HUGO PÊGO: NO CORAÇÃO DE ANGOLA
Há um ano cultivava pêras nos pomares do seu avô. Hoje é capa de revistas. Quem é afinal Hugo Pêgo, o rapaz de 27 anos que se casou com Tchizé, a filha do presidente de Angola? Um ex-atleta, com uma atracção antiga por africanas.
“Foi amor à primeira vista”, garante José Pêgo, o pai do rapaz nascido em Santarém há 27 anos. Hugo, habitualmente uma pessoa “reservada” e que sempre “medira com cautela todos os seus passos”, ofereceu-lhe um ‘bouquet’ de flores, num gesto impulsivo e os dois acabaram a noite a dançar juntos, como se não houvesse mais ninguém na pista. “O momento em que nos conhecemos foi de pura magia”, recorda Tchizé dos Santos, sem revelar muitos pormenores desse primeiro encontro. “Só posso dizer que houve alguma ousadia de uma das partes”, avança entre risos. Ainda antes de se despedirem no Café da Ponte, combinaram encontrar-se no dia seguinte num sítio mais recatado para poderem ficar a conhecer-se melhor.
Hugo Pêgo estava longe de desconfiar que aquela “rapariga linda de morrer” – segundo palavras do próprio – fosse filha de um dos homens mais poderosos do planeta. E que um ano e cinco meses mais tarde, a sua fotografia apareceria na capa de quase todas as revistas sociais portuguesas. Por enquanto, Tchizé era apenas a mulher que corporizava os seus sonhos de juventude. “Ele sempre teve um fascínio pela beleza africana”, confidencia um familiar que optou pelo anonimato.
PEDALAR ATÉ BADAJOZ
Afinal quem é este rapaz bem parecido, que de repente se viu no meio das luzes da ribalta, depois de um mediático casamento com a segunda filha do Presidente de Angola?
Nem mesmo uma figura do ‘jet-set’ português, que viajou para Luanda para testemunhar a cerimónia entre Hugo e Tchizé, soube responder à pergunta. “É um mistério. Não sei de onde ele veio. Nem a que famílias pertence”, afirmou a colunável que preferiu não se identificar. “Mas a noiva teve bom gosto”.
De facto, os Pêgo não são nenhum clã de sangue azul, nem frequentam as festas da ‘beautiful people’. São antes gente “simples, humilde e trabalhadora, com ligação ao mundo rural”. As palavras são de José Pêgo, que vive no Cartaxo, não muito longe da casa onde nasceu, em Casais da Lapa, um lugarejo de casas isoladas, onde os cães ladram atrás da poeira dos carros. O pai de Hugo é dono de um imóvel no centro da localidade, onde funciona uma serralharia.
O seu filho mais velho, Hugo André Nobre Pêgo, nasceu a 6 de Maio de 1976. José e Anabela (a sua mulher, que morreu há quatro anos) viviam então em Paço D’Arcos. Dois anos e meio mais tarde, com o aparecimento de Sérgio, o irmão mais novo, foram obrigados a mudar-se para a Portela de Sacavém, para um apartamento mais amplo.
“Trabalhava na secção de engenharia da TAP e vivíamos constantemente com um pé no campo e outro na cidade”, conta José com alguma nostalgia no olhar. “Sempre que podíamos, viajávamos para o Casal da Lapa, ou para casa dos meus sogros, em D. Durão” (localidade a cerca de 20 quilómetros de distância).
Nesses fins-de-semana, longe do betão e do ‘stress’ urbano, Hugo ia-se apaixonando pelos segredos do mundo rural e afeiçoando-se ao avô materno, Francisco Nobre. “Desde pequeno, que ele gosta de apanhar frutos ou andar na vindima. Praticamente cresceu connosco aqui no campo”, recorda a avó, Isabel Nobre, pouco depois de nos abrir as portas de sua casa, em D. Durão, uma terra encravada num declive acentuado. “É o meu neto preferido”, remata.
Apesar dessas largas temporadas no Portugal profundo, Hugo Pêgo completou a escola primária no Externato São Miguel Arcanjo e o secundário na Escola N.º 2, ambos na Portela. Revelou-se um aluno aplicado, embora discreto. “Era muito bom em Matemática, Inglês e Português”, conta o pai. “E nunca nos preocupávamos muito com ele porque não era nada traquinas”.
O mesmo já não se podia dizer do irmão, o oposto do recatado Hugo. Apesar dos feitios diferentes, os dois cresceram com o mesmo grupo de amigos da Portela de Sacavém. Hoje, apesar de serem um grupo bastante restrito, continuam a dar-se tão bem como nos tempos de infância e juventude.
O avô pegou-lhe a paixão pelo desporto desde muito cedo. “Primeiro, inscreveu-se no clube de natação da TAP. Mais tarde, dedicou-se ao ciclismo e ao atletismo”, revela José Pêgo. O seu filho mais velho acabaria por ser mesmo atleta federado e pertenceu à selecção nacional de Peso, Disco e Martelo, chegando a ganhar diversas competições. “Deu--me muitas alegrias”, confessa.
Também no BTT, foi autor de algumas proezas. Todos os anos, pedalava a fundo na Serra de Montejunto ou então percorria a distância de Lisboa a Badajoz, muitas vezes acompanhado por Francisco Nobre, que também era adepto ferrenho do cicloturismo. “Chegou a fazer mais de 300 quilómetros de bicicleta”, conta um familiar. “O BTT era a actividade ideal para quem era amante do desporto e do campo”.
CONFUSÃO SEXUAL
Aos 18 anos, Hugo não escandalizou ninguém quando decidiu ingressar na Escola Superior Agrária de Santarém, no curso de Engenharia da Produção. “Desde os 14 anos, que o Hugo ajudava o Chico (Francisco Nobre) nas suas herdades”, conta Isabel Nobre, que tem algumas fotografias do neto na sala de sua casa, de dois andares, encostada ao asfalto. “Até foi ele que convenceu o avô a comprar tractores e alfaias agrícolas para que as máquinas poupassem o esforço do seu trabalho”.
Foi por essa altura que Francisco Nobre lhe ofereceu um carro para que ele se pudesse deslocar até à escola com maior facilidade. “Durante os cinco anos em que frequentou o Politécnico de Santarém, a sua casa era aqui. E só ia a Lisboa aos fins-de-semana”, conta a avó.
Embora estivesse longe de dar nas vistas, na Escola Agrária deixou marcas. E até Margarida Carvalho, uma das mais antigas funcionárias da cantina, guarda memória do aluno n.º 419 – apesar de Hugo já ter acabado o curso há quatro anos. Atarefada atrás do balcão com bolas de Berlim e sandes de fiambre a atender as dezenas de alunos agitados, afirma: “O Hugo não sobressaía dos demais colegas, mas lembro-me perfeitamente dele. Era muito simpático com todos”.
Em frente ao Conselho Directivo do Politécnico, encontrámos Carlos Montemor e Luís Fortunato, dois professores da cadeira de ‘Motores e Tractores’, do 1.º ano, que recordam aquele “aluno mediano, calmo e discreto”. Carlos Montemor acabou mesmo por privar um pouco mais com Hugo Pêgo em animados jantares de turma e conheceu a sua faceta “mais alegre e bem-disposta”.
Embora fosse considerado um rapaz bonito, nunca teve fama de ‘namoradeiro’ entre professores e colegas. “Ele tinha todas as razões para ser convencido. As mulheres gravitavam em seu redor. No entanto, a sua postura era muito humilde”, conta o amigo Manuel Monteiro.
Até ao casamento com Tchizé, apenas se perdeu verdadeiramente de amores por duas raparigas. Inês, natural da terra dos avós maternos, e Joana, namorada a quem dedicou o trabalho final da Escola Agrária: “À minha namorada Joana, que me entusiasmou e me incentivou a terminar o curso depois do sucedido…”, escreveu Hugo nos agradecimentos.
“Era uma pessoa séria. E os seus namoros também eram sérios”, recorda Gabriela Cunha, vizinha dos avós maternos. “Creio que até se chateou a sério com a Inês, uma moça cá da terra”, especula a senhora de 42 anos.
Os estudos tiveram quase sempre prioridade em relação às namoradas. O seu trabalho final, com o título sugestivo de ‘Técnica da Confusão Sexual no Controlo do Bichado do Fruto’, teve direito a uma nota elevada. A supervisora, a engenheira Joana Godinho, fala com entusiasmo do seu ex-pupilo: “O Hugo propôs um método moderno que visava confundir as pragas das macieiras da região do Oeste, sem haver necessidade de recorrer a pesticidas”, explica. “O trabalho acabou por ser bastante complicado para ele com a súbita morte da mãe. Mas conseguiu ultrapassar todos os obstáculos”.
ANGOLA NO CORAÇÃO
A notícia de que Anabela Pêgo sofria de um tumor no pâncreas teve o efeito de um duro murro no estômago. “Foi algo de inesperado, tudo aconteceu apenas em 15 dias”, recorda o marido, José Pêgo. A mãe de Hugo viria a morrer em Janeiro de 2000, durante uma complicada cirurgia. Tinha apenas 46 anos. Esta perda repentina acabou por aproximar ainda mais Hugo dos avós maternos, que ainda hoje não se recompuseram da perda da filha única. “Nunca iremos superar este trauma”, refere Isabel Nobre, em tom melancólico e com as lágrimas nos olhos.
Depois de terminados os estudos em Santarém, o Engenheiro Técnico em Produção Agrícola decidiu pôr na prática aquilo que aprendera em cinco anos e começou a dar formação a 50 agricultores do distrito de Santarém e de Leiria numa cooperativa de fruta do Cadaval. “Fez aí muitos amigos, muitos deles foram ao seu casamento em Angola”, conta o pai. O tempo restante era passado a lavrar a terra e a apanhar as peras nas fazendas do avô, em Vale da Rede, Bica, Várzea ou Marteleira. “Sentia-se realizado a guiar o tractor por ali a fora. Era bonito de ver”, recorda a avó.
Aquele cenário bucólico poderia ter sido a sua casa para sempre, não tivesse decidido, num belo dia de Junho, estrear o carro novo do pai e cruzar-se com a bela angolana de 25 anos. “Há quem diga que os opostos se atraem. No nosso caso, foi isso que aconteceu. Ao contrário de mim, ele é uma pessoa muito reservada. A sua calma reconforta-me já que eu nunca paro quieta”. Tchizé só contou a Hugo que era filha de José Eduardo dos Santos quando já namoravam há um mês. “Tinha receio que ele pudesse reagir mal e acabasse com tudo”, revela. No entanto, o rapaz não se impressionou com o ‘currículo’ da sua cara-metade e terá dito: “Não quero saber de quem és filha. Gostaria de ti de qualquer maneira”.
José Pêgo é que nem quis acreditar quando soube da novidade. “Perguntei-lhe se ele sabia quem era Eduardo dos Santos e ele respondeu-me que apenas tinha uma vaga ideia porque não entendia nada de política”. Quando na festa de noivado de Hugo e Tchizé pai e filho apertaram pela primeira vez a mão ao líder de Angola, ficaram fascinados: “Eduardo dos Santos não tem nada a ver com o retrato que fazem dele em Portugal”, afirma José. Apesar dos elogios rasgados ao homem forte do MPLA, o pai de Hugo garante que nunca houve uma ligação da família Pêgo com o continente africano. “Só lá fomos depois do meu filho começar a namorar com a Tchizé”.
Depois do casamento, que tanto deu que falar na imprensa portuguesa no Natal de 2003, muito se especulou sobre o local de residência do casal. Iriam morar para Lisboa, Luanda, D. Durão, Santarém, ou Londres, onde a angolana estudou este ano? Tchizé desfaz as dúvidas: “De futuro, iremos viver em Luanda. O Hugo quer aplicar os conhecimentos em produção agrícola no meu país e eu irei iniciar a minha carreira em produção televisiva”.
José Pêgo fica com alguma pena de passar a ver o filho com menos frequência, mas só quer “que ele seja feliz”. E já avisou: “Como fiquei apaixonado por África, sempre que puder vou tentar ir passar umas férias a Angola”.
os irmãos pêgo
OS IRMÃOS PÊGO
l Hugo tem 27 anos e é o mais velho dos dois irmãos. O mais novo chama-se Sérgio
l Tirou o curso de engenheiro técnico em produção agrícola, em Santarém
l Quando era mais novo, era muito bom em matématica, português e inglês, apesar de ser
um aluno discreto
A FAMÍLIA PORTUGUESA
Anabela Pêgo, a mãe de Hugo, era empresária "no ramo dos transportes". Morreu com
46 anos, vítima de cancro.
José Pêgo, o pai, vive e trabalha no Cartaxo, onde tem uma serralharia. Ele nunca teve ligações com Àfrica até ver o filho casado.
Isabel Nobre, a avó materna, sempre viveu em D. Durão, perto do Cadaval. Hugo
é assumidamente o seu neto favorito.
Carlos Montemor e Luís Fortunato, professores na Escola Agrária, recordam o aluno cuja tese foi: 'Técnica da Confusão Sexual no Controlo do Bichado do Fruto'
A família Pêgo é ribatejana. José Pêgo, o patriarca, nasceu em Casais da Lapa;
Hugo, o filho, em Santarém. Porém, durante muitos anos em que frequentou o Politécnico de Santarém, passava os fins de semana nesta casa, a dos avós, em S. Durão. Foi por essa altura que recebeu o primeiro carro, para que se pudesse deslocar para a escola mais facilmente.