sexta-feira, 22 de julho de 2016

LUANDA: O Golpe da Sonangol e a Crise dos Combustíveis á Vista

O Golpe da Sonangol e a Crise dos Combustíveis à Vista

Fonte: Makaangola/Rafael Marques de Morais18 de Julho de 2016
Posto de abastecimento de combustíveis da Sonangol em Luanda.
A Sonangol deve US $1 bilião à Trafigura pela importação de combustíveis, e a situação poderá gerar mais uma crise no país.
Há já vários anos, a importação de combustíveis, nomeadamente gasóleo e gasolina, é praticamente dominada pela Trafigura, uma multinacional suíça. Através da sua subsidiária Puma Energy, que actua em Angola, a Trafigura é sócia do trio presidencial composto pelos generais Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, Leopoldino Fragoso do Nascimento e Manuel Vicente, bem como da própria Sonangol.
Recentemente, a Sonangol tentou obter um financiamento de US $800 milhões junto de um banco sedeado no Egipto, propondo como garantia as suas acções no banco Millennium BCP em Portugal, para pagamento da referida dívida. O general Leopoldino Fragoso do Nascimento, que actualmente dirige os negócios da Trafigura em Angola, assim como do trio presidencial, tem sido o grande elemento de pressão para que a Sonangol pague a dívida.
Com a mudança de administração, as negociações finais para a concretização do empréstimo foram transferidas para a gestão de Isabel dos Santos. Das cinco prioridades da petrolífera nacional constam a resolução da dívida à Trafigura [e ao trio presidencial], bem como o pagamento da compra das operações da Cobalt International em Angola, que se tinha associado à empresa Nazaki Oil & Gas, do trio presidencial.
O general Leopoldino Fragoso do Nascimento é o testa-de-ferro dos grandes negócios do presidente José Eduardo dos Santos que não estão em nome da sua filha Isabel.  
A Sonangol gasta, mensalmente, entre US $150 e US $170 milhões com a importação de derivados de petróleo, e não tem quaisquer perspectivas de diminuição deste dispêndio a médio ou longo prazo. A situação é tanto mais grave quanto Angola se constitui como o segundo maior produtor africano de petróleo, ao mesmo tempo que se revela incapaz de construir uma refinaria, devido aos interesses privados de alguns dirigentes, que lucram com a importação de combustíveis.
De certo modo, a própria presidência tem impedido que se encontrem soluções e não tem procurado parcerias que lhe permitam reduzir a importação de combustíveis, o que passa, sem dúvida, pela construção de uma refinaria no país.
A futura refinaria do Lobito, cujas infraestruturas estavam em construção, teve inicialmente uma previsão de custos de US $5 biliões. Actualmente, a estimativa ascendeu a US $14 biliões, devido a factores de corrupção, obstrução política e criação de obstáculos à entrada de parceiros idóneos no projecto, conforme citam fontes do Maka Angola dentro da Sonangol.
Outra das soluções que a anterior administração da Sonangol tinha ponderado passava pela entrega de petróleo a uma refinaria sul-africana. Essa refinaria ficaria com uma parte do carregamento do petróleo e, em contrapartida, abasteceria o mercado angolano com refinados a um valor mais baixo que os impostos pela Trafigura e os seus associados da presidência da República.
No entanto, esta ideia foi abandonada porque Angola tem compromissos de pagamento do serviço da dívida, com carregamentos de petróleo, até 2026. Não há muito mais. Parte dos carregamentos são destinados à China, onde a Sonangol contraiu dívidas no valor US $15 biliões. No mercado europeu, através de financiamentos agenciados pelo Standard Chartered Bank, a Sonangol soma mais uma dívida  que ultrapassa os US $13 biliões. Ou seja, a petrolífera nacional deve mais de US $28 biliões.
Com o golpe à Sonangol, que levou a família presidencial e seus associados externos a controlar directamente a petrolífera, as operações ficam mais facilitadas. Este golpe vem na sequência de um primeiro em que, por indicação do general Leopoldino Fragoso dos Nascimento, o presidente nomeou o inexperiente jovem Valter Filipe para o cargo de governador do Banco Nacional de Angola.
Assim, o controlo da economia política do país passou para as mãos discretas do general Leopoldino Fragoso do Nascimento, que passou a ser – efectivamente e à sombra – a segunda figura mais poderosa do país.
Todavia, os graves problemas de tesouraria da Sonangol e a falta de divisas não poderão sustentar os gastos actuais de importação de combustíveis a médio prazo. Caso as rezas do poder para a subida do preço do petróleo não sejam ouvidas em breve, a crise dos combustíveis será outra realidade.

LUANDA: Oito Anos de Prisão por Ter o "Nome Sujo"

Oitos Anos de Prisão Preventiva por Ter o 'Nome Sujo'

Fonte: Maka angola/Rafael Marques de Morais 22 de Julho de 2016
Dissengomoka William.
Dissengomoka William “Strong”, de 27 anos, completa amanhã, 23 de Julho, oito anos em prisão preventiva.  Está detido desde 2008, porque, segundo os agentes policiais que o detiveram, “tem o nome sujo”.
Há dias, o Controlo Penal do Estabelecimento Prisional de Viana, onde se encontra, informou-o de que o seu processo “desapareceu”.  Strong é aquilo que nos meios policiais se considera como o “preso privado” de alguém poderoso, que paga, ou da Polícia Nacional. Faz-se “desaparecer” o processo para prolongar a detenção, porque até mesmo a desumanidade do sistema judicial tem dificuldades em julgar o suposto criminoso.
Uma vez que é “preso privado”, a Lei da Amnistia, aprovada a 20 de Julho, poderá não ter quaisquer efeitos sobre Strong. É essa lei que o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Rui Mangueira, descreve como sendo “de carácter humanista”, quando ele próprio comanda a pasta da violação dos direitos humanos. O presidente José Eduardo dos Santos, que no ano passado se apresentou publicamente como vítima de uma tentativa de assassinato e de um golpe de Estado pelos activistas (15+2) que apenas discutiam teorias de não violência, passa agora como humanista. Mais uma vez, o lobo quer vestir, a todo o custo, a pele de cordeiro.
Maka Angola republica a história de Dissengomoka William “Strong”, para que os leitores tenham noção das arbitrariedades deste regime que a todo o custo o ministro Mangueira, agora nas vestes de ministro da Propaganda, procura apresentar como actos humanizantes.
O nome sujo
“Você tem o nome sujo!” Foi assim que agentes da Polícia Nacional justificaram a detenção de Dissengomoka William “Strong”, na madrugada de 23 de Julho de 2008, em casa da sua mãe, no Bairro Sapú, em Viana. Desde então, o jovem encontra-se em regime de prisão preventiva na Comarca Central de Luanda. Ou seja, há mais de sete anos.
Em Novembro de 2006, Strong fora detido em casa de um amigo por suspeita de furto qualificado. A Segunda Secção do Tribunal Provincial de Luanda absolveu-o, depois de ter passado um ano e sete meses detido. O seu amigo foi condenado a um ano e seis meses de prisão efectiva. Parece que Strong estava em má companhia, no lugar errado e à hora errada. Saiu em liberdade em Maio de 2008, mas por apenas dois meses. Foi devido ao episódio anterior que a polícia considerou o seu nome como “sujo”.
Este caso revela muito sobre os métodos de investigação policial. Tudo começou com uma bebedeira do seu primo Filipe Miguel e de um amigo deste, conhecido apenas por Puto Bila. Desentenderam-se e o segundo, que é irmão de um inspector da Polícia Nacional, desferiu golpes na cara do primeiro com um caco de garrafa, causando-lhe alguns ferimentos. Quando soube do sucedido, Strong interveio, para pressionar a família de Puto Bila a assumir as despesas com o tratamento da vítima, entre ameaças.
Entretanto, efectivos da Polícia Nacional detiveram Filipe Miguel e obrigaram-no a mostrar a casa da mãe de Strong, onde ambos coabitavam.
“A polícia veio buscar-me de madrugada, acompanhada pelo meu primo, com o argumento de que eu tinha roubado uma viatura e valores no dia 16 de Julho”, conta.
Foi conduzido à chamada Esquadra dos Contentores, na Vila Estoril, no Golf II. “O chefe Jacinto e o Vasco, que era o chefe da operação, ordenaram a minha tortura”, explica.
“Amarraram-me a uma figueira, vendaram-me os olhos com um pano preto e começaram a torturar-me com porretes e cabos de electricidade. Já a sangrar, cobriram-me com um saco de formigas. As picadas das formigas deixaram-me marcas até hoje”, denuncia Strong.
Depois desta introdução à metodologia de investigação policial, “levaram-me para a Esquadra do Nova Vida, onde os agentes me torturaram durante dois dias com a face da catana nas costas e fios de cabo de aço por todo o corpo”, descreve o detido.
A seguir, entrou em cena a escrivã do procurador, que o interrogou. “Ela [desconhece o nome] obrigou-me a assinar papéis – sem eu ler – para não ser morto. Eu recusei. Ela chamou os operativos, que me atiraram para o chão e começaram a pontapear-me e a pisar-me com as botas na cara e na cabeça toda”, explica o detido que, desse modo, assinou a confissão sem ter lido o seu conteúdo.
Depois deste “interrogatório”, houve um segundo, em Maio do ano passado. Veio um procurador do tribunal fazer o levantamento do controlo penal. “Ouviu-me por 10 minutos. Tirou apenas os meus dados e disse-me que iria resolver a minha situação. Até hoje estou assim, sem saber de nada sobre o meu caso e do que realmente sou acusado”, lamenta o jovem. A 9 de Janeiro, Strong foi chamado à reeducação e teve nova conversa com um procurador, que lhe solicitou apenas os dados pessoais, segundo relato do próprio.
Acerca das arbitrariedades na Comarca Central de Luanda, Strong denuncia já ter sido torturado com um bastão eléctrico três vezes, a última das quais em Março de 2015. “Fui torturado pessoalmente pelo chefe da segurança da CCL, Guilherme Domingos, e o chefe Peter.”
De acordo com o seu testemunho, suspeitava-se que possuía um telefone na cadeia. “Fizeram a busca e não encontraram telemóvel nenhum, mas os dois chefes puseram-me de tronco nu e torturaram-me com choques eléctricos e bastonadas, na Sala de Reeducação, até eu desmaiar”, narra.
Na Sala de Reeducação estavam também presentes, segundo conta, cinco agentes da Polícia de Intervenção Rápida (PIR), um dos quais “deu-me um pontapé no olho. Até hoje não posso olhar para o sol forte, começo a lacrimejar”, lamenta.