Manuel Vicente vendeu os bens em Portugal para evitar “chatices”
Luanda - Paulo Blanco, que já foi advogado de Manuel Vicente e é arguido no julgamento da Operação Fizz, defende que a “decisão de arquivamento” de um processo em que o ex-vice-Presidente de Angola era investigado pela compra de casas no empreendimento Estoril Sol Residence “foi tomada pela diretora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP)”.
01/02/2018
Fonte: Observador
Reedição: Planalto de Malanje Rio Capopa - Blog Cidadania
Na sessão de julgamento da Operação Fizz desta quinta-feira, Blanco revelou ainda que o ex-dirigente angolano vendeu os seus bens em Portugal porque estava “intranquilo” e queria evitar “chatices”. Ao longo do dia, o arguido — um dos quatro em julgamento — denunciou “crimes” praticados pelo DCIAP, reforçou a teia que liga este processo ao advogado Proença de Carvalho e pôs o tribunal à procura de uma testemunha: estaria viva ou morta?
Paulo Blanco continuou a desenvolver a sua defesa, tentando contestar, ponto por ponto, a acusação do Ministério Público num processo que fragilizou as relações diplomáticas entre Portugal e Angola. O advogado – que responde por um crime de corrupção ativa e de falsificação de documento e outro de violação do segredo de justiça – sublinhou a ideia de que, no processo em que Manuel Vicente era visado pela compra do apartamento (e que foi tornado independente por proposta do procurador Orlando Figueira), não encontrou “qualquer discordância da doutora Teresa Sanchez quanto à extração de certidão de processos”, ao contrário da tese da acusação.
Para o Ministério Público, Orlando Figueira teria sugerido a separação dos processos na parte que dizia respeito a Manuel Vicente por ter sido corrompido pelo antigo vice-Presidente angolano, com vista ao seu arquivamento. Para o Ministério Público, essa decisão, como outras que visaram Manuel Vicente, tiveram como contrapartida o pagamento de mais de 700 mil euros ao procurador Orlando Figueira.
Blanco tentou desmontar alguns dos argumentos da acusação. Por um lado, recusou que haja no processo contra Manuel Vicente “qualquer discordância” de Teresa Sanchez quanto à decisão de extrair certidões do inquérito principal. Por outro lado, aponta responsabilidades diretas a Cândida Almeida, então diretora do DCIAP, pelo rápido arquivamento desse novo processo.
“Esta decisão de arquivamento foi tomada pela diretora do DCIAP”, disse Paulo Blanco, notando que é “a própria acusação que diz que quem decidia era a diretora do DCIAP”, acrescentou o advogado, para assinalar a “contradição” do Ministério Público, que também imputa a Orlando Figueira essa decisão. “Não existe nos autos nenhuma evidência dessa discordância, mas, ao contrário, existe concordância prévia e posterior da doutora Cândida Almeida” com o arquivamento. A versão de Paulo Blanco surge, assim, alinhada com a posição já assumida por Orlando Figueira na contestação que fez à acusação.
O procurador é acusado de um crime de corrupção passiva e de um crime de branqueamento de capitais, neste caso em co-autoria com Manuel Vicente, Paulo Blanco e Armindo Pires. Também responde pelos crimes de violação de segredo de justiça e de falsificação de documento. O MP acredita que recebeu um total de 763.429,88 euros para arquivar os processos-crime que tinha em mãos e que envolviam Manuel Vicente.
Manuel Vicente vendeu bens para evitar “chatices”
Na sua longa exposição – foi o único arguido a intervir durante a manhã e ainda não respondeu às questões do Ministério Público ou da sua defesa –, Paulo Blanco explicou por que razão Manuel Vicente decidiu vender os bens que tinha em Portugal. O ex-vice-Presidente angolano quis evitar mais “chatices”, num momento em que o seu nome já estava nos jornais associado à Portmill (empresa por onde passou o pagamento de vários apartamentos naquele empreendimento do Estoril).
Quando vendeu o apartamento, Manuel Vicente também passou a participação que detinha no Banco BIC. Seguiu os “conselhos” que “algumas almas” lhe deram de que era incompatível estar ligado ao banco angolano quando era membro do conselho de supervisão do BCP, diz Paulo Blanco. Vendeu, mas manteve essas ligações na sua “órbita familiar”, ao constituir a Edimo.
Decisões importantes
O coletivo de juízes esclareceu que uma das testemunhas arroladas, Paulo Tavares, morreu e não já pode explicar em tribunal a sua intenção de regressar a Lisboa, deixando vago um lugar no BPA em Angola que seria ocupado pelo procurador Orlando Figueirs.
Quem foi ouvido
O advogado Paulo Blanco continuou a contestar a acusação, ponto por ponto.
Quando é a próxima sessão
Quinta-feira, 5 de fevereiro, da parte da tarde.
Já em relação aos apartamentos, o destinatário escolhido foi Armindo Pires. “Dada a relação de amizade [entre Manuel Vicente e Armindo Pires], é natural que tenha preferido vender a uma pessoa amiga e que tenha permitido o pagamento a prestações, que não permitiria a outra pessoa”, disse Paulo Blanco ao tribunal.
Filho de Proença de Carvalho na Coba. “Mais uma coincidência”, ironiza advogado
Na segunda metade da sessão, já da parte da tarde, Paulo Blanco manteve a sua linha de defesa, procurando separar Manuel Vicente do processo em que o ex-dirigente angolano terá, alegadamente, corrompido o procurador Orlando Figueira para arquivar processos em que Vicente era visado. Um pormenor que liga uma das sociedades centrais em todo o alegado esquema defendido pelo MP a Carlos Silva e não a Manuel Vicente. É que, segundo soltou o advogado, João Proença de Carvalho, filho do advogado Daniel Proença de Carvalho – que representa o bancário Carlos Silva – colabora com a Coba em Angola. “Não sei se é uma coincidência”, ironizou o advogado.
A Coba seria, segundo o Ministério Público, uma empresa “instrumento” da petrolífera Sonangol. Paulo Blanco tentou desmontar a tese da procuradora Leonor Machado, ao explicar que o “consórcio” integrado pelas duas empresas (e que a acusação vê como uma ligação clara entre as duas empresas) teve um único propósito garantir que “os bancos não retirassem crédito à Coba”.
“Foi esta a finalidade da ligação que, em termos públicos, aparece na imprensa, à qual Miguel Vicente é alheio”, garantiu Paulo Blanco ao coletivo de juízes. Nesta prática – que terá sido usada por outras empresas em Angola –, a Sonangol seria uma “um guarda-sol” para a garantia de crédito.
Paulo Blanco denuncia “crime do DCIAP”
Foi já numa fase adiantada da sessão que Paulo Blanco defendeu a importância de saber-se quem, em Portugal, faz ou fez parte da lista de pagamentos da Primagest. “Seria importante percebermos essas ligações”, disse o advogado, referindo-se várias vezes a eventuais “processos secretos” a correr no DCIAP que impedem o acesso a essa informação. Numa dessas referências, o presidente do coletivo reagiu: “Está a referir-se a quê?”, perguntou o juiz Alfredo Costa.
Blanco avançou para a sua denúncia, em direto. Depois de defender o seu “direito”, enquanto arguido, a “saber a quem a Primagest pagou”, o advogado disse que “aquilo que Ministério Público faz ilegalmente é manter nos processos crimes os dados da vida das pessoas” depois de os inquéritos estarem terminados. Incentivado pelo juiz a levar essa denúncia aos locais próprios, Blanco concretizou mesmo ali a sua posição:
“Eu estou a participar neste momento ao tribunal um crime praticado pelo DCIAP que é manter informação bancária [nos processos, depois de arquivados], é feito um uso ilegal” desses dados defendeu.
A dúvida sanável: testemunha morreu ou não morreu?
“Posso fazer uma pergunta?”, interrogou Paulo Blanco. “A mim? Quer fazer-me uma pergunta a mim? Essa interrogação vai ficar consigo”, respondeu o presidente do coletivo. Mas não só não ficou como ainda gerou alguma inquietação entre os juízes, o oficial de justiça e os advogados de defesa. Era preciso perceber se uma das testemunhas de Orlando Figueira tinha ou não morrido.
Blanco referia-se a Paulo Tavares, um antigo funcionário do banco BPA, relevante para o processo por ser ele o elemento que o procurador português deveria substituir em Angola, na sequência da contratação de Carlos Silva.
“Da informação que me chega do processo, se não morreu, não estará em condições de testemunhar”, disse Alfredo Costa. Blanco tinha uma versão diferente da história. “No dia do debate instrutório, o engenheiro Armindo Pires falou com ele ao telefone e um amigo meu viu-o a almoçar nas amoreiras”, contou ao tribunal o advogado que esteve todo o dia a prestar depoimento e que na próxima segunda-feira continuará essa maratona.
A dúvida obrigou o oficial de justiça a fazer uma pesquisa rápida no registo civil. “Eliminado por motivo de óbito”, sentenciou alguns segundos depois. Blanco explicou então que foi a vontade de Paulo Tavares regressar a Lisboa o motivo para que Orlando Figueira tivesse sido considerado para o departamento de compliance do BPA em Angola. “Resultava da necessidade do banco de alguém substituí-lo”, explicou o advogado e arguido, fechando o episódio mais caricato da sessão de julgamento desta quinta-feira, no Campus de Justiça.
Arquivamento relâmpago “não foi tratamento de privilégio” a Manuel Vicente
Dias depois de ter sido extraído do processo principal, o inquérito em que era investigado o ex-dirigente angolano foi arquivado. O tribunal quis saber porque teve esse processo uma “tramitação tão rápida” comparativamente com o original. Paulo Blanco garante que não foi um “privilégio” concedido a Manuel Vicente.
O presidente do coletivo, Alfredo Costa, questionou diretamente Paulo Blanco. O tribunal queria perceber “porque é que o processo que dá origem ao 5/12 teve esta tramitação tão rápida relativamente ao originário”, uma vez que a investigação era nos mesmos moldes” da original.
Na resposta, o advogado explicou que Manuel Vicente – que Paulo Blanco representava em Portugal, através de Armindo Pires – “veio voluntariamente” ao processo esclarecer as dúvidas que o procurador Orlando Figueira teria. “Não houve aqui nenhum tratamento de privilégio que não fosse o facto de o engenheiro Manuel Vicente ter vindo voluntariamente ao processo”, justificou o advogado.
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