quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

SÃO PAULO: Justiça brasileira mantém prisão para Bento Kangamba



Justiça Brasileira Mantém Prisão para Kangamba
Fonte:  Maka Angola 
Divulgação: Planalto De malanje Rio Capôpa
22 de Janeiro, 2014
Em Dezembro passado, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, Brasil, decidiu sobre o pedido de liberdade provisória (habeas corpus) requerido pelo general angolano Bento dos Santos “Kangamba”, acusado de tráfico internacional de mulheres para prostituição e cárcere privado.
 
A decisão, que reforça o mandado de captura contra o requerente, foi publicada há dias no diário electrónico da referida instituição, para conhecimento público.
 
Os advogados de defesa do general Kangamba, Paulo José Iasz de Morais e Rebeca Bandeira Buono, apresentaram os seguintes argumentos:
 
A Justiça Federal Brasileira seria incompetente para processar e julgar o general por, alegadamente, não ter havido fraude ou coacção no recrutamento das prostitutas brasileiras, para além do que estas não se manifestavam vulneráveis. Logo, os advogados aduziram não ter havido tráfico internacional de pessoas.
 
Bento Kangamba nunca esteve no Brasil e, por isso, não teria cometido crime contra cidadãos brasileiros nesse país.
 
O acusado goza de imunidade diplomática: “é general do governo e casado com a sobrinha do Presidente de Angola, o que afastaria a competência da Justiça Brasileira para a investigação dos fatos a ele imputados”.
 
O juiz que decretou a sua prisão terá manifestado repulsa quanto aos factos narrados contra o acusado. Na lógica dos advogados, essa repulsa foi uma manifestação de parcialidade por parte do juiz.
 
Com base na suposta incompetência da justiça brasileira para julgar o caso e nas imunidades diplomáticas do general, os advogados solicitaram também a anulação do processo-crime contra Bento Kangamba.
 
A Conduta
 
Segundo a justiça brasileira, Bento Kangamba, actual membro do Comité Central do MPLA, formou e liderou uma quadrilha, entre angolanos e brasileiros, “há pelo menos sete anos”. O gangue é acusado de ter praticado os crimes de “favorecimento à prostituição, com fins de lucro”, de tráfico internacional de pessoas para a exploração sexual e de rufianismo – designação atribuídas às práticas de quem lucra ou se sustenta, no todo ou em parte, com a prostituição alheia.
 
Os factos recolhidos pela investigação brasileira indicam que, de Julho de 2008 a Agosto de 2013, o general financiou toda a actividade da referida quadrilha, incluindo o transporte e alojamento das prostitutas brasileiras que se deslocavam a Angola, África do Sul e Portugal, conforme as ordens de Kangamba.
 
Entre as provas, consta também que, de 18 a 29 de Maio de 2013, Kangamba manteve “em cárcere privado com fins libidinosos”, em Angola, as prostitutas brasileiras Fernanda Luísa Silvera da Rocha, Jacqueline Viana Batista e Priscila Nabosny Bonatto.
 
Para além disso, o relatório da justiça brasileira narra como o próprio Kangamba escolhe as mulheres e efectua as “encomendas”. Explica ainda que o general tem preferência, “para satisfação de sua lascívia sexual e de alguns conterrâneos conhecidos seus”, por duas mulheres em particular:, Andressa Soares, também conhecida como a mulher Melancia, e uma Cynthia. As prostitutas recebiam US $10,000 cada, e as preferidas de Bento Kangamba, que mantinham relações sexuais sem o uso de preservativos, ganhavam até US $100,000.
 
A polícia brasileira interceptou, através de escutas telefónicas, as comunicações entre Bento Kangamba e os seus principais cúmplices, o angolano Fernando Vasco Inácio Republicano “Nino Republicano”, da produtora LS Republicano, o brasileiro Wellington Edward de Souza “Latyno”, e uma das suas garotas preferidas, Cynthia.
 
O documento narra, entre várias conversas, a mantida entre Bento e Latyno a 31 de Maio de 2013, às 18h41:
 
“no qual o primeiro questiona o segundo sobre o ‘pessoal que vai agora’. Latyno diz estar com várias pessoas preparadas, que é tudo pessoal de TV. BENTO pergunta das meninas da África do Sul. Latyno afirma que vai também a Juju, a Dani e a dançarina do Latino. Bento pede a Jane. Latyno diz que pode falar com ela também. Latyno diz que Kate também pediu para ir, Kate, a magrinha que vai sempre junto com Jane. Bento diz para colocar o grupo das duas para ir na quinta-feira.”
 
De acordo com o despacho de pronúncia do Tribunal Federal da 3ª Região, minutos mais tarde, Bento Kangamba ligou a Latyno perguntando pelo nome da “menina que faz programa da tarde”:
 
“Latyno questiona se é Ana Hichkmann. Bento responde afirmativamente, que a cara é boa. Latyno diz que ela boa, é grande, mas que ele já tentou, mas é difícil demais.”
 
Das inúmeras chamadas telefónicas interceptadas, a justiça brasileira conclui que é o general das Forças Armadas Angolanas (FAA), Bento Kangamba, “quem dá a palavra final de quem [vítima] deve ir para o exterior, onde será explorada sexualmente, por intermédio da quadrilha por ele liderada de Angola, sendo ele o grande financiador e responsável pela manutenção de todo o esquema criminoso ora investigado.
 
Com efeito, o referido tribunal federal estabelece a competência da Justiça Federal Brasileira para julgar Bento Kangamba, pelo facto de este ser acusado “de organizar e financiar uma organização criminosa a recrutar e enviar mulheres brasileiras ao exterior para prostituírem-se, momento em que seriam submetidas à privação da liberdade e deveriam efetuar a divisão dos proventos com os demais integrantes da quadrilha”.
 
Ainda segundo a decisão do tribunal, quanto a Bento Kangamba:
 
“O fato de se tratar de Oficial General e marido da sobrinha do Chefe de Estado da República de Angola não afasta a jurisdição brasileira, uma vez que o paciente não pode ser considerado “agente diplomático”, nos termos do Artigo 1, ‘e’, da Convenção de Viena, por não ser chefe ou integrar a Missão Diplomática de Angola no Estado brasileiro. Ainda que assim não fosse, a alegada extensão da imunidade diplomática prevista na Convenção de Viena é restrita aos familiares do agente diplomático que com ele vivam, nos termos do artigo 37, do decreto nº 56.435/65, como se depreende de sua simples leitura.”
 
O tribunal manteve a decisão que decretou a prisão preventiva de Bento Kangamba e de Nino Republicano.
 
A Polícia Federal brasileira anunciou o desmantelamento da referida rede de prostituição, a 24 de Outubro passado, quando pediu a prisão de Bento Kangamba.
 
Durante um ano, a polícia brasileira investigou a teia de prostituição que, para além de Angola, se estendeu à África do Sul, à Áustria e a Portugal, através do que convencionou chamar de “Operação Garina”.
 
Segundo a Polícia Federal, a quadrilha de Bento Kangamba “movimentou US$ 45 milhões com o tráfico internacional de mulheres desde 2007”.
 
Por outro lado, a polícia brasileira alegou também que Bento Kangamba tem usado o Kabuscorp Futebol Club, em Angola, e o clube de futebol português Vitória de Guimarães, do qual é o principal patrocinador, como veículos para a “lavagem de dinheiro do crime organizado”.
 
Na sequência da ordem de prisão da justiça brasileira, a Interpol emitiu um mandado de captura internacional contra o general Bento dos Santos Kangamba, que se mantém em vigor.
 
Em Angola, o general Bento Kangamba continua a gozar da protecção do seu tio, o presidente da República José Eduardo dos Santos, e dos seus leais servidores. A 24 de Dezembro passado, o segundo comandante-geral da Polícia Nacional, comissário-chefe Paulo de Almeida, ridicularizou o processo judicial em curso no Brasil, afirmando que, em Angola, o general Kangamba “pode circular à vontade”.
 
No entanto, o processo não deixa de ser delicado para as autoridades angolanas. É prática do governo angolano insurgir-se sempre contra processos judiciais movidos contra figuras do regime na Suíça, em França e, sobretudo, em Portugal, com ameaças de sanções económicas e retaliações diplomáticas. No caso do Brasil, onde todos os detalhes do caso têm sido expostos, incluindo as horas em que as escutas telefónicas foram interceptadas, a reacção tem sido bastante recatada, envergonhada. A Procuradoria-Geral da República de Angola não invocou a manutenção do segredo de justiça, como tem feito amiúde com Portugal, para abafar a informação.

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