A NECESSIDADE DA TRANSIÇÃO NEGOCIADA EM ANGOLA
Alguns distraídos podem pensar que Angola dispõe de uma Constituição escrita, aprovada em 5 de Fevereiro de 2010, com regras democráticas e de um Estado de Direito, que permite a alternância eleitoral normal do governo e dos partidos, bem como a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Mas… não tem. A Constituição angolana é um livro com páginas em branco cujo conteúdo é escrito a lápis e apagado pelo ditador da República de acordo com as suas conveniências.
Há dois exemplos recentes que provam que a Constituição é um livro em branco: a proibição de mais uma manifestação, desta vez, aquela que pretendia repudiar o silêncio da justiça sobre a indicação da filha do presidente para liderar a principal empresa pública do país; e o pacote de leis sobre a comunicação social que acabou de sair. Sobre ambos os temas já escrevemos no MakaAngola, por isso não vale a pena repetir.
O que vale a pena repetir é que não há Constituição em Angola.
O país é governado pessoalmente por um ditador que se alimenta a si e à sua família, recorrendo ao clientelismo e à corrupção para obter ganhos económicos. O que resultou deste governo personalizado foi o empobrecimento do país e da população.
As políticas económicas adoptadas ao longo do tempo favoreceram um sistema de corrupção e apropriação da riqueza por parte do ditador e dos seus próximos, e o que se vê hoje é o resultado dessas políticas.
Os problemas económicos de Angola não se devem a escolhas erradas ou a incompetência, mas sim à prossecução sistémica do saque das suas riquezas por parte do ditador – saque este que se institucionalizou.
Se hoje Angola sofre com a inflação é porque o ditador nunca deixou criar um aparelho económico produtivo que fizesse sombra aos seus interesses e precisa de imprimir moeda para pagar aos seus 1111 funcionários, uma vez que as divisas são para si e para pagar aos seus. A inflação tem uma causa política e não económica.
Se o país não produz o que precisa, quando no passado até já produziu muita coisa, é porque o ditador percebeu que ganharia mais dinheiro e divisas com a importação de bens e serviços, criando empresas para isso.
Se o país não dispõe de um sistema de educação minimamente aceitável é porque o ditador tem medo de ter uma população educada que finalmente veja o que se passa e se revolte. As revoluções não surgem da pobreza extrema e da ignorância; habitualmente, a ignorância e a pobreza geram fraqueza e medo. As revoluções surgem quando as populações se tornam mais educadas, sobretudo com um corpo militar e de funcionários públicos bem preparados, professores universitários, homens de negócios e estudantes que percebem a venalidade do ditador e o querem derrubar.
O atraso na educação é uma garantia para a manutenção da ditadura.
Angola tem sido governada ao sabor de um homem só. Um ditador que utilizou todas as armas típicas das ditaduras modernas: o fingimento, a máscara, o suborno, por meio de presentes e de dinheiro.
Mas agora, por força da demografia (aumento exponencial da população jovem) e dos resultados económicos (marasmo e falta de oportunidades), não é possível continuar a fingir.
Qual a resposta que o ditador tem para os milhões de jovens no desemprego, sem educação, mas com a angústia de uma vida sem futuro? Nenhuma.
Qual a resposta que o ditador tem para a ineficiência da economia? Nenhuma.
Podem ser proibidas mil manifestações, mas basta uma para desencadear a mudança.
Podem ser encerrados mil jornais, mas basta uma linha para desencadear a mudança.
Podem calar mil bocas, mas basta um gesto para mudar tudo.
O ditador pode escrever todos os dias a sua página em branco na Constituição, mas um dia já não restarão páginas em branco para escrever.
E esta é a questão actual em Angola: como sair da ditadura?
Alguns pensarão que não é necessário, e olham com esperança para as reuniões da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) que chegam a acordo sobre a baixa da produção do petróleo, que fará subir o seu preço, e assim aliviar os actuais constrangimentos financeiros angolanos. De facto, no final de Novembro a OPEP chegou a um acordo desse tipo, que fez subir o preço do petróleo para U$ 49,91, um valor idêntico àquele a que o crude era transaccionado em finais de Outubro. Note-se também que o preço médio do barril de petróleo considerado no relatório preliminar do Orçamento Geral de Estado para 2017 é de U$ 46,00, o que cria alguma folga, mas não demasiada, para um orçamento irrealista como aquele que está preparado para 2017.
E a questão económica e financeira é mais profunda, como assinalámos acima. A economia está totalmente controlada pelo ditador e seus acólitos, que a limitam e não deixam funcionar, e nesses termos os problemas de inflação, desemprego, baixa produção e excessiva dependência externa estarão sempre presentes, até ser seguro investir. E só haverá investimento com um clima político e social propício, que já não existe.
Por outro lado, as brincadeiras como as que agora ocorrem acerca da recandidatura do ditador ou a indicação de um sucessor não asseguram qualquer mudança real na situação; apenas servem para entreter, distrair e simular.
Não há mudanças a não ser através da consciência da sociedade.
Então, o que se passa é o seguinte: a ditadura angolana faliu e Angola tem que sair dela. Como dizia Lenine, o que fazer? Como sair da ditadura sem guerra, sem mortes, sem manifestações com sangue e corpos estilhaçados na rua? Como evitar que no fim de qualquer acto revolucionário os candeeiros de Luanda se encham com corpos enforcados, seja dos antigos dirigentes do regime, seja dos revolucionários?
Há uma resposta, e só uma, que é preparar em colaboração uma transição negociada de regime. O ditador acossado deve reconhecer que não consegue continuar a dirigir o país com o consentimento popular e garantindo o mínimo de condições de prosperidade. E portanto deve encetar negociações com a sociedade civil e seus representantes, para criar os mecanismos para um novo regime através de uma transição pacífica. Há precedentes históricos para esta situação na África do Sul, na Polónia ou na Checoslováquia.
É tempo de prevalecer a racionalidade e de as várias instituições darem passos reais para a transição do regime.
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