava do dinheiro recebido pelo grupo.
Mulher: Quem sempre vai pra pegar o dinheiro, trazer o dinheiro pra gente é o Latyno.
Mas, em pelo menos um dos casos, diz a polícia, o agenciador sumiu com o dinheiro. E a mulher escolhida pelo general ficou sem os US$ 100 mil pagos por Kangamba para fazer sexo sem preservativo.
Em uma troca de mensagens com Latyno, ela cobra a dívida. E o chama de 'o maior cafetão do Brasil'.
Latyno está preso desde o final de outubro. Com ele, estão outros quatro brasileiros. Segundo a polícia, são seus dois auxiliares principais: Rosemary Aparecida Merlin e Eron Francisco Vianna. E o terceiro escalão da quadrilha, formado por Luciana Teixeira de Melo, a Lu Bob, e Jackson Souza de Lima, marido de Rosemary.
“Cada um tinha uma função específica. Mas em termos gerais eles eram responsáveis por toda a logística da organização. Tanto para aliciamento, quanto para seleção, quanto para obtenção de vistos”, afirma Tempestini.
O grupo é acusado de formação de quadrilha, favorecimento à prostituição, tráfico internacional de pessoas e cárcere privado.
Mulher 1: A gente teve que ficar trancada no quarto todos os dias. Horrível, horrível, essa sensação de prisioneira, sabe?
Em uma escuta, a irmã de uma das moças levadas a Angola liga para Rose Merlin, assistente de Latyno.
Irmã: Ela tava surtando já no sábado lá, ela falou comigo. Não podiam fazer nada, ficaram trancadas, que não sei o quê.
Rose: Como o Latyno não está lá, sem autorização do Bento, ninguém sai de lá, também, né?
“Somados os crimes que as pessoas foram indiciadas e denunciadas pelo Ministério Público, o cálculo é aproximado de 41 anos de pena total”, explica o delegado.
O Fantástico procurou todos os acusados. Entre os brasileiros, nenhum quis dar entrevista. A defesa de Jackson Souza de Lima mandou uma nota em que nega todas as acusações e que seu cliente não tem antecedentes criminais. Os angolanos Bento Kangamba e Nino Republicano tiveram a prisão preventiva pedida pelo Ministério Público Federal.
“De uma forma direta eles participaram também dos crimes cometidos aqui. Esse núcleo brasileiro não existiria se não houvesse o fornecimento de dinheiro. Os fatos estão todos correlacionados”, avalia Stella.
Hoje, Kangamba e Republicano têm os nomes na lista vermelha da Interpol, a polícia internacional.
“De regra, Angola não extradita nacionais. No caso de eles buscarem algum outro país, será a ocasião em que eles poderão ser presos imediatamente, para uma futura extradição para o Brasil”, afirma Luiz Eduardo Navajas, chefe da Interpol no Brasil.
Bento dos Santos Kangamba contratou um advogado para defendê-lo no Brasil.
“Se algo como isso acontecia, acontecia absolutamente sem o conhecimento e domínio do Bento dos Santos. Ele contratou profissionais, artistas brasileiros, para fazer a promoção do clube de futebol dali”, argumenta Paulo Iasz de Morais, advogado de Bento Kangamba.
Nino Republicano também contratou um advogado brasileiro.
“O meu cliente não tem nenhum envolvimento com a dita quadrilha de tráfico internacional de mulheres. Ele tem uma empresa de eventos, responsável por levar inúmeros eventos de artistas brasileiros para Angola”, defende Pedro Iokoi, advogado de Nino Republicano.
As mulheres que viajaram a Angola não serão chamadas como testemunhas, segundo o Ministério Público Federal, para proteger suas identidades.
Fantástico: O papel dessas mulheres no processo é o de vítimas.
Stella: Sim.
Fantástico: Alguma dessas vítimas procurou o Ministério Público Federal para denunciar esse esquema?
Stella: Não. Esse tipo de crime envolvendo prostituição de luxo, elas tentam preservar a privacidade. Então é muito difícil que venham aos órgãos públicos.
Fantástico: Têm medo da exposição?
Stella: Muito medo da exposição. Muito medo de ver seu nome vinculado à prostituição.
Fantástico: Talvez seja difícil para o público em geral identificar onde está o erro. Se são mulheres adultas, famosas, foram de livre e espontânea vontade em busca de dinheiro, será que os riscos envolvidos não são aceitos popularmente.
Stella: É dever do Ministério Público reprimir e também proteger essas vitimas, que muitas vezes nem se vêem como vitimas.