Fonte: Makaangola/Rui Verde, doutor em Direito 19 de Fevereiro de 2016
Está o caos instalado na economia angolana. Os hospitais não têm medicamentos e consumíveis, em Cabinda faltam alimentos, no Sul o governo vê-se impotente para combater a seca, no Namibe falta o arroz, os supermercados vêem-se com as prateleiras vazias. Se são tantas e tão graves as dificuldades na vida quotidiana das pessoas (na chamada microeconomia), em termos de grandes agregados (macroeconomia) a situação não é melhor, com a inflação a crescer novamente para dois dígitos. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, só entre Setembro e Outubro de 2015 e inflação em Luanda foi de 1,4%. Simultaneamente, nos primeiros meses de 2015, o kwanza tinha-se desvalorizado em 26%.
Em todo o caso, o grande problema é a queda do preço de petróleo. Angola é, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a segunda economia mais concentrada do mundo, logo a seguir ao Iraque. Por isso, a queda no preço de petróleo afecta profundamente todo o país, uma vez que representa aproximadamente 95% das exportações e 75% das receitas fiscais. Portanto, o dinheiro começa a faltar. Acresce que a produção nacional está concentrada numa mão-cheia de pseudo-empresários, que não passam de rentistas a quem o poder atribui benefícios e que não estão habituados à eficiência e à competição.
Este é o cenário de quase-catástrofe que a economia angolana enfrenta. Que políticas devem ser adoptadas?
A diversificação
Têm sido anunciados vários planos e há muito quem papagueie o termo “diversificação”. Parece óbvio que a segunda economia mais concentrada a seguir ao Iraque precisa de diversificação. Mas como diversificar? O problema é que as poucas actividades de monta angolanas estão nas mãos da oligarquia dirigente. Para existir diversificação, os mercados têm de ser abertos, há que libertar a actividade económica, a competição tem de ser incentivada. Isto é, todos os actuais beneficiários do regime veriam as suas coutadas invadidas, teriam de concorrer com outros, deixariam de cobrar comissões. Muito provavelmente, a diversificação implicaria a falência de muitos generais e apaniguados, habituados a tudo comandar sem disputa. Por isso, a questão da diversificação é antes de mais política, e quase impossível de alcançar com o presente governo.
A diversificação também implica, além da criação de mercados livres, o estabelecimento por parte do Estado daquilo a que Schumpeter (o famoso economista austríaco) chamava “clima social”. Os investidores, de quem a diversificação depende, têm de sentir que o Estado está com eles, não podem temer as expropriações, a voracidade da família presidencial, de ministros comissionistas, da burocracia lenta e corrupta, de tribunais que não funcionam de acordo com a lei. Além do mais, têm de existir infra-estruturas básicas, como as redes de distribuição de energia e de água.
Pensemos num exemplo concreto: a diversificação para o turismo. Angola tem paisagens naturais belíssimas, mas para nelas construir um hotel é necessário criar uma estrutura completamente autónoma e auto-suficiente, porque pode faltar a água, a energia... Para chegarem a Angola, os turistas precisam de submeter-se a um processo muito complicado de concessão de vistos, os restaurantes são caríssimos. Hotéis que praticam preços de cartel, com processos irritantes de atribuição de visto, com preços exorbitantes - será possível atrair turistas nestas condições?
Como se compreende, não pode haver diversificação sem mudança política.
As políticas de diversificação económica mal produzem bolinhos para o mercado nacional.
A crise orçamental
Analisemos agora outra face da crise: a crise orçamental. Perante a quebra do preço do petróleo, o governo anunciou cortes acentuados no orçamento ao nível das despesas. Detenhamo-nos apenas num aspecto para entender como se brinca aos cortes. Como se sabe, no topo do Estado está o poder executivo, titulado pelo presidente da República, que é coadjuvado pelos ministros. Ora, os ministros são 34, e os adjuntos são mais de 50. Nos Estados Unidos são 15. Em Portugal são 17. No Botswana são 15. Outros exemplos se podem trazer à colação. Mas desde já fica registado um facto: Angola tem ministros em demasia. Pensemos agora em termos qualitativos. Terá sentido existir, além de um ministro da Economia, um ministro do Comércio, da Indústria, do Turismo e Hotelaria, das Pescas e da Agricultura? Talvez todos estes ministérios pudessem ser transformados num único Ministério da Economia, poupando-se uma imensidão de recursos. Também é estranha a existência de um Ministério do Urbanismo e Habitação, e outro da Construção. A Geologia e Minas, a Energia e Águas, os Petróleos, tudo em separado é outra bizarria.
Esta profusão de ministérios é fruto da típica necessidade das ditaduras de terem muitos cargos para distribuir, não definindo exactamente as atribuições e competências de cada um, para que estejam em constante disputa pela atenção do chefe-ditador. Mais uma vez, o dispêndio de somas excessivas com a estrutura máxima do Estado é uma questão de controlo político, e não de racionalidade económica.
Veja-se o OGE de 2016. A estrutura central consome praticamente 77% do orçamento total. Em teoria, as 18 províncias dividem o resto entre si, mas a verdade é que raramente recebem na íntegra as verbas que lhes são cabimentadas. Como é que um regime incapaz de descentralizar a execução orçamental pode diversificar a economia?
O Kwanza
Um outro aspecto relevante na análise da economia política de Angola é o do kwanza. Trata-se de um dos problemas mais graves com que o país se defronta. Por um lado, o kwanza tem-se desvalorizado assinalavelmente. Por outro, o governo afirma que quer e vai manter o valor da moeda. Para manter o valor do kwanza, o governo tem de gastar reservas, que podem faltar-lhe para outros objectivos. Em contrapartida, a depreciação da moeda torna mais fácil promover a diversificação e o investimento. Mas, por outro lado, porque promove a concorrência, a desvalorização cambial vem perturbar a oligarquia reinante; os produtos importados tornam-se mais caros, o que pode conduzir a revoltas da população de classe média, que se habituou recentemente a mais e melhores produtos.
Quer isto dizer que: 1) manter o kwanza valorizado custa dinheiro e protege os dirigentes do regime; 2) desvalorizar a moeda aumenta a competição, diversifica a economia, mas torna as importações mais caras e pode criar agitação social. Ou seja, também no caso da política cambial estamos acima de tudo perante opções políticas.
A crise económica em Angola está indelevelmente ligada ao regime político, podendo dizer-se que sem mudança de regime não é possível resolver os problemas económicos de base. O regime não pode fazer muito mais senão aguentar, aguentar, até o preço do petróleo subir e voltar a haver dinheiro para distribuir. Aliás, como José Eduardo dos Santos em Angola, andará Maduro na Venezuela ou Putin na Rússia, ainda que não tão dependentes.