sexta-feira, 9 de junho de 2017

LUANDA: "Zé Maria" E As Mulheres - Um general Psicopata? - Parte II

“ZÉ MARIA” E AS MULHERES – UM GENERAL PSICOPATA? – PARTE II


Maka Angola publica a segunda parte da investigação sobre o comportamento indecoroso e revoltante, com assédios à mistura, do chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar (SISM), general José António Maria “Zé Maria”.
As irmãs Bengui – a ‘pequena’
Núria Bengui, de 19 anos, é finalista do curso médio de Enfermagem e trabalhava como empregada de limpeza na sede do SISM. Helena Bengui, de 22 anos, ex-copeira no SISM, fala como porta-voz da sua irmã, que acompanha parte da conversa. As irmãs são primas de Farida, com quem partilham casa. Querem assumir todos os riscos e denunciar as ameaças, os telefonemas anónimos e as visitas de madrugada de que têm sido vítimas.
“Ela [Núria] trabalhava muito na limpeza. Foi ter com o general [Zé Maria] e disse-lhe que tinha muitas regras e não aguentaria.”
Para além da sobrecarga de trabalho, “a pessoa não pode vestir roupas com letras, a pessoa não pode vestir blusas com desenho, a pessoa não pode comer e deixar comida no prato, a pessoa tem de acabar a fruta”, e Núria disse “não estou a aguentar essas regras do chefe”, recorda Helena.
Conforme o testemunho da irmã, o general alegou que a empregada de limpeza não “lhe gostava” e “estava a fugir”. Generoso, encontrou uma solução: encaminhou-a para a Repartição de Transportes, para trabalhar com a irmã Helena.
Aproximando-se a data de começo do seu estágio de seis meses, Núria pediu demissão, para se dedicar exclusivamente à enfermagem. “O chefe pensou que era mentira e mandou investigar a miúda na escola. Sem ela saber, mandou lá uns colegas do serviço [SISM]. Recolheram documentos do colégio sobre o estágio, que começaria a 1 de Maio e durante o qual ela faria noites e fins-de-semana”, conta Helena.
A partir daí, “ele [general Zé Maria] começou a atormentar a miúda”, exigindo-lhe sacrifícios e prometendo “dar um jeito” ante a firmeza da jovem em avançar com o pedido de demissão.
O general “perguntou-lhe se já comprou computador, livros, Ipad”, mas Núria respondeu que o irmão compraria, perante o que o general quis saber se ela estava a pôr em causa as suas intenções.
“Ela disse: ‘Não!’ A minha irmã é assim um pouquinho directa e acrescentou: ‘Se o chefe está a pensar que vai me conquistar, eu não vou te aceitar, porque te vejo como meu pai, meu chefe’, Núria sorri enquanto a irmã reproduz a conversa.
No dia 1 de Maio, durante a cerimónia oficial sobre o Dia dos Trabalhadores, o general notou a ausência de Núria, que saiu mal terminou o discurso do chefe para ir à reunião de estágio.
Conforme testemunhado pelas colegas, o general perguntou ao tenente-coronel João Paulo, chefe interino da Repartição de Transportes, sobre a ausência da jovem: “Ele disse que o tenente-coronel é um distraído e está ‘a faltar aqui a nossa pequena, a Núria’.”
Quando o tenente-coronel informou que ela tinha ido à escola, o general ficou chateado: “Como é que ela vai à escola sem se despedir? Que brincadeira é essa? Que falta de respeito é essa?”, recordam as funcionárias.
O pessoal do SISM foi despachado para o colégio [nome omitido], para verificar se efectivamente a jovem se encontrava na escola, e os telefonemas às irmãs não pararam.
“Como a Núria é criança, chegou aqui a chorar e disse que não voltaria ao trabalho. Aconselhei-a também a não ir mais. O general começou a ligar-me e a ameaçar que, se não fosse trabalhar, a minha irmã acabaria em tribunal.”
“Eu disse, isso é meu azar. Meter a minha irmã em tribunal porquê? Ele disse que ela é malandra e se já não quer trabalhar tem de escrever. Eu disse que quando entrámos para trabalhar não assinámos contrato. Por que temos de escrever para sair?”, recorda Helena.
“Para evitar confusão e porque já mandava espiar a miúda na escola”, Helena aconselhou a irmã a regressar ao serviço para escrever o seu pedido de demissão, sob vigilância pessoal do chefe do SISM. Como todas as outras funcionárias despedidas, Núria nunca assinou contrato nem qualquer papel que a identificasse como funcionária do SISM, à excepção do passe que lhe foi atribuído para as entradas e saídas.
Para aumentar a pressão, os subordinados do general foram à casa da irmã mais velha gravar o seu depoimento confirmando que aconselhara a irmã a demitir-se do emprego e que lhe pagaria os estudos.
“A Núria foi lá escrever. Ele atormentou a miúda. Disse ‘sua burra, não é assim que se escreve. Você está a fazer o quê na escola, com todos esses erros ortográficos?’ Chamou-lhe de psicopata, malandra, que sofre de problemas mentais. Aquilo é ofender a miúda. Ela escreveu a chorar, a soluçar”, denuncia Helena.
A ‘culpa’ da irmã
“Fui à sala onde ela estava e disse-lhe para escrever, corrigir os erros e ir embora. [O general] chamou burros aos subordinados por a terem deixado sair, incluindo o tenente-coronel Manuel Quinglês [chefe da Repartição de Contabilidade]´”, conta.
Com a saída de Núria, a pressão transferiu-se para Helena Bengui, que trabalhava na repartição de Transportes do SISM, no Morro Bento, como copeira, desde 2015, mas que no último mês de trabalho foi colocada na sede.
A 12 de Maio último, Dia dos Enfermeiros, o general Zé Maria puxou da sua cátedra e perguntou a Helena Bengui sobre a importância da data. “Eu, para lhe doer mesmo, disse, não sei.”
“Hoje é dia dos enfermeiros e não sabe?”, terá reagido o general. “Expliquei que sou técnica de laboratório, sou analista, não sou enfermeira. Ele perguntou-me se analista não tem a ver com enfermagem. Chamou-me de burra e começou a fazer-me muitas perguntas”, narra Helena.
Como castigo, o general obrigou Helena a escrever uma matéria sobre os enfermeiros, que ele avaliaria. Pediu-me também “para reproduzir o texto dez vezes e entregá-lo às minhas colegas e ao meu professor. Por ser educativo, dei-o a duas colegas minhas”, afirma.
No dia seguinte, 13 de Maio, quando se apresentou ao serviço, Helena Bengui viu-se rodeada por três tenentes-coronéis, Eurico Manuel [chefe de Repartição de Transportes, mas a exercer outras funções], João Paulo e Quinglês. “Disseram-me que eu não consegui aconselhar a minha irmã, que o chefe [general Zé Maria] estava muito chateado, que não gostou, que causei desordem e não quer pessoas confusionistas no serviço”, recorda. Os oficiais superiores informaram então a copeira de que estava despedida porque, se a irmã se demitira, também ela tinha de “ir embora”.
Ao receber a informação de despedimento, Helena garante ter dito apenas “está bem”. “Perguntaram-me o que transmitiriam ao chefe e eu repeti, ‘que está bem’.” Os três tenentes-coronéis foram informar o general Zé Maria e regressaram com uma contraproposta para Helena permanecer no serviço. Para manter o seu emprego, tinha de convencer a irmã a regressar ao serviço. Helena recusou.
A partir de então, começou a receber telefonemas anónimos que a incitavam a levar a irmã ao serviço. A 15 de Maio recebeu um telefonema em que a ameaçaram de processo judicial. “Respondi que não tenho medo. Não sou burra. E falei das pessoas que foram expulsas injustamente. Obrigaram-me a ir ao serviço assinar a minha demissão. Recusei, porque nunca tive contrato”, explica.
No dia seguinte, 16 de Maio, por volta das 5h00, “o sargento bateu à minha porta, com documentos na mão. Acordei a minha irmã mais velha, que disse ‘porra! Isto é demais!’ Amarrou um pano e foi lá abrir a porta.”
“Perguntou-lhe o que se passava. Ele disse que vinha ter com a Helena. A minha irmã disse-lhe que eu não estava em casa, tinha dormido fora. E perguntou-lhe porque não ligaram para mim.”
Segundo a interlocutora, o sargento comunicou que o chefe exigia ver Helena no SISM, para que escrevesse a carta de demissão. Entregou à irmã um outro documento, alegadamente redigido pelo general Zé Maria, que deveria ser assinado pela ex-copeira. “Ele escreveu a dizer que sou maluca, não mereço trabalhar, que sou mal-agradecida e não estou preparada para estar num círculo de pessoas porque ainda posso fazer mal a essas pessoas. E tinha de assinar aquele documento”, esclarece Helena.
Num dos incontáveis telefonemas feitos pelos operativos do SISM, Helena Bengui havia informado que doravante deveriam contactar o seu tio, oficial dos Serviços Penitenciários, para quaisquer outros assuntos relacionados consigo. “Era para evitar mais pressões. Mas no tal documento que eu devia assinar o general escreveu que quando fui procurar emprego fui sem o meu tio e que este ‘não existe, é um fantasma’. Quando soube, o meu tio ficou bem mau”, descreve.
O sargento não estava só. Fazia-se acompanhar de dois tenentes-coronéis, e a irmã mais velha teve de conversar com eles também.
Helena foi à repartição de Transporte do SISM no dia 16 de Maio, por volta das 16h00, e entregou o passe de serviço ao porta de armas, um sargento.
“As ameaças continuaram. Esse mais velho está a passar dos limites e eu não estou para aturá-lo nem mais um pouco. Estou cansada”, declara Helena Bengui. Segundo a jovem, devido ao constante movimento de pessoal do SISM na universidade onde estuda à noite, os colegas aconselharam-na a ficar em casa durante mais de uma semana, razão pela qual perdeu provas de frequência.
De paciência esgotada, Helena revela ainda o caso da sua prima Telma, “despedida no princípio do ano porque estava a preparar as frutas e deixou cair uma casca de banana no chão”.
Mas há mais. “No ano passado, a Cezarina pediu ao general permissão para tratar de documentos para se casar e foi despedida – estava há pouco tempo no serviço e já queria casar? A Rita foi expulsa do serviço porque comprou uma extensão [cabelo postiço] de 50 mil kwanzas”, revela a interlocutora.
“Eu não tenho medo dele, respeito-o como mais velho. Eu não assinei nenhum documento quando entrei no serviço. Diziam-me que só assinaria contrato depois de cinco anos de trabalho. Eu sabia que não era verdade, porque há pessoas com mais de cinco anos de serviço sem contrato. Desde que saí desse serviço, estou bem espiritualmente”, sublinha.
Para terminar, abanando a cabeça, Helena Bengui conta ainda o caso da colega Francisca, despedida em Março passado “porque levou os ossos que restaram do almoço para o cão dela”. Primeiro, “o general castigou-a com dois meses de trabalho sem salários, mas no dia seguinte foi mesmo demitida”, conta.
Quantas mais vítimas serão necessárias para que se compreenda de uma vez por todas o verdadeiro carácter do general “Zé Maria”? E como vamos proteger estas e outras mulheres da sua ameaçadora teia?