Os Serviços de Emigração e Estrangeiros interditaram, a 10 de Janeiro, a saída do país da empresária Lídia Amões, de 32 anos.
A interdição, ordenada pela Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP), foi lavrada na sequência de um interrogatório de 11 horas a que, no dia anterior, a DNIAP submeteu Lídia Amões.
Dois dias antes, a directora dos serviços de ginecologia e obstetrícia da Clínica Vida, a médica Eulália Alexandre, emitiu uma declaração sobre a gravidez de risco da empresária, em estado de gestação de seis meses, “com provável patologia cardíaca fetal”. A médica aconselhou a paciente “a ter o seu parto em centro especializado, não disponível no país”, e a embarcar o mais cedo possível.
Segundo soube o Maka Angola, a DNIAP iniciou o interrogatório às 11h30, tendo terminado por volta das 22h30, sem que tivesse sido permitido qualquer intervalo. Apesar de a empresária ter informado sobre o seu estado de saúde, o instrutor do processo, o magistrado Iloutério Lourenço, concedeu-lhe apenas permissão para comer enquanto decorria o interrogatório.
Lídia Amões está a ser investigada por branqueamento e fuga de capitais, corrupção a juíza, usurpação de herança, falsificação de documentos e abuso de confiança.
A Confusão da Herança
A 19 de Janeiro de 2008, morreu o empresário e membro do Comité Central do MPLA Valentim Amões, deixando 20 filhos, seis dos quais do matrimónio com Angélica Chitula Amões, mãe de Lídia Amões. A 27 de Março de 2008, o Tribunal Provincial de Luanda, através da sentença nº 28/08 sobre o processo nº 35/08-B, nomeou Lídia Amões como administradora da herança do seu falecido pai, na sua qualidade de primogénita.
Faz parte do Grupo Valentim Amões um total de 31 empresas, das quais apenas sete se encontram actualmente activas. A Sefa, proprietária da fábrica de Coca-Cola na província do Huambo; a Tropicana, empresa de turismo e hotelaria, a Movimento Rodoviário Nacional, empresa de camionagem, a Iveco, representante da marca de camiões, e a Marinela Comercial, retalhista no interior do país, são algumas das empresas do referido grupo.
Desde a decisão do Tribunal Provincial, os meios-irmãos, representados pelas suas respectivas mães e um padrasto, têm sido denunciantes e testemunhas na luta pela demissão da administradora e pelo controlo do património. O representante do Ministério Público da Segunda Secção do Cível Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda, foro onde decorre o processo de partilha da herança, formulou a acusação com base nas suas queixas.
As queixas sobre as quais a empresária está a ser investigada foram inicialmente apresentadas por Angélica Eunice da Silva, mãe de um dos herdeiros, menor. A queixosa é prima directa de Lídia Amões, filha da irmã mais velha de Angélica Chitula Amões, de quem recebeu o nome de baptismo. Angélica Eunice da Silva viveu durante alguns anos em casa da tia, incluindo o período da gravidez e do nascimento do actual herdeiro Délcio da Silva. Esta gravidez e a descoberta do caso terão sido a causa do divórcio de Angélica Chitula e Valentim Amões, em Dezembro de 2006. Quatro anos após a morte de Valentim Amões, em Novembro de 2011, através de testes de DNA, a justiça reconheceu Délcio da Silva como sendo seu filho. O tribunal suspendeu, na altura, o processo de partilha de bens para incluí-lo como herdeiro.
Angélica Eunice da Silva acusou Lídia Amões de se ter locupletado em cerca de oito milhões de dólares, pagos pelo Ministério das Finanças como parte da dívida pública à Marinela Comercial. O extracto da conta da referida empresa, no Banco Espírito Santo (BESA), demonstra que o pagamento foi creditado a 16 de Maio de 2008. No mesmo dia, conforme o documento, o banco amortizou parte da dívida da Marinela Comercial à sua instituição, na altura avaliada em US $19,3 milhões, com o pagamento do Ministério das Finanças.
Noutra acusação, a queixosa alegou que Lídia Amões terá vendido o edifício Ruacaná, situado na província do Huambo, por mais de cinco milhões de dólares, ao Banco BESA. Segundo a acusação, o então presidente do BESA, Álvaro Sobrinho, terá ordenado o levantamento e a entrega dos valores em espécie, sem autorização do BNA, a Lídia Amões. Álvaro Sobrinho foi constituído arguido no mesmo processo.
O edifício pertencia a Faustino Simão, na altura chefe de protocolo do MPLA, tendo o Grupo Valentim Amões agido no negócio apenas na qualidade de intermediário e representante do Banco Espírito Santo, conforme acta lavrada a 19 de Outubro de 2007, assinada, entre outros, por Valentim Amões.
O extracto de conta da empresa Marinela Comercial, verificado pelo Maka Angola, demonstra a realização do pagamento dos US $5,1 milhões pelo BESA, a 01 de Dezembro de 2012. Do mesmo modo, o sistema bancário reteve o pagamento para amortização da dívida da Marinela Comercial ao referido banco, empresa do Grupo Valentim Amões, nessa data avaliada em US $10,3 milhões.
Lídia Amões responde ainda pela acusação, apresentada pela prima, de fuga de capitais. Em Setembro do ano passado, a empresária, na qualidade de crente da Igreja Pentecostal Ministério Fé e Libertação “Igreja da Apóstola Ernestina”, viajou com um grupo de irmãos de fé em peregrinação a Israel. Na queixa formulada por Angélica da Silva, Lídia Amões terá alegadamente entregue a cada um dos 150 fiéis o valor de US $15,000, recuperando imediatamente o dinheiro após aterragem no aeroporto de Telavive, em Israel, num total de US $ 2,250,000.
Na realidade, segundo documento da agência de viagens, que organizou a peregrinação, viajaram apenas 43 fiéis e cada um deles pagou pela sua deslocação.
A 27 de Novembro de 2013, o Tribunal Provincial de Luanda inocentou Lídia Amões da acusação de ter vendido aeronaves pertencentes à Gira-Globo, uma sociedade em que o falecido pai detinha participação.
No acórdão do tribunal sobre o Processo nº 1825/11-A , exclusivo ao caso dos aviões, deu-se como comprovado que houve cessão de exploração de duas das nove aeronaves da Gira-Globo ambas de origem russa (Ilyushin – IL-76, Antonov – AN-32), fabricadas em 1967 e nos anos 80, ao empresário Santos Bikuku, para a sua rentabilização. Estes aviões de tipo IL e AN ficaram conhecidos em Angola como “caixões voadores”, devido ao seu estado obsoleto e à regularidade com que se despenhavam no país. (Valentim Amões morreu a bordo de um King Air B-200, da mesma Gira-Globo, que embateu contra um montanha, no Huambo.)
Durante o julgamento, o Ministério Público pediu a absolvição da ré, por serem infundadas as acusações.
Relativamente ao processo nº 35/08-B, o Tribunal Provincial de Luanda procedeu à partilha do património pessoal do falecido, faltando apenas a divisão das suas participações sociais em vários negócios.
A 5 de Novembro de 2011, cada herdeiro recebeu património avaliado em aproximadamente um milhão de dólares, entre móveis, imóveis e dinheiro.
Entretanto, apesar da sentença do tribunal e contrariando a Constituição angolana (segundo a qual um cidadão não pode ser julgado mais do que uma vez pelos mesmos factos), a DNIAP reabriu o mesmo processo, a pedido de Angélica da Silva, e deu início a novas investigações sobre os “caixões voadores”. Por sua vez, na sequência de um processo instaurado ainda antes da morte de Valentim Amões, o Tribunal Provincial de Luanda penhorou as contas e os restantes sete aviões da Gira-Globo, por acumulação de dívidas a alguns trabalhadores. Os aviões encontram-se na Namíbia, sem uso e com penhora neste país.
A Estratégia da Confusão
A 29 de Agosto de 2013, Paula Salvador, mãe de duas outras herdeiras menores, intentou uma acção para remover Lídia Amões da administração (cabeça-de-casal) do património hereditário junto da 2ª Secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda, Procuradoria-Geral da República e DNIAP.
Paula Salvador, segundo reza a história da família, era namorada de António Segunda Amões, irmão mais novo de Valentim Amões, , e funcionária do grupo quando engravidou deste último. António Segunda Amões encontrava-se, na altura, a estudar a frequentar um curso na Rússia.
Em reacção, o tribunal suspendeu o processo de partilha das participações societárias detidas pelo falecido em todas as empresas do GVA, para averiguação sobre a veracidade das acusações.
As queixas são basicamente as mesmas de Angélica da Silva e têm como testemunha principal, para ambas, o ex-director da empresa de Camionagem Movimento Rodoviário Nacional, Victor Pili. Este, por sua vez, foi constituído réu pelo Tribunal Provincial de Luanda, em 2012, no processo nº 1839/12-A, por furto, crimes de falsificação de documentos, burla e abuso de confiança no exercício das suas funções no Grupo Valentim Amões. Nesse processo, Lídia Amões é a queixosa. O réu encontra-se em liberdade, sob caução de US $10,000, enquanto as suspeitas de desvios financeiro e material ascendem aos dois milhões de dólares. Na acusação, sob processo nº 317/12-A, de 22 de Novembro de 2012, a Procuradoria-Geral da República, junto da 6ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, promoveu o estabelecimento de uma caução de sessenta milhões de kwanzas (US $600,000) para a manutenção da liberdade provisória de Victor Pili.
Do role de acusações idênticas, apresentadas por diferentes grupos de herdeiros, consta ainda a alegada corrupção da juíza Paula Rangel, por Lídia Amões, com a oferta de uma viatura Suzuki Jimny, avaliado pelas queixosas em US $52,000 dólares. O custo real da viatura no mercado é de US $20,000 a US $25,000. O Conselho Superior da Magistratura instaurou um inquérito contra a juíza Paula Rangel, mas não há informação pública sobre o desfecho do processo. A juíza mantém-se em funções, mas está sob investigação da DNIAP.
Em Outubro passado, enquanto o tribunal competente realizava as investigações, Paula Salvador, com os mesmos argumentos, intentou mais duas acções contra Lídia Amões, uma na DNIAP, outra na Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC).
Paula Salvador acusou também a administradora da herança de ter “oferecido”, sem o consentimento dos herdeiros, a quantia de 3,7 milhões de kwanzas (US $37,800) ao deputado e secretário-geral da juventude do MPLA (JMPLA), Sérgio Luther Rescova.
Segundo um advogado familiarizado com o caso, a DNIAP está a esvaziar as competências do Tribunal Provincial de Luanda, sob tutela do qual decorre a partilha da herança e a fiscalização dos actos da administradora.
“O tribunal é o órgão competente para o efeito, porque tem o poder de fiscalização. Só após verificados indícios de prática de crime, durante a prestação de contas ao tribunal, pode ser despoletado o processo-crime”, explica o advogado.
Por outro lado, o advogado argumenta que, “do ponto de vista legal, os herdeiros não são sócios, mas futuros sócios e, nessa qualidade, não têm direitos presentes.”
Actualmente, Lídia Amões é avalista de mais de US $80 milhões de crédito concedidos pela banca nacional. Em relação ao BESA, o grupo tem um passivo acima de US $40 milhões, segundo dados obtidos pelo Maka Angola.