MCK, o Gestor do Crude e o Rap de Consciência
No seu novo single, MCK (Mestre de Cerimónias Katrogi) joga com o conceito de saudosismo, prevalecente em muitos extractos da sociedade angolana, para quem o presente e o futuro se traduzem em desespero.
“Quero regressar pra dois mil e Katrogi [2014]/ dois mil e crise [2015] foi horrível/ o que será de dois mil e escassez [2016]?”, questiona-se o rapper no refrão da canção “Te Odeio 2016”.
A melodia serve apenas para amortecer o impacto das palavras deste cronista do quotidiano. É um rap de consciência que intervém contra a inércia social, a demissão intelectual, o deixa-andar, o vamos-fazer-mais-como-então (como diz o povo).
É um rap que contraria e desmascara a propaganda oficial emitida pelos dois canais da Televisão Pública de Angola (TPA), nos quais Angola é apresentada como o paraíso, o ditador é adulado como obreiro de Deus e o seu séquito de corruptos e opressores revelados como o coro dos anjos da guarda.
“O ano novo não trará nada de novo/ Além de desespero e mais tristeza pra esse povo”, avisa MCK. “O dólar só dispara/ água está mais cara/ comida está mais cara/ energia está mais cara/ a propina está mais cara/ (…)/ o preço inflama a cara/ TPA 1 e 2, só mascara/ Tudo subiu, salário nem já”.
O activismo político de MCK revela-se, intenso, na sua música, onde sobressai a preocupação com a falta de liberdade num país onde o regime parece acreditar que o povo só precisava de se tornar independente para ficar prisioneiro do MPLA e do seu líder. O que é a independência quando o povo não é livre? Os revus contemporâneos de MCK, que se batem pela liberdade dos oprimidos, têm merecido a sua solidariedade incondicional, e “Te Odeio 2016” é mais uma forma de ele o demonstrar.
“Meus manos estão na kuzu [cadeia], liberdade já! / domiciliária nah... liberdade já! /(…) / o Estado está a dar palmatórias nas nádegas / com essa paz assassina que mata-nos com preços / o kwanza está burro e a vida no avesso / eu sinto o peso dessa crise quando chega o fim do mês / não é segredo, te odeio, 2016.”
Este rap também serve para comentar a actual crise económica, que o executivo de José Eduardo dos Santos insiste em atribuir exclusivamente à queda do preço do petróleo.
“A culpa não é só do crude, é do gestor do crude/ que não investiu na terra quando o mambo estava good [bom]/ que culpa sempre a guerra e age feito rude/Ilude o povo com ameaças, impõe o medo com caças /Premeia o baju que engraxa/ Cala o revu”, critica MCK.
É o mesmo gestor do crude que “faz da justiça farsa/ com discurso da chacha.” É o mesmo que não presta contas: “reservas do petróleo ninguém sabe onde está!/ kumbu [dinheiro] da China ninguém sabe onde está!/ Nossos cintos estão a mandar apertar/ Nguibimguilé, querem nos matar! Família [presidencial] gasta, todos pagam”.
E a culpa é de quem?
Nesse ponto pode-se discordar do cronista musical.
O crude, esse maldito petróleo, tem mais de 24 milhões de accionistas angolanos, que constituem o povo. Se o gestor do crude, há 36 anos no poder, faz da riqueza o que quer e bem entende é porque o povo o permite, é cúmplice da sua própria desgraça. Porquê? Eis a questão para mais um rap de intervenção social.
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