NEM A HISTÓRIA O ABSOLVERÁ
Por William Tonet e Orlando Castro
Sem perder, ou aceitar dividir, o poder interno que tem, seja pela preponderância económica do seu clã ou pelas ramificações politico-financeiras que criou ao longo de 37 anos, José Eduardo dos Santos quer juntar à lavagem da sua imagem – na qual tem gasto milhões – o epíteto de alguém que sai voluntariamente. Pretende, aliás, fazer esquecer entre outros qualificativos o de proletário que virou capitalista, o de marxista que abraçou a economia de mercado, o de cúmplice activo num dos maiores massacres da história de Angola independente.
De facto, como a história de Angola nunca será escrita pelos “falsários” do MPLA (muitos dos quais começam já a fazer contas à vida e alinhar teses que os ilibem do canino seguidismo e culto canino do chefe), é certa que não serão por ele absolvidos.
José Eduardo dos Santos foi cúmplice e co-responsável da maior chacina partidária intramuros: 27 de Maio de 1977, onde foram selvaticamente assassinados cerca de 80 mil angolanos do MPLA, sem julgamento, por decisão superior de Agostinho Neto, “não vamos perder tempo com julgamentos”, ganharam com assassinatos horrendos.
Atirando para as latrinas de uma ambição mesquinha e antropófaga a máxima de Agostinho Neto de que o importante era resolver os problemas do Povo, José Eduardo dos Santos empobreceu os angolanos para enriquecer a sua família e uma vasta corte de acólitos, conseguindo assim comprar a lealdade de muitos. Quanto ao Povo, conseguir que cerca de 20 milhões de angolanos sejam pobres, que o país lidere o ranking dos mais corruptos e seja mesmo primeiro do mundo no índice de mortalidade infantil é obra de marca, por muitos considerada macabra.
JES não conseguiu gerar riqueza, mas conseguiu gerar ricos. O seu clã familiar, na versão mais alargada (acólitos e similares), é o que mais ricos tem por metro quadrado. Ao lado, o país é o que mais pobres tem, também por metro quadrado.
Exército de mercenários bajuladores
Como qualquer ditador, José Eduardo dos Santos criou, exigiu e comprou um exército de bajuladores e cultores da sua personalidade, assumindo-se como – segundo uns – o “escolhido de Deus” e – segundo outros – o representante de Deus na terra. E para que ninguém disso se esqueça, marca presença emblemática em todos os símbolos nacionais como a moeda e os bilhetes de identidade, uma vergonha, pois, segundo a lei desvaloriza estes últimos enquanto documentos autênticos, vide n.º 2 do art.º 216.º (Falsificação de documentos autênticos ou que fazem prova plena) do Código Penal: “fazendo nos ditos documentos alguma falsa assinatura ou suposição de pessoa”. Ora aqui está, mais uma prova de arrogância, anti democraticidade de um agente público, cuja moldura penal, segundo o artigo citado, “será condenado a prisão maior de dois a oito anos aquele que cometer, por qualquer dos modos abaixo declarados, falsificação que prejudique, ou possa por sua natureza prejudicar terceira pessoa ou o Estado”.
Com base nisso urge questionar, com que direito e mandato as esfinges de José Eduardo dos Santos e Agostinho Neto, foram apostas nos Bilhetes de Identidade de cidadão nacional?
Será ou não cúmplice de um assassino ou ladrão, o cidadão José Eduardo dos Santos, que também figura no seu documento pessoal?
Positiva ou negativa a resposta em tudo incrimina a bajulação e a ditadura.
JES não hesitou, nesta luta demoníaca para dominar um reino que quis, e conseguiu, esclavagista, em fuzilar os adversários/inimigos políticos, optando por outro lado por amordaçar os que se afiguravam apenas adversários internos dentro do partido. Todos aqueles que pensavam pela própria cabeça, bem como os que Eduardo dos Santos apenas suspeitava que pensavam fora das “ordens superiores”, foram afastados, muitas das vezes vítimas de violência requintada e, por isso, mórbida. Entre outros, foram os casos de Alexandre Rodrigues Kito, Lúcio Lara, Marcolino Moco, Lopo do Nascimento, João de Matos, Vietnam, entre outros.
José Eduardo dos Santos nunca olhou a meios para atingir os seus, tantas vezes macabros, fins, como o de combater abertamente, o director do F8, impedindo-o, administrativamente, de exercer a profissão advocatícia, numa tese satânica para o colocar a fome, visando o seu definhamento na sarjeta dos humilhados ou integrar o exército dos bajuladores do reino.
JES transformou traficantes de armas em cidadãos nacionais, com passaporte vermelho e funções de Estado: o francês Pierre Falcone chegou a embaixador da UNICEF e o russo Arkady Gaydamak, entre outros amigos da família.
Arkady Gaydamak que, recorde-se, criou uma empresa com o objectivo de comercializar em exclusividade os diamantes angolanos, oferecendo em troca o apoio técnico-militar israelita para o combate decisivo contra Jonas Savimbi.
E como não bastava Gaydamak fornecer as armas e a ajuda militar ao governo de José Eduardo dos Santos, a família do presidente fazia também parte da equação do negócio. Gaydamak reservara 24,5% (por cento) das acções da empresa de diamantes para Isabel dos Santos…
De facto, em parceria com outro traficante – Pierre Falcone –, Gaydamak foi um dos grandes pilares do poderio bélico do presidente José Eduardo dos Santos nos últimos anos da guerra. Ambos obtiveram a nacionalidade angolana e passaportes diplomáticos pelos seus serviços de fornecimentos de armas e assistência técnico-militar para o aniquilamento dos rebeldes.
Mas a ambição de José Eduardo dos Santos tinha, na sua génese, era mais ampla, facto que o levou a expandir a guerra para fora das fronteiras, derrubando governos legitimamente eleitos como o de Pascal Lissouba, no Congo Brazzaville, para colocar no poder o seu amigo ditador Sassou Nguesso. Participou no derrube do ditador Mobutu Sese Seko, substituindo-o por outro ditador de igual calibre, Joseph Kabila, fazendo o mesmo na Guiné Equatorial, com Teodoro Obiang.
Os fantasmas de um ditador
Internamente, sempre aterrorizado pela própria sombra em que via fantasmas de todo o tipo, incluindo o de Jonas Savimbi, Eduardo dos Santos criou e reforçou o seu exército privado e privativo, a UGP e a USP. E mesmo neste quadro temia, teme, que a besta se revolte contra o seu criador e possa, a todo o momento apunhalá-lo pelas costas. As imagens de Nino Vieira ou de Muammar Kadafi parece causarem-lhe insónias e pesadelos. E não é para menos.
Eduardo dos Santos foi implacável para com os seus mais fiéis colaboradores como Fernando Miala, acusado de golpe de Estado, julgado e condenado ficou preso mas a acusação (como é habitual nas ditaduras) nunca provou o que disse serem factos. Numa narrativa actual, dir-se-ia que foi mais uma palhaçada.
Joaquim Ribeiro comandante provincial de Luanda da Polícia Nacional, por ter estado a combater um gang da droga, que inclui alguns barões do poder, está nos calabouços, com a sua equipa de 21 agentes, sem que haja provas do cometimento do crime assassinato de que foram acusados.
Eduardo dos Santos transformou a justiça num apêndice do poder unipessoal, colocando-a ao serviço dos seus interesses autocráticos e não da justiça. As finanças do país foram e são num saco azul da corrupção, estando a economia empresarial concentrada exclusivamente nas mãos de dirigentes do MPLA, cuja lealdade canina comprou a peso de ouro.
Teve o mérito de afundar quatro bancos, naquilo que pode ser considerado um dos maiores crimes económicos praticados no país e que, como consta do seu ADN hitleriano, enriqueceram exclusivamente dirigentes e militantes do MPLA, nomeadamente a CAP (Caixa Agro Pecuária), BESA, estes já falidos e o BPC e BDA.
A lata de quem se julga acima dos outros
Nos últimos anos, perante o fogo que se avizinhava, José Eduardo dos Santos começou a pôr as barbas de molho. A conselho (bem pago) de mercenários da propaganda e da lixiviação da sua imagem, José Eduardo dos Santos defende que “não pode ser tolerado o ressurgimento dos golpes de estado em África”.
De acordo com o Presidente angolano, o continente necessita de exemplos concretos que confirmem que África pretende “virar firmemente uma página do passado de uma história em comum”, marcado pela existência de “governos autoritários ou autocráticos, para dar lugar a sociedades e instituições democráticas”.
Ver Eduardo dos Santos fazer a apologia da democracia e condenar os governos autoritários é digno de registo… na enciclopédia das melhores anedotas mundiais. É, aliás, uma das suas especialidades. Daria para rir… não fosse o dramatismo da situação.
Em 9 de Maio de 2008 já Eduardo dos Santos lançava um desafio para combater a corrupção e o tráfico de influências, que – dizia com uma descomunal desfaçatez – “atentam contra os interesses nacionais”. E os resultados foram de tal modo eficazes que Angola continua nos primeiros lugares do ranking mundial dos países com mais corruptos.
Afinal, estando Eduardo dos Santos na Presidência da República há 37 anos, estando o MPLA há 41 anos no Governo, o que terão andado a fazer desde 11 de Novembro de 1975? Andaram, diz o Presidente, a criar “condições essenciais para o aprofundamento da democracia”. Será? Ou da “demoditadura”?
Com este enquadramento, não se percebe por que é que os angolanos gostam de atazanar a vida do mais democrático país do mundo e, igualmente, do mais democrático presidente. É claro que, perante tão injusto e irreal motivo, o presidente fica chateado e manda prender uns tantos, dar porrada em mais alguns e fazer desaparecer muitos outros.
Segundo José Eduardo dos Santos, quando ele nasceu já havia muita pobreza na periferia das cidades, nos musseques, e no campo, nas áreas rurais. É verdade. E 41 anos de independência não chagam para resolver esta questão.
De facto, é difícil pôr o país em ordem, e na ordem, quando andam por cá uns tantos oportunistas que só pretendem promover a confusão, provocar a subversão da ordem democrática estabelecida na Constituição do reino, e derrubar governos eleitos, a favor de interesses estrangeiros. É por isso que o Presidente alerta que “devemos estar atentos e desmascarar os oportunistas, os intriguistas e os demagogos que querem enganar aqueles que não têm o conhecimento da verdade”.
Assim, por manifesta falta de tempo, José Eduardo dos Santos esquece-se que para haver alternância democrática é preciso que antes exista democracia. Mas isso até não é importante… Diz desde sempre Eduardo dos Santos, do alto da sua sábia cátedra, que pôr os vivos (e até os mortos) a votar – mesmo que de barriga vazia – é democracia.
“Para essa gente, revolução quer dizer juntar pessoas e fazer manifestações, mesmo as não autorizadas, para insultar, denegrir, provocar distúrbios e confusão, com o propósito de obrigar a polícia a agir e poderem dizer que não há liberdade de expressão e não há respeito pelos direitos” refere com toda a propriedade o Presidente.
José Eduardo dos Santos diz que os opositores querem apenas colocar fantoches no poder, que obedeçam à vontade de potências estrangeiras que querem voltar a pilhar as riquezas e fazer o povo voltar à miséria de que se está a libertar com sacrifício desde 1975.
Segundo Eduardo dos Santos, no quadro do Programa de Luta contra a Pobreza, se continuar com esse ritmo de redução, a pobreza deixará de existir dentro de alguns anos. Aliás, se se excluir dos cálculos da pobreza todos os que são… pobres, pode já anunciar-se o fim da pobreza.
José Eduardo dos Santos afirma também que apesar de não existir país nenhum no mundo sem corrupção, o Governo está a fazer esforços para combater este mal. É verdade. Por isso repomos uma ideia já aqui ventilada: Se a lei não considerar a corrupção como um crime, o país deixa de ser o local do mundo com mais corruptos por metro quadrado.
MPLA desde 1975. Dos Santos desde 1979
OMPLA está no poder desde 1975 e por lá vai ficar. Com o poder absoluto que tem nas mãos (é também o presidente do MPLA e chefe do Governo), José Eduardo dos Santos é um dos ditadores ou, na melhor das hipóteses, um presidente autocrático, há mais tempo em exercício.
África, em nada abona do ponto de vista democrático e civilizacional a seu favor. Sabe todo o mundo, mas sobretudo e mais uma vez África, que se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. É o caso em Angola.
Só em ditadura, mesmo que legitimada pelos votos comprados a um povo que quase sempre pensa com a barriga (vazia) e não com a cabeça, é possível estar tantos anos no poder. Em qualquer Estado de Direito Democrático tal não seria possível.
Aliás, e Angola não foge infelizmente à regra, África é um alfobre constante e habitual de conflitos armados porque a falta de democraticidade obriga a que a alternância política seja conquistada pela linguagem das armas. Há obviamente outras razões, mas quando se julga que eleições são só por si sinónimo de democracia está-se a caminhar para a ditadura.
Com Eduardo dos Santos passa-se exactamente isso. A guerra legitimou tudo o que se consegue imaginar de mau. Permitiu ao actual presidente perpetuar-se no poder, tal como como permitiu que a UNITA dissesse que essa era (e pelo que se vai vendo até parece que teve razão) a única via para mudar de dono do país.
É claro que, é sempre assim nas ditaduras, o povo foi sempre e continua a ser (as eleições não alteraram a génese da ditadura, apenas a maquilharam) carne para canhão.
Por outro lado, a típica hipocrisia das grandes potências ocidentais, nomeadamente EUA e União Europeia, ajudou a dotar José Eduardo dos Santos com o rótulo de grande estadista. Rótulo que não corresponde ao produto. Essa opção estratégica de norte-americanos e europeus tem, reconheça-se, razão de ser sobretudo no âmbito económico.
É muito mais fácil negociar com um regime ditatorial do que com um que seja democrático. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder durante toda a vida, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.
É, como acontece com José Eduardo dos Santos, muito mais fácil negociar com o líder de um clã que representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do que com alguém que não seja dono do país mas apenas, como acontece nas democracias, representante temporário do povo soberano.
Bem visível no caso angolano é o facto de, como em qualquer outra ditadura, quanto mais se tem mais se quer ter, seja no país ou noutro qualquer sítio. Por muito pequeno que seja o ditador, o que não é o caso de José Eduardo dos Santo, a História mostra-nos que tem sempre apreciável fortuna espalhada pelo mundo, seja em bens imobiliários (como era tradição) ou mais modernamente nos paraísos fiscais.
Reconheça-se, entretanto, a estatura política de José Eduardo dos Santos, visível sobretudo a partir do momento em que deixou de poder contar com Jonas Savimbi como o bode expiatório para tudo o que de mal se passava em Angola.
Desde 2002, o presidente tem conseguido fingir que democratiza o país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completamente todos aqueles que lhe poderiam fazer frente.
Não acreditamos que, até pelo facto de o país ter estado em guerra dezenas de anos, José Eduardo dos Santos tenha as mãos limpas de sangue. Aliás, nenhum ditador com 37 anos de permanência seguida no poder, tem as mãos limpas.
Mas essa também não é uma preocupação. Quando se tem milhões, pouco importa como estão as mãos. Aliás, esses milhões servem também para branquear, para limpar, para transplantar, para comprar (quase) tudo e (quase) todos.
Tudo isto é possível com alguma facilidade quando se é dono de um país rico e, dessa forma, se consegue tudo o que se quer. E quando aparecem pessoas que não estão à venda mas incomodam e ameaçam o trono, há sempre forma de as fazer chocar com uma bala.
Acresce, e nisso os angolanos não são diferentes de qualquer outro povo, que continua válida a tese de que “se não consegues vencê-los junta-te a eles”. Não admira por isso que José Eduardo dos Santos tenha cada vez mais fiéis seguidores.
É claro que, enquanto isso, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer pouco depois… com fome. E a fome, a miséria, as doenças, as assimetrias sociais são chagas imputáveis ao Poder. E quem está no poder há 37 anos é sempre o mesmo, José Eduardo dos Santos.
Sem comentários:
Enviar um comentário
faça sempre o seu melhor comentário possível sem palavras que incentivem ofensas pessoais os autores dos artigos expostos.