quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

ALEMANHA/LEIPZIG: Crise Desperta "Maior Medo" do Regime Angolano: A contestação da Classe Média

Crise desperta "maior medo" do regime angolano: a contestação da classe média

Fonte: DW África
Crise desperta "maior medo" do regime angolano: a contestação da classe média


Jon Schubert, sociólogo suíço, considera que a falta de credibilidade das promessas do Governo está a levar a contestação inédita. Ainda assim, sublinha, relações de poder no país não deverão alterar-se em breve.
É "o maior medo do regime de Angola", nas palavras do sociólogo suíço Jon Schubert: a perda do apoio da classe média. Segundo o investigador da Universidade de Leipzig, na Alemanha, que viveu dez anos em Luanda, a crise económica está a levar esta camada da sociedade angolana a reivindicar mudanças.
No entanto, diz o investigador em entrevista à DW África, apesar das dificuldades perante a queda das receitas do petróleo, o Governo de José Eduardo dos Santos continua a obter meios financeiros que lhe permitem distribuir rendimentos pelas elites do país, evitando uma contestação ao nível interno. Não se esperam, por isso, grandes alterações nas relações de poder em Angola, "pelo menos este ano", diz Jon Schubert.
DW África: Como é que a crise económica atual se reflete na sociedade angolana?
Jon Schubert (JS): De um lado, temos o impacto puramente económico, que, como sempre, em Angola, afeta a classe económica mais baixa de uma forma muito significativa. As pessoas gastam quase metade ou um terço dos salários nos candongueiros no dia-a-dia e agora sofrem por causa da subida dos preços e a penúria alimentar. Dizem que não há mais comida. Mesmo tendo algum dinheiro, não conseguem alimentar-se e sustentar as suas famílias. Isto já é muito visível. O que é mais interessante, na minha opinião, é que, desde o ano passado, uma classe média urbana - que até agora ainda estava mais ou menos satisfeita com o status quo - já está a sentir as faltas.
Há uma geração que se formou e estava à espera de conseguir um emprego na função pública ou nos setores que são os mais afetados: a construção, o setor do petróleo, os bancos. Agora, não conseguem emprego nem economizar para investir. Esse tipo de promessas que, até agora, o regime conseguiu manter como uma ideia que também "calava" essa classe média politicamente pouco ativa já não é muito credível. Isso faz com que estas pessoas comecem a reivindicar uma mudança de sistema, da forma como a economia e a política do país são geridas. Esta classe que histórica e estruturalmente faz parte dos apoiantes naturais do regime culpa agora o Governo e, mais especificamente, o Presidente José Eduardo dos Santos e a sua família pela gestão despesista dos fundos do Estado.
DW África: Neste sentido, será que as pessoas vão começar a contestar mais o poder em Angola?
JS: É difícil dizer. Houve uma grande mudança na mentalidade nos últimos três anos. As eleições de 2012 foram o ponto alto do "sistema dos Santos". O Governo estava numa posição de força, tinha ganho as eleições pela segunda vez, com a economia a um bom ritmo. Depois, as contestações que já tinham começado de forma tímida em 2011 continuaram e, com a crise, as pessoas tomaram uma consciência de que as coisas realmente não estão bem em Angola. Nesse sentido, acho que sim, isso pode gerar mais contestações ao Governo. Agora, ainda não se sabe qual a forma que isso vai tomar. O maior medo do regime é perder o apoio dessa classe urbana. No momento em que a classe média - que, de certa forma, representa a consciência política e social de uma sociedade - começa a reivindicar uma mudança, a formular posições que até agora a classe mais baixa, por razões estruturais, de educação e de acesso aos media, não teve como articular, esse é o grande desafio.
DW África: Num artigo que publicou recentemente, fala de um sistema de clientelismo no poder em Angola. Como se traduz esse conceito no país?
JS: É a ideia de que o próprio Presidente está a gerir a distribuição das receitas do petróleo à elite e é com isso que as elites do MPLA e das Forças Armadas ficam satisfeitas e apoiam o Presidente. A perspetiva puramente clientelista, na minha opinião, não consegue explicar como é que a maior parte da população não beneficia diretamente dessa distribuição de rendimentos muito altos, do acesso a crédito, a contratos do Estado - que estão reservados a ministros e generais.
No meu artigo falo daquilo a que os angolanos chamam "cultura do imediatismo". É que a ideia de que, graças aos rendimentos do petróleo, a ascensão social é possível para toda a gente é quase uma ilusão. No entanto, nos últimos anos, a verdade é que quem tem uma ligação privilegiada com alguém no regime consegue inserir-se nessas redes de distribuição e alcança uma ascensão económica muito importante. E esse imediatismo da economia e dos investimentos leva muitos a dizer que os angolanos não têm paciência para investimentos a longo prazo, querem investimentos que rendem no imediato. O problema é que esse "milagre" só era possível graças aos rendimentos do petróleo. Agora, com esses rendimentos a falhar, esse sistema imediatista ou de curto prazo da economia já não funciona mais.
DW África: E a crise económica poderá ter consequências para este sistema de clientelismo, mesmo nas relações de poder?
JS: Acho que sim. Mesmo dentro do regime já há vozes que dizem que o Presidente tem de sair. Se passar o poder a um dos filhos, o sistema vai perpetuar-se e é ruinoso não só para o país, mas também para os interesses económicos da elite. Por outro lado, o Governo ainda consegue angariar fundos, pedir empréstimos aos chineses, a investidores privados, e ainda há dinheiro que está a entrar e que pode ser distribuído nesses círculos restritos. Consegue continuar com esta gestão clientelista a alto nível, por isso, acho que ainda não vai haver contestação aberta dentro do regime. O Presidente já disse que não haverá renovação de mandatos este ano. A mensagem é muito clara: querem a presidência, formem os seus próprios partidos. Por isso, acho que não haverá contestação aberta dentro do MPLA.
DW África: Acha então que a crise económica não irá traduzir-se em grandes alterações nas relações de poder?
JS: Não, pelo menos não este ano. Acho que a grande pergunta vai ser o que vai acontecer nas eleições de 2017. Claro que, se a gestão actual da crise continuar desta forma, os problemas vão acentuar-se e vai tornar-se muito mais difícil para o MPLA conseguir os votos que conseguiu nas últimas eleições sem fraude muito mais maciça. Agora, o problema é, como sempre, a fraqueza da oposição. A UNITA reelegeu Samakuva para um terceiro mandato na presidência, em dezembro, e isso enfraquece o partido, diminui a sua credibilidade. Se também ali não há renovação de mandatos, como é que as pessoas vão acreditar que este é um projeto político mais credível que o atual?

LUANDA: Activista Angolano Apresenta Queixa Contra Polícia Por Ter Sido Preso e Ameaçado

Activista angolano apresenta queixa contra polícia por ter sido preso, espancado e ameaçado

Emiliano Catombela foi preso depois de interpelar a polícia sobre invasão da casa da mãe.
Emiliano Catombela, activista cívico angolano
Emiliano Catombela, activista cívico angolano

Manuel José
O activista cívico do autodenominado Movimento Revolucionário Angolano Emiliano Catombela apresentou nesta quarta-feira uma queixa-crime contra a policia por ter sido preso, espancado e ameaçado na esquadra policial de Viana.
Catombela foi detido na passada segunda-feira, 15, defronte à casa da mãe em Viana e colocado em liberdade três horas mais tarde.
Catombela  reiterou à VOA ter sido agredido e ameaçado por agentes da policia na esquadra de Viana, para onde foi levado por ter questionado o motivo da invasção da casa da mãe.
''Estou a caminho da esquadra para abrir uma queixa-crime contra os agentes policiais'', disse Catombela, adiantando que as ameaças eram destinadas aos denominados revús: "Eles diziam que íamos pagar pelo facto de pertencermos ao Movimento Revolucionário, esse David Mendes que vos defende um dia vai se dar mal, ainda bem que o Nito Alves já foi condenado, pensam que os Estados Unidos vão vos apoiar para sempre!''
Emiliano Catombela esteve preso em 2013 na Prisão de Viana devido à sua participação numa manifestação contra o Governo.
Catombela é reconhecido como activista pela organização internacional de defesa dos direitos humanos Frontline Defenders
.

LUANDA: As Terras do Genro do Presidente e a Burrice Numérica

As Terras do Genro do Presidente e a Burrice Numérica

Fonte: Makaangola.org/Rui Verde, doutor em Direito17 de Fevereiro de 2016
Sindika Dokolo, o genero do presidente, agora dança também com números.

Tem sido amplamente noticiada a solicitação de investigação que Rafael Marques de Morais dirigiu à Procuradoria-Geral da República no que diz respeito a uns negócios de terras realizados na província do Kwanza-Sul por Sindika Dokolo, marido da bilionária Isabel dos Santos e genro do presidente da República de Angola.
Numa primeira reacção, o genro presidencial desmentiu pura e simplesmente o negócio e afirmou que as terras não existiam, e que, sendo assim, ele poderia processar por difamação Rafael Marques de Morais e os jornalistas que divulgaram as informações. Tudo não passava de uma invenção, assegurou o genro. No seguimento disto, colocou-se a hipótese de os famosos feiticeiros do Cafunfo terem chegado e lançado um feitiço às terras de Sindika, fazendo-as desaparecer. Mas o problema é que a transacção estava documentada…
Uns dias depois, o genro presidencial volta à carga, e insinua, aparentemente em off-record, que as terras existem mas que a sua dimensão é de sete hectares, e não de sete mil hectares. E continua a ameaçar com processos.
Já foi um passo. Primeiro, as terras não existiam. Agora já existem, mas são menores.
Ora, o que atrapalha Sindika Dokolo é o facto de não estarmos no domínio da ficção, mas de bens imóveis registados. E se realmente, no anúncio da concessão, o genro do presidente pode acusar o governador da Província de problemas de numeração, uma vez que aparece a expressão 7,623 hectares, a realidade é que a numeração existente nos registos oficiais anexa ao anúncio e contida no contrato não é equívoca. E cita-se aqui, para pôr fim aos mal-entendidos: “Diagrama para identificar a posição e o contorno perimetral do prédio: SUPERFÍCIE - 7.632 HECTARES”. O contrato de concessão define a área do terreno como tendo “7.632 ha (hectares)”. E os restantes documentos anexos referem sempre 7.632 hectares.
Em português, o ponto (.) a seguir a um número não tem qualquer significado, sendo apenas um facilitador de leitura. Na gramática portuguesa, quando se quer referir um número decimal, como seria o caso de sete hectares e seiscentos, usa-se uma vírgula, indicando que o algarismo a seguir pertence à ordem das décimas, ou representa casas decimais. Isto quer dizer que 7,632 não é 7.632. No primeiro caso temos um número decimal, no segundo caso temos um número inteiro em que o ponto é um mero auxiliar. A única pontuação que se pode empregar na numeração é a vírgula, para separar a parte inteira da parte decimal. Nada mais. Veja-se a norma universal aprovada na Nona Conferência Geral de Pesos e Medidas, reunida em Sèvres em Outubro de 1948, que votou a série de resoluções tendentes a regular estas questões. Sendo que esta mesma questão já tinha sido anteriormente regulamentada em Portugal pela Portaria n.º 6409, de 23 de Setembro de 1929, publicada no Diário do Governo n.º 233, de 11 de Outubro de 1929.
Assim, 7.632 hectares, em português, são sempre, inequivocamente, sete mil seiscentos e trinta e dois hectares.
Portanto, ou estamos perante uma burrice numérica por parte das autoridades competentes do Kwanza-Sul que prepararam toda a documentação, do governador-general Eusébio Teixeira de Brito e do representante de Sindika Dokolo – Luís Carlos Tavira, que celebraram o contrato, ou se cedeu “gato por lebre, ou pior, lebre por gato” (fica a dúvida). Há mais uma hipótese: será que Sindika Dokolo tenta esconder a verdade com habilidades linguísticas?
Este é somente mais um estranho caso envolvendo a família presidencial, que sempre revela grande habilidade a somar dinheiro, mas faz confusão com o número de hectares que vai acumulando de forma voraz no Kwanza-Sul.
Aguardamos pela próxima versão de Sindika