O segundo comandante-geral da Polícia Nacional, comissário-chefe Paulo de Almeida, concedeu esta manhã uma grande entrevista à Rádio Ecclésia. Revelou, para espanto de muitos, uma suposta tentativa de golpe de estado contra José Eduardo dos Santos.
Paulo de Almeida garantiu que a tentativa de manifestação, a 23 de Novembro passado, sobre o caso de Cassule & Kamulingue, visava outros objectivos.
“Temos provas de que [a manifestação] era para tomada ao poder. Temos provas de que era para o assalto ao poder.”, disse o comissário-chefe. “Isso não é manifestação”, esclareceu.
Segundo o comandante, a repressão policial contra os manifestantes visou tão somente impedir a tomada do poder. Paulo de Almeida contrariou a ideia de que as tentativas de manifestação, ocorridas no país desde 2011, têm sido pacíficas. Para si, a ideia de manifestação pacífica é apenas uma propaganda contra o poder.
Gostei da entrevista.
Gostei mais da franqueza do principal responsável pela ordem pública no país, na sua qualidade de segundo comandante-geral para a Ordem Pública.
O comissário-chefe confirmou, sem tergiversar e com orgulho, que é o comandante da repressão contra o exercício dos direitos civis e politicos consagrados na Constituição, mas incómodos para o regime.
Com serenidade, o comandante também deixou claro que o papel fundamental da Polícia Nacional é o da defesa do poder presidencial de José Eduardo dos Santos. A Constituição é o chefe, o resto é irrelevante. A lei e a ordem que a polícia protege não é senão a manutenção do poder pessoal do chefe e dos que o rodeiam.
Mas, isso não é novidade. A tentativa de golpe de estado é.
O primeiro acto de ilegitimidade e crime definidos na Constituição, no seu artigo quarto, é a “tomada e o exercício do poder politico com base em meios violentos ou por outras formas não previstas nem conformes com a Constituição”.
As declarações do comissário-chefe são bastante problemáticas na medida em que bastou apenas a repressão, à bastonada e com gás lacrimogêneo, dos manifestantes que se preparavam para assaltar o poder. Paulo de Almeida descreveu como os golpistas tomariam controlo do palácio do governador de Luanda, à Mutamba, e o palácio presidencial na Cidade Alta.
Primeiro, não houve qualquer pronunciamento do presidente, cujo poder esteve prestes a cair nas mãos de golpistas sem rosto.
Segundo, a Procuradoria-Geral da República não intentou nenhuma acção criminal contra os supostos assaltantes do poder.
Terceiro, a própria polícia, sob comando do comissário-chefe Paulo de Almeida, não deteve nenhum suspeito da intentona.
Quarto, é um caso raro no mundo uma tentativa de golpe ser repelida exclusivamente por forças policiais, usando apenas os seus métodos embrutecidos de pancadaria.
Todavia, as declarações do comandante da Polícia Nacional sobre o golpe de estado oferecem algumas leituras interessantes sobre a situação política actual no país.
As tentativas reais e imaginárias de golpe podem justificar as constantes “dores de dente” que levaram o presidente a permanecer um quarto do presente ano fora do país. Avisado e temeroso como é, Dos Santos pode estar a colocar-se a bom recato.
Da parte do regime não tem havido quaisquer rodeios em acusar a UNITA e a sua liderança como sendo um perigo para a paz e a democracia. O governo perdeu a legítima oportunidade de acusar e levar a julgamento os homens da UNITA que convocaram a manifestação do dia 23 de Novembro.
Assim, resta especular que os alegados mentores do golpe se encontram acoitados no seio do exército nacional, do executivo ou da própria presidência.
O barulhento do Adolfo Campos, o menor Nito Alves e outros jovens frustrados –
conforme definição presidencial – que se têm manifestado contra o regime, mal têm recursos para organizar um almoço entre si. Como chegariam ao palácio? Munidos de megafones apenas? Excluída essa possibilidade, na sociedade civil, resta o Abel Chivukuvuku e a sua CASA-CE, actualmente a terceira força política no país.
A CASA-CE não aceitou participar na referida manifestação. Optou por algo diferente e complementar: a colagem de cartazes a exigir justiça para o caso Cassule & Kamulingue. Por essa iniciativa, a referida coligação política pagou com a vida do Manuel de Carvalho Ganga. Este jovem foi morto a tiro pela Unidade de Segurança Presidencial, na madrugada do mesmo dia, depois de ter sido detido a colar cartazes no Estádio dos Coqueiros.
Aqui importa perguntar se a CASA-CE tentou dar um golpe de estado no cemitério da Santana. Esta formação política organizou uma marcha funerária para enterrar o seu membro, a 27 de Novembro. A polícia do comissário-chefe Paulo de Almeida reprimiu a procissão funerária, com gás lacrimogéneo e um aparato desproporcional. A marcha fúnebre decorria a quilômetros do palácio presidencial e movimentava-se em sentido contrário ao assento do poder. Qual é a explicação?
Há uma explicação mais simples. A intervenção do comissário-chefe Paulo de Almeida pode ser vista no âmbito de uma disputa interna de poder para a chefia da Polícia Nacional. Há pressões internas para a reforma, em breve, do actual comandante-geral, comissário-chefe Ambrósio de Lemos. Quanto mais radical e aparentemente fidelíssimo ao chefe, mais o comissário-chefe Paulo de Almeida poderá augurar à nomeação para tão cobiçado posto.
A psicose que afecta muitos membros do regime, sobre a eventualidade de um dia virem a perder o poder requer a intervenção de psiquiatras e quimbandas. O medo dos dirigentes parece superar o da população.
Outro aspecto importante da política angolana, a ter em conta, é o culto que alguns dirigentes professam: falar à toa. O comissário-chefe Paulo de Almeida também faz parte desse grupo.
Por ora, a inventona golpista só tem um suspeito, o próprio comissário-chefe Paulo de Almeida.