quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

LUANDA: A Desonestidade do Procurador-Geral da República

A DESONESTIDADE DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA


«Paulo Blanco, advogado do vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, passaria informações sobre inquéritos que visavam o ex-presidente da Sonangol e estavam em segredo de justiça ao Procurador-Geral da República de Angola, João Maria de Sousa.»
Assim, começa uma notícia do jornal português Público de 18 de Fevereiro de 2017.
A informação baseia-se na leitura da Acusação proferida pelo Ministério Público português, que imputa a Manuel Vicente, vice-presidente de Angola, os crimes de corrupção activa, branqueamento de capitais e falsificação de documentos. No mesmo processo são também acusados: o advogado de Manuel Vicente, Paulo Blanco; o procurador da República português Orlando Figueira, e ainda o representante de Manuel Vicente em Lisboa, Armando Pires.
O advogado de Manuel Vicente, Paulo Blanco, além de outros crimes, é acusado de um crime de violação de segredo de justiça, por ter enviado dois e-mails e uma carta ao Procurador-Geral da República de Angola (PGR), o general João Maria de Sousa.
Esta violação de segredo de justiça reporta-se aos processos judiciais criminais que no passado existiam em Portugal contra Manuel Vicente, e nos quais Blanco era advogado. Estes processos foram arquivados, afirma agora o Ministério Público português, devido ao facto de Manuel Vicente ter corrompido o procurador português.
Num primeiro e-mail para o general João Maria de Sousa, Paulo Blanco refere que, em reunião com Orlando Figueira, então procurador no DCIAP [Departamento Central de Investigação e Acção Penal], lhe fora garantido por este que «os documentos comprovativos de rendimentos profissionais e/ou prémios de gestão de cidadãos angolanos visados no âmbito desse inquérito não ficariam acessíveis a qualquer consulta pública». Isto queria dizer que Manuel Vicente poderia juntar documentos comprovativos dos seus rendimentos, já que seguramente ninguém os consultaria. Nessa sequência, Vicente juntou os documentos que levaram ao arquivamento do processo existente.
Outro e-mail de Blanco para o PGR informava que não constavam do processo-crime determinados documentos referentes à Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários.
Além disso, existe uma carta de Blanco para o PGR de Angola em que o advogado luso menciona várias ocorrências no processo, que decorria, recorde-se, em segredo de justiça, entre as quais uma prevista inquirição a Rafael Marques enquanto testemunha, prometendo desde logo enviar cópia do depoimento de Marques.
Destes factos apresentados pelo Ministério Público português, e comprovando-se a sua verificação em julgamento, resulta uma singela conclusão: o PGR angolano intrometeu-se, através de meios ilegais, na justiça de outro país, e exerceu o papel de consultor jurídico de Manuel Vicente para uma questão do foro privado, sendo que, na altura, Vicente nem sequer era membro do governo.
A violação do segredo de justiça é um crime punido pelo artigo 371.º do Código Penal português, que no seu n.º 1 dispõe: «Quem, independentemente de ter tomado contacto com o processo, ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, do teor de acto de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça, ou a cujo decurso não for permitida a assistência do público em geral, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, salvo se outra pena for cominada para o caso pela lei de processo.»
A justiça portuguesa encontrou prova indiciária de que o advogado Paulo Branco tinha dado ilegitimamente conhecimento de parte de um processo em segredo de justiça em Portugal ao PGR angolano. Não quis ir mais longe, e não considerou ter encontrado prova de que o PGR de Angola, que obteve de forma ilegítima conhecimento do processo, tenha dado conhecimento a mais alguém. Mas, por exemplo, se o PGR deu conhecimento dos elementos que recebeu de Paulo Blanco a terceiros, como por exemplo outros advogados, membros do governo, membros da PGR angolana, o PR, ou quem quer que seja, então também terá cometido o mesmo crime. Em Portugal não há prova disso, mas possivelmente em Angola haverá. Em todo o caso, como os factos praticados pelo PGR teriam sido cometidos em Angola, a jurisdição portuguesa não teria capacidade para se pronunciar sobre a questão.
Portanto, mesmo se a actuação do general João Maria de Sousa acabe por não ser considerada como um crime, não é por isso que deixa de ser uma actuação desonesta do ponto de vista intelectual e funcional.
O general João Maria de Sousa, como jurista que é, agiu com má-fé intelectual, pois sabe perfeitamente que não pode ter conhecimento de processos em segredo de justiça, e objectivamente colocou em causa a qualidade de uma investigação a decorrer em Portugal. Como escreve o respeitado jurista Laborinho Lúcio, “ao violar o segredo de justiça, do ponto de vista estritamente jurídico, viola-se o bem jurídico que é a tutela da qualidade da investigação”.
A questão é grave: não se pode apenas punir o mensageiro, mas também aquele que beneficia da informação e com ela procura determinar a evolução do processo.
Note-se que o conhecimento que o PGR teve do processo permitiu-lhe, possivelmente, aconselhar Manuel Vicente. E neste aconselhamento encontra-se, justamente, a desonestidade funcional do PGR: servir como consultor jurídico de Manuel Vicente, na altura presidente do Conselho de Administração de uma empresa pública, numa tarefa estritamente privada.
Não vale a pena voltar a invocar a Constituição e as várias leis sobre a natureza exclusiva do cargo de procurador-geral da República. Este, na sua actuação, tem de se ater à defesa do interesse público, e não à defesa dos interesses dos seus amigos. Não pode, por conseguinte, manter actividades paralelas.
Este é, de resto, o mesmo PGR que levanta processos ridículos contra 17 pessoas por lerem livros, o mesmo PGR que faz chover processos sobre Rafael Marques. Este é o PGR que tentar prejudicar o funcionamento da justiça portuguesa.
Como cultor da justiça, devia, ao invés, deixar de perseguir os simples cidadãos e exigir rigor e comedimento aos poderosos.
Mas a que é que assistimos? Ao PGR angolano a perturbar um inquérito na sua congénere portuguesa, ao general João Maria de Sousa a servir como consultor jurídico privado de Manuel Vicente.
Um procurador-geral da República não pode de modo algum manter este tipo de práticas; é como encontrar um padre de cuecas num bordel. Retira qualquer respeito e consideração à justiça, que fica, precisamente, de cuecas, despida.
Como dizia o juiz inglês Lord Hewart, “a justiça não deve somente ser feita; também deve ser vista a ser feita.”
A dignidade da justiça de Angola exige a demissão imediata do do general João Maria de Sousa, o PGR. -#PGRFora

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