TRIBUNAL SUPREMO IMPOTENTE E A IMPUNIDADE DO LEITÃO
Faz amanhã um ano que o Tribunal Supremo deliberou contra uma série de altas figuras políticas, mas sem quaisquer consequências práticas para os prevaricadores, vingando a impunidade.
A 17 de Dezembro de 2015, foi emitido um acórdão do Tribunal Supremo que decidia um processo judicial de Pedro Januário Macamba contra o Grupo GEMA – Empresa de Participações Financeiras e Empreendimentos, S.A.
O Grupo Gema é um vasto conglomerado empresarial, parceiro da multinacional SABMiller na Coca-Cola Luanda Bottling. É accionista da Ucerba, que detém metade das acções das maiores cervejeiras do país, a Cuca, a Nocal e a Eka. Através da sua subsidiária Geminas, faz parte do consórcio de exploração do Bloco 18/06, operado pela multinacional brasileira Petrobrás, com a sociedade sino-angolana Sonangol Sinopec International (SSI) e da Sonangol. No sector da construção civil, associou-se a uma das maiores empresas portuguesas do ramo, a Edifer, na EdiferAngola, e lidera o Empreendimento Comandante Gika, o maior investimento imobiliário no sector privado. A sua subsidiária do ramo automóvel, a Vauco, representa a General Motors em Angola e é assistente oficial da Peugeot e da japonesa Honda.
No processo judicial aqui em causa, Pedro Januário Macamba alegava que a sua assinatura contida numa acta do Grupo GEMA – Empresa de Participações Financeiras e Empreendimentos S.A. era falsa e que não outorgara quaisquer poderes a José Leitão, presidente do conselho de administração do Grupo GEMA e antigo chefe da Casa Civil de José Eduardo dos Santos.
A primeira decisão do tribunal comum declarou que a assinatura era falsa, confirmando a acusação de Pedro Macamba. O Grupo Gema recorreu para o Tribunal Supremo.
E foi nesse recurso que veio ao de cima a situação de absurda ilegalidade em que o Grupo tem actuado ao longo dos anos.
O Grupo Gema confessa no seu recurso, a folhas 67, que os seus verdadeiros sócios são:
– José Leitão, que ocupou sucessivamente, de 1988 a 2003, os cargos de secretário do Conselho de Ministros, director do Gabinete do PR (ministro junto da Presidência), e chefe da Casa Civil do PR (ministro junto da Presidência).
– António Pitra Neto, ministro da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social, tendo ocupado outros cargos relevantes.
– Carlos Feijó, secretário do Conselho de Ministros à data da fundação do grupo; exerceu, a posteriori, o cargo de assessor para os Assuntos Regionais e Locais de José Eduardo dos Santos e de chefe da Casa Civil do PR.
– António Gomes Furtado detém vários cargos, como governador do Banco Nacional de Angola (BNA), presidente do conselho de auditoria do BNA, assessor do primeiro-ministro para os Assuntos Económicos.
– Generoso de Almeida era, à data da fundação do Grupo Gema, o governador do Banco Nacional de Angola. Depois dirigiu vários bancos estatais.
– José Leitão, que ocupou sucessivamente, de 1988 a 2003, os cargos de secretário do Conselho de Ministros, director do Gabinete do PR (ministro junto da Presidência), e chefe da Casa Civil do PR (ministro junto da Presidência).
– António Pitra Neto, ministro da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social, tendo ocupado outros cargos relevantes.
– Carlos Feijó, secretário do Conselho de Ministros à data da fundação do grupo; exerceu, a posteriori, o cargo de assessor para os Assuntos Regionais e Locais de José Eduardo dos Santos e de chefe da Casa Civil do PR.
– António Gomes Furtado detém vários cargos, como governador do Banco Nacional de Angola (BNA), presidente do conselho de auditoria do BNA, assessor do primeiro-ministro para os Assuntos Económicos.
– Generoso de Almeida era, à data da fundação do Grupo Gema, o governador do Banco Nacional de Angola. Depois dirigiu vários bancos estatais.
O conselho de administração do Grupo Gema afirmava despudoradamente que os nomes nas suas actas e escrituras só lá apareciam porque “os reais accionistas estavam ligados à governação do país ou desempenhavam altos cargos partidários, situação que era incompatível com qualquer tipo de actividade empresarial” (sublinhado nosso). Mais, acrescentavam que era esse o motivo por que as deliberações tomadas pelos verdadeiros accionistas tinham de ser posteriormente assinadas por meros representantes — como Pedro Januário —, sendo pagos para isso.
Muito sucintamente, foi esta a argumentação factual. Curiosamente, o Tribunal Supremo não se deixou convencer, tendo confirmado a decisão do Tribunal de primeira instância.
Apesar de ter confirmado a falsidade da assinatura de Pedro Januário mediante a qual se atribuíam poderes a José Leitão, o Tribunal Supremo não deu os dois passos seguintes a que era legalmente obrigado: a extracção de certidão do processo e o seu envio ao procurador-geral da República, para investigação do crime de falsidade, talvez praticado por José Leitão ou alguém a seu mando. Competiria depois ao Ministério Público e ao Serviço de Investigação Criminal (SIC) investigar.
Mas há ainda uma outra participação que o Tribunal Supremo deveria ter feito: a dos factos indiciadores de fraude à lei que o próprio conselho de administração do Grupo Gema confessou, ao explicar a sua verdadeira constituição e modo de funcionamento.
A falsificação
Do processo do Tribunal Supremo resulta que a assinatura de Pedro Januário Mucamba foi falsificada numa acta da sociedade, posteriormente reconhecida notarialmente. Essa acta beneficiava os “reais sócios”. Temos aqui uma falsificação cujos beneficiários são os cincos reais sócios, em especial José Leitão, os quais teriam portanto motivo para falsificar a assinatura de Pedro Januário Mucamba. Havendo indício da prática de um crime de falsificação, confirmada pelo Tribunal Supremo, é imperativa a investigação pelo Ministério Público.
A Associação de Malfeitores
O Grupo Gema foi constituído por várias pessoas que não podiam constituí-lo para realizar actos que não podiam realizar. Em concreto, foi constituído por políticos da alta hierarquia angolana, com o propósito de realizar negócios com o Governo de que também faziam parte.
Tendo plena consciência da ilegalidade dos seus actos, os políticos socorreram-se de testas-de-ferro/homens de palha, os quais eram pagos para assumirem formalmente as funções de donos/ sócios do Grupo.
Os factos confessados expressamente pelos cincos “reais sócios” constituem uma fraude à lei. Temos vários detentores de postos governativos que fundam secretamente uma empresa quando não o podem fazer, e que poderão fazer negócios consigo mesmos, violando a lei e actuando em permanente conflito de interesses.
Perante estes dados, não restam dúvidas de que há indícios de ter sido criada uma associação para cometer crimes, facto comprovado pela necessidade que os “associados” sentiram de esconder as suas identidades. Estaremos, portanto, perante o eventual cometimento do crime previsto e punido pelo artigo 263.º do Código Penal — Associação de malfeitores.
Além deste crime genérico indiciado, em relação a negócios e a contratos concretos, atendendo às datas em que as referidas pessoas exerceram funções políticas, a maioria fica sob a alçada da então Lei dos Crimes Cometidos por Titulares de Cargos de Responsabilidade, da Lei das Infracções contra a Economia; depois de 2003, sob a alçada das disposições relevantes do Código Penal; e após 2010, para quem for o caso, também sob a alçada das regras da Lei da Probidade Pública. Os crimes indiciados serão os de corrupção e peculato.
Ao menos quanto ao crime de associação de malfeitores e falsificação existem indícios directos e indirectos no Processo n.º 1423/2014, e o estrito conhecimento de tais factos deveria ter levado o Tribunal Supremo a comunicá-los ao Ministério Público, para posterior investigação — e confirmação ou não — da prática desses crimes.
É dever de qualquer agente público, muito mais de um magistrado, dar conhecimento da eventual prática de crimes ao Ministério Público.
Quanto aos prevaricadores que se acoitam no Governo para cometer crimes impunemente, é tempo de os levar a tribunal, como no Brasil.
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