A Probidade Proibida: O General que é Árbitro e Marca Golos
Em 13 de Novembro de 2014, o Maka Angola publicou uma extensa reportagem sobre os “cansativos trabalhos” que o general-governador do Kwanza-Sul estava levar a cabo para obter amplos territórios na província que governava.
O esquema era aparentemente simples. O general Eusébio de Brito Teixeira, governador, expropriava terras que eram integradas no património público. Estas eram depois entregues ao mesmo general Eusébio de Brito Teixeira, empresário de muitos ofícios. Ou simplesmente: Eusébio pegava em terras pertencentes ao erário público e entregava-as a ele próprio ou aos filhos.
A documentação oficial faz prova plena deste comportamento criminoso.
Por exemplo, a 22 de Maio de 2014, o general Eusébio de Brito Teixeira, governador da província do Kwanza-Sul, fez saber que despachou a concessão do direito de superfície de uma área de 2 hectares a Eusébio de Brito Teixeira, da sociedade Ebrite e Filhos, Lda., para construção de um condomínio residencial.
Essa concessão de direito de superfície foi objecto de um contrato assinado a 22 de Maio de 2014 entre o general Eusébio de Brito Teixeira, governador, e o general Eusébio de Brito Teixeira, representante da sociedade Ebrite e Filhos, Lda. O valor do contrato, pelo terreno, é de Kz 400,000 a ser pago em prestações anuais de kz 80,000 sem qualquer actualização proveniente da inflação. Desse modo, o general-governador acabará por pagar ao Estado o equivalente a pouco mais de mil dólares pelo terreno.
O contrato tem uma única assinatura: a de Eusébio Brito Teixeira. Esta alta personalidade surge a assinar pelas duas partes do contrato.
Em resumo, o governador concede a si próprio, por um valor irrisório, um terreno rural, onde vai construir um condomínio residencial (urbano). Tudo com uma única assinatura: a dele.
Deve o governador fazer isto? Não deve. E pode fazê-lo? Não pode.
Usando uma linguagem futebolística, Eusébio é ao mesmo tempo jogador e árbitro. Marca golos quando quer, pode expulsar o guarda-redes, mudar o tamanho da baliza, etc.
A questão colocada neste caso não é de mero abuso de poder, apropriação ilícita de bens ou qualquer outra imputação de ordem jurídica. A questão mais profunda é saber se Angola é um Estado bárbaro que vive nas trevas da Idade Média em que predomina a lei do saque. Ou se é um Estado de Direito, com regras.
Na Antiguidade, os cavaleiros lançavam-se nas conquistas das cidades com o intuito de as saquear depois de tomadas. Era o grande estímulo ao guerreiro: o direito de ficar com os bens e o património dos derrotados. Também os piratas das Caraíbas viviam dos saques dos navios inimigos. Ora, o Estado angolano não deve estar a pensar premiar os seus servidores com um direito de saque. O general Eusébio não é um pirata das Caraíbas, legitimado por qualquer rei mais forte.
Para além de governador, o general exerce também as funções de primeiro-secretário do MPLA no Kwanza-Sul. O MPLA governa Angola há 40 anos, desde a sua independência em 1975. O apoio, ora fanático ora cúmplice, que a massa militante do MPLA presta aos seus dirigentes para saquearem o seu próprio país, merece ser estudado.
Todavia importa sempre lembrar a legislação em vigor porque Angola não deve ser um território conquistado por piratas. Por isso, a este caso tem de se aplicar a Lei e o Direito de Angola.
A definição do que é domínio público encontra-se na Constituição, no seu artigo 95.º, sendo que o artigo 96.º determina aquilo que é o domínio privado do Estado, remetendo para a lei a sua administração. No artigo 98.º, n.º 1 refere-se que “A terra é propriedade originária do Estado e integra o seu domínio privado”, admitindo o n.º 3 do mesmo artigo 98.º que a concessão pelo Estado de propriedade fundiária privada apenas é permitida a cidadãos nacionais e só pode ser feita nos termos da lei.
Ponto muito claro: em termos de propriedade fundiária, qualquer transmissão de terra estatal tem como fundamento e limite a lei.
E o que diz a lei angolana sobre estas transmissões de terras do governador para si mesmo ou para pessoas directa e pessoalmente a ele ligadas?
Comece-se pelo Decreto-lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro, que estabelece as normas do procedimento da actividade administrativa. O artigo 4.º submete a actividade da administração (neste caso, do governador) ao princípio do interesse público. O interesse público é definido por lei. Qual a lei em que o governador se baseou para se conceder a si próprio várias terras? Nenhuma. Então, uma primeira conclusão: está violado o princípio da prossecução do interesse público.
O artigo 19.º do mesmo decreto é definitivo ao impor que seja vedado ao titular de órgão ou funcionário da Administração Pública intervir em procedimento administrativo ou em actos de contrato da Administração Pública quando nele tenha interesse, por si ou como representante de outra pessoa (artigo 19.º, a), ou quando por si ou como representante de outra pessoa nele tenha interesse o seu cônjuge, algum parente ou afim em linha recta (artigo 19.º, b), entre outros.
Naturalmente, os actos que alguém faça em contravenção ao exposto são inválidos face ao Direito (artigo 26.º). Neste caso, são anuláveis.
Assim, e desde logo, os actos praticados pela Ebrite e por Eusébio Teixeira como “proprietários” dos terrenos concessionados podem ser invalidados. No fim, todos os papéis podem não valer mais que a tinta que lhes foi aposta.
Além de violar a lei administrativa, o governador também atentou contra a letra da Lei da Probidade Pública (Lei n.º 3/10, de 29 de Março), como já referido no Maka Angola, e que aqui se recorda: o governador está proibido, pela Lei da Probidade, de “intervir na preparação, na decisão e na execução dos actos e contratos” sobre os quais tenha interesse directo (Art. 28.º,n.1, a) ou que favoreçam a cônjuge, os filhos ou outros familiares directos (idem, b). A referida lei considera ainda como acto de enriquecimento ilícito a integração ilegal de bem patrimonial público, neste caso, terras, para a propriedade privada do governador (Art. 25.º, j).
Acrescenta-se que o artigo 31.º prevê como sanções a perda integral dos bens e eventual indemnização por danos.
Mais uma vez se alerta, os contratos e papéis feitos e assinados em contravenção da lei são inválidos juridicamente.
Face a estes atropelos legais, e tendo em conta o modo como estão redigidos os contratos, bem como os preços estabelecidos, estarão em causa crimes previstos na Lei da Probidade Pública, designadamente nos artigos 33.º e 39.º: prevaricação e abuso de poder.
Este caso será uma oportunidade para verificarmos se a lei é o resultado da vontade geral e do Estado de Direito, ou se não passa da expressão da vontade do presidente. Note-se que, em 2009, o presidente anunciou uma política de tolerância zero com a corrupção, mas actualmente parece mais inclinado para uma política de tolerância zero com os seus críticos na internet.
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