sábado, 30 de abril de 2016

LUANDA: O Impressionante Caso do Preso de 13 anos por um Pen Draive

O Impressionante Caso do Preso de 13 Anos por uma Pen Drive

Fonte: Makaangola/Rafael Marques de Morais 29 de Abril de 2016
Um estudante, de 13 anos, mostra algumas pen drives.
Bastos Mateus Elias está detido desde a primeira semana de Março na Comarca de Viana, por suspeita de furto de uma pen-drive. Nasceu a 11 de Janeiro de 2003: tem 13 anos.
Encontrava-se detido na Caserna D6, onde estão cerca de 50 reclusos, entre condenados efectivos e indivíduos em prisão preventiva. Passou antes pelo “Penal”, onde, de acordo com alguns reclusos, são frequentes as violações sexuais e a troca de sexo por comida. Como abaixo se descreve, Bastos Mateus Elias já vai na terceira transferência, dentro do mesmo estabelecimento prisional: desta feita, seguiu para as “tendas”, onde as condições não são melhores.
A mãe de Bastos, Samba Mateus, explica ao Maka Angola que o seu filho foi detido na vizinhança do Bairro Calauenda – Papá Simão, no município de Viana, onde residem. “Eu não lembro o dia exacto em que ele foi preso, porque eu estava na província do Kwanza-Sul”, explica Samba Mateus.
Nas visitas que fez à cadeia para levar alimentos ao filho, Samba Mateus relata: “Ele disse-me que foi acusado de ter furtado uma pen-drive. Foi interrogado na esquadra descartável. É assim que chamamos à esquadra mais próxima aqui do bairro.”
“Eu nunca o vi a trazer uma pen-drive para casa. Não há lógica nenhuma em meter o miúdo na cadeia por causa de uma pen-drive”, reclama Samba Mateus.
Mãe de cinco filhos e com 36 anos, Samba Mateus explica que a sua extrema pobreza a impede de contratar um advogado para lutar pela libertação do filho. Vive com a irmã. “Se visse as condições em que vivo, entenderia a minha situação. Se tivesse meios para lutar, o meu filho já não estaria na comarca”, desabafa.
A mãe de Bastos Mateus Elias acrescenta que está separada do pai do petiz há 11 anos e que não mantém qualquer contacto com ele. O progenitor nem sequer sabe que o filho está preso.
Bastos Mateus Elias “é um menino que não refila. Tem bom comportamento em casa”, revela a mãe. Lamenta apenas que ele não esteja a estudar devido às condições de miséria em que vivem e por acreditar que “ele não tem boa mente para os estudos”, tendo concluído apenas a 2.ª classe.
Um dos condenados que conviveu com Bastos na Caserna D6 atesta o comportamento exemplar do petiz: “Ele é mesmo inocente, pequeno e não tem ar de malícia.” Afirma ainda que esta caserna alberga uma mistura de condenados e detidos em prisão preventiva por crimes diversos, desde violação sexual, assalto à mão armada, posse de estupefacientes e homicídio. “Isto aqui é uma sanzala, mas nós protegemos e alimentámos o miúdo até ele ser transferido para as tendas”, prossegue.
O condenado, cujo nome Maka Angola omite por razões de segurança, revela ainda que o petiz já vai na terceira transferência interna. “Ele esteve detido no Penal, onde há muitos abusos sexuais porque há ali muita fome. Troca-se comida por sexo. Por isso, por ordens superiores, os serviços prisionais entenderam colocá-lo na nossa caserna, para maior protecção.”
De acordo com o entrevistado, Bastos passou para as “tendas” para evitar que os “revús”, os condenados do Processo dos 17, obtenham mais dados, “pela proximidade de celas” e decidam denunciar o caso.
Contactada por Maka Angola, a advogada Luísa Rangel argumenta: “O nosso sistema judicial vai de mal a pior. O Ministério Público devia ter resolvido isto imediatamente. Misturar o miúdo com adultos condenados por homicídio e violação sexual, por causa de uma pen-drive, é inqualificável.”
Na opinião da advogada, agindo desta forma o Ministério Público está a “dar-lhe preparação para que ele se torne um verdadeiro delinquente”.
“Com 13 anos, o menino não tem capacidade jurídica. É inimputável a culpa de cometimento de crime, porque ele só tem 13 anos. A idade de culpa é a partir dos 16 anos. Se o menino cometeu algum ilícito, as autoridades deviam ter envolvido o INAC [Instituto Nacional de Apoio à Criança] e o Julgado de Menores. É muito triste terem colocado um menino de 13 anos numa unidade prisional de adultos”, lamenta Luísa Rangel.
Por sua vez, quando questionado sobre o caso, um magistrado do Ministério Público respondeu de forma directa: “É um abuso.”
O mesmo magistrado explica que é dever das autoridades judiciais confirmar a idade do suspeito e, por conseguinte, fazer cumprir a lei. “Se tem 13 anos não deve ser preso. É um abuso”, sublinha o magistrado.
Mas o facto é que Bastos Mateus Elias, com 13 anos de idade, está preso há quase dois meses.
Contactado por Maka Angola, o porta-voz dos Serviços Prisionais, Moisés Cassoma, garante diligência junto da direcção da Cadeia de Viana para apuramento dos factos. Tão  logo haja resposta, a mesma será reportada.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

LISBOA: Sindika Dokolo Processado por Calúnia e Difamação em Portugal

Sindika Dokolo Processado por Calúnia e Difamação em Portugal

Fonte: LUSA 27 de Abril de 2016
Sindika Dokolo, o esposo de Isabel dos Santos.
O jornalista angolano Rafael Marques enviou terça-feira, por correio, uma queixa por difamação e calúnia contra o empresário Sindika Dokolo, genro do Presidente de Angola, disse à Lusa fonte ligada ao processo.
De acordo com o documento, que deverá ter dado entrada hoje no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) do Ministério Público do Distrito de Lisboa, a queixa de Rafael Marques refere-se à entrevista do empresário Sindika Dokolo ao Jornal de Negócios, publicada no dia 23 de Fevereiro.
A queixa baseia-se em acusações proferidas por Sindika Dokolo, marido da empresária Isabel dos Santos, filha do chefe de Estado angolano, José Eduardo dos Santos, que apontou Rafael Marques como um “testa-de-ferro” de uma estratégia de “desestabilização”.
“Estas palavras de Sindika Dokolo dizem que o aqui queixoso não tem ética, é incompetente e um testa-de-ferro de forças antidemocráticas (porque querem tomar o poder sem ser por eleições). Ou dito de outra forma, Sindika imputa a Rafael Marques as seguintes características: falta de ética; incompetência; ser testa-de-ferro; prosseguir valores antidemocráticos”, indica o documento, referindo-se à entrevista do empresário.
Segundo a queixa, a entrevista em causa é realizada a um meio de comunicação social português, poucos dias depois de ser conhecida a queixa-crime que Rafael Marques apresentou em Angola contra Sindika Dokolo “por burla e esbulho de terras do Estado” angolano.
O documento da queixa, entregue no DIAP, e divulgado ontem na Visão 'online', sublinha ainda que Rafael Marques é um jornalista e um activista de Direitos Humanos que vê a sua “reputação e credibilidade” atingidas ao afirmar-se que é incompetente e que tem falta de ética.
Ao afirmar-se que é “testa-de-ferro de interesses não identificados e antidemocráticos”, acrescenta o texto, ofendem-se as “credenciais democráticas e de defesa dos direitos humanos” de Rafael Marques.
“Acresce que estas afirmações foram feitas perante um órgão de comunicação social, que em todo o caso não é o responsável nos termos da Lei de Imprensa, porque se limitou a reproduzir as palavras de Sindika (Dokolo)”, conclui a queixa que foi enviada ao DIAP, em Lisboa.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

LUANDA: Kalupeteka: A Investigação Necessária de um Massacre

Kalupeteka: A Investigação Necessária de um Massacre

Fonte: Makaangola/Rui Verde27 de Abril de 2016

O pastor José Jolino Kalupeteka na Penitenciária do Huambo (foto de H. Coroado).
“Eles deviam divulgar os vídeos que filmaram durante o massacre. É só vergonha.”, conta Raul Xavier, seguidor de Kalupeteka e sobrevivente dos confrontos do Monte Sumi. Acrescenta, referindo-se aos seus companheiros: “Pediram-lhes para cantarem o hino que estávamos a cantar no momento em que iniciou o tiroteio. Depois [os polícias] despejaram-lhes em cima uma rajada. No dia seguinte, começaram a matar todos os feridos e sobreviventes que encontravam.” Raul Xavier é um sobrevivente daquilo a que chama o massacre do Monte Sumi, mas, mais do que isso, é uma testemunha ocular. E aquilo que viu impõe uma reflexão e exige uma acção.
Acontecimentos em que forças da ordem disparam tiros em rajada e é assassinado um número significativo de pessoas exigem uma investigação formal, sobretudo quando surgem testemunhas oculares a afirmar que presenciaram um massacre. Não é uma palavra fácil, é uma palavra incómoda.
Nos últimos meses, têm-se sucedido casos impressionantes de prepotência por parte das forças de segurança, diante dos quais é revelada a impotência – para não dizer pior – das autoridades judiciais. Chegar a hora de exigir intervenção imediata a outro nível.
Angola aderiu à Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos em 1990. Essa Carta instituiu a Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos. Esta Comissão tem por objectivo “promover os direitos do Homem e dos povos” e “assegurar a respectiva protecção em África”; é composta por 11 peritos independentes.
A Comissão recebe queixas por parte de Estados e de outras entidades, designadamente particulares, e tem o dever e a obrigação de escrutinar essas queixas. Quer os Estados quer os indivíduos em nome particular, obedecendo a determinados requisitos que constam da Carta, podem dirigir-se à Comissão; caso se suspeite de que as suas queixas referenciam ou indiciam um conjunto de violações graves ou maciças dos direitos do homem, a Comissão tem de alertar a Conferência dos Chefes de Estado e de Governo para tais situações. Por sua vez, a Conferência entenderá se deve solicitar à Comissão “que proceda, quanto a essas situações, a um estudo aprofundado e que a informe através de um relatório pormenorizado, contendo as suas conclusões e recomendações”. Não se pode dizer que seja um mecanismo juridicamente muito operativo, mas tem a grande vantagem de levantar a discussão em África, entre africanos, dos problemas subjacentes aos direitos humanos em Angola – sobretudo a identificação da ocorrência de um massacre, que poderá depois ser referenciado para o Tribunal Penal Internacional, que já dispõe de competências coactivas e mais abrangentes.
É, portanto, absolutamente necessário que as organizações da sociedade civil e de protecção dos direitos humanos que operam em Angola levantem a questão da ocorrência de um massacre, já denominado massacre do Monte Sumi, junto das instâncias africanas, para que isso conduza à instauração das investigações adequadas, de modo a apurar-se e compreender-se exactamente o que se passou.
É um dever passar à acção e requerer à Comissão Africana dos Direitos Humanos a investigação do massacre do Monte Sumi.
   

terça-feira, 26 de abril de 2016

LISBOA: Isabel dos Santos, o Wall Street Journal, o FBI e o BPI

Isabel dos Santos, o Wall Street Journal, o FBI e o BPI

Fonte: Makaangola/Rui Verde26 de Abril de 2016
Isabel dos Santos escolheu a máxima trompeta do capitalismo americano para lançar a sua ofensiva mediática internacional, o Wall Street Journal. Recentemente, dos Estados Unidos para o mundo, a história de Isabel dos Santos foi contada nas suas próprias palavras:
Este constituiu um passo interessante, porque simultaneamente americanizou e mundializou a questão dos movimentos financeiros de Isabel dos Santos. E assim permite-nos focar na utilização dos mecanismos legais americanos para lidar com a situação. Desde 2014, o FBI (Federal Bureau of Investigation), o Departamento Federal de Investigação Criminal norte-americano, desenvolve um programa intitulado Kleptocracy Assets Recuperation Initiative (KARI), que, entre outros relevantes sucessos, já recuperou dinheiros desviados pelo filho de Theodore Obiang, da Guiné Equatorial, e pelo general Sani Abacha, antigo homem forte da Nigéria.
Através deste programa, a jurisdição norte-americana declara-se dotada de competências para agir sempre que em qualquer parte do mundo sejam usados dólares norte-americanos ou seja utilizado o sistema financeiro dos Estados Unidos. Qualquer montante monetário que seja convertido em dólares é passível de investigação.
O mesmo programa tem legitimidade legal para arrestar e confiscar bens em qualquer parte do mundo, desde que as respectivas jurisdições colaborem. Um exemplo: a pessoa X de Angola é proprietária de um apartamento comprado com dólares em Portugal. Esses dólares foram obtidos através de corrupção. Então, os EUA podem confiscar esse bem, desde que Portugal colabore. E Portugal, devedor crónico do FMI, dominado pelos americanos e membro da NATO, não vai colaborar? Claro que sim. Portanto, neste momento, os bens portugueses dos angolanos corruptos estão ao alcance do FBI.
Acresce que, de acordo com a lei americana, não é necessário que tenha existido previamente uma condenação criminal para que o FBI dê início a esses procedimentos.
De igual modo, não é obrigatório que as denúncias sejam feitas nos Estados Unidos. Qualquer pessoa, em qualquer local do mundo, pode dirigir-se a uma embaixada norte-americana e proceder a uma denúncia, a qual será levada em conta e investigada  pelos EUA.
Finda a investigação e comprovando-se a ilegalidade, os bens apreendidos são posteriormente devolvidos aos povos dos respectivos países.
Esta iniciativa leva-nos a duas conclusões:
Os vários milhões retirados de forma ilegítima dos cofres angolanos ainda podem ser recuperados e devolvidos ao povo angolano.
Havendo notícia de Isabel dos Santos ter procedido a movimentações financeiras suspeitas em dólares, poderá iniciar-se uma investigação por parte do FBI, alargada a todo o mundo, e que cruzará com aquela que a Comissão Europeia lançou.
Na realidade, ao nível da União Europeia, desde finais de 2015 que a Comissão Europeia, na pessoa de Vera Jourová, comissária da Justiça, encetou diligências para averiguar a origem dos fundos e a utilização de empresas off-shore por Isabel dos Santos na compra da EFACEC portuguesa, na qual é consultor o famoso comentador português Luís Marques Mendes. A questão é que Isabel dos Santos é uma PEP (Pessoa Exposta Politicamente), e este estatuto parece ter sido esquecido em muitos negócios que efectuou em Portugal desde 2005.
Na mesma linha se encontram as dificuldades com que Isabel dos Santos se deparou na concretização da operação no BPI. A questão é o cerco legal imposto pela sua qualificação como PEP pela União Europeia; daí que seja impossível assegurar-lhe a entrada na Bolsa de Lisboa, que não é comandada por Portugal, mas pelo EuroNext (grupo de mercados bolsistas com sede na Holanda), ou garantir certificações de idoneidade bancária, que também estão sujeitas a regulações junto do BCE (Banco Central Europeu).
Concluindo: os dois mais poderosos sistemas legais globais (Estados Unidos e União Europeia) condicionam forçosamente o comportamento de Isabel dos Santos e acabaram por colocá-la debaixo de foco.
Provando-se que os fundos utilizados por Isabel dos Santos provêm do Tesouro angolano, facilmente se procederá à apreensão dos seus bens nos Estados Unidos e na União Europeia (Portugal incluído), seguindo-se a sua devolução, em tempo oportuno, ao povo angolano.

domingo, 24 de abril de 2016

LUANDA: Os Afectos entre Portugal e o Racismo Encapotado

Os Afectos entre Portugal e Angola e o Racismo Encapotado

Fonte: makaangola/Rafael Marques de Morais24 de Abril de 2016
Tem sido recorrente, sobretudo pela voz de negociantes, políticos e consultores portugueses, a romantização das relações entre Angola e Portugal. No programa “Expresso da Meia-Noite”, da SIC, Vítor Ramalho, secretário-geral da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA) e ex-deputado do Partido Socialista afirmou mesmo que a ligação entre os dois países “é uma relação de paixão em que se entrecruzam afectos”. O que quer isto dizer?
Trata-se de uma narrativa que pretende, acima de tudo, limpar a história. Portugal escravizou e colonizou os angolanos durante 500 anos. Ao longo desses cinco séculos, houve, claro, uma evolução nas relações entre Portugal e o que é hoje Angola. Os portugueses deixaram de maltratar os angolanos como bestas de trabalho, sem humanidade, e passaram, com o colonialismo, a tratá-los como seres inferiores – os indígenas. Ou seja, como bestas remuneradas.
Nas relações actuais entre estados soberanos, há uma cumplicidade atroz entre os governantes portugueses e a sua elite de negócios no apoio à pilhagem de Angola pelo poder do MPLA e de José Eduardo dos Santos, a sua família e o sistema de repressão que os sustenta. Grande parte do saque é investido em Portugal, e isso é muito positivo para o país. É quanto basta.
Disponibiliza-se todo o afecto necessário para o dinheiro e para os recursos angolanos, e nenhum afecto para o povo. Buscam-se todas as justificações para defender o sofrimento dos angolanos como algo natural, decorrente da guerra, do seu estado “africano”.
Porque se recorre, então, com o maior dos cinismos, ao argumento das paixões e dos afectos? Lembrei-me de um episódio ocorrido há alguns anos numa das minhas visitas a Lisboa.
Uma ilustre figura da sociedade portuguesa convidou-me para jantar num dos mais sofisticados hotéis em Lisboa. Queria dar-me conta do seu grande empenho pelo bem dos angolanos. A ideia animou-me. Durante o jantar, essa ilustre personalidade relatou-me as diligências que encetara junto do então presidente da Assembleia-Geral das Nações Unidas, na altura um português, para que usasse dos seus poderes no sentido de promover a paz em Angola. O meu anfitrião perorou sobre a necessidade de se alcançar finalmente a paz em Angola, o país onde Portugal deixara a sua maior invenção durante as aventuras coloniais. Que invenção?, perguntei. O meu interlocutor convidou-me, então, para no dia seguinte ir ao seu escritório e tomar contacto directo com o registo da sua diligência. Assim, ficaria a saber pelos meus próprios olhos.
No seu gabinete, abriu o cofre e de lá retirou uma cópia certificada de uma carta, muito bem preservada num plástico, e deu-ma a ler. No documento, argumentava que a maior invenção de Portugal, do seu heroísmo colonial, era “a mulata”. Fiquei sem palavras. Entusiasmado, o ilustre fez uma fotocópia e ofereceu-ma com todo o seu afecto. Recebi, impotente e incrédulo.
Sozinho, li e reli a carta. Pensei e repensei. Finalmente, sempre incrédulo, reagi. Queimei a carta, para queimar também os sentimentos negativos que me invadiam e a humilhação que sentia.
Ocorreu-me o exemplo da África do Sul, que gerou uma das maiores comunidades miscigenadas em África, mais vasta do que a angolana. Os brancos implementaram e mantiveram, até há 22 anos atrás, o hediondo regime do Apartheid.

Senti-me igualmente insultado quando, no mesmo “Expresso da Meia-Noite”, Vítor Ramalho recorreu também a uma teoria pseudo-antropológica para defender a ideia de que a corrupção é algo natural ou esperado “nas famílias africanas”. “A família africana tem outro conceito que não o nosso”, afirmou Vítor Ramalho, procurando ao mesmo tempo buscar legitimidade para os seus argumentos com o facto de ter nascido em Angola. Quer dizer, conhece melhor esse “outro” africano. É a questão do preto, sem mais conversas.
Tudo isso serve para justificar o poder político-económico de Isabel dos Santos em Portugal, detentora de uma fortuna cuja origem é comprovadamente a pilhagem de Angola. Para reforçar a sua tese da “família africana”, citou também o caso de Valentina Guebuza, filha do ex-presidente moçambicano Armando Guebuza. Ou seja, os líderes africanos aparentemente saqueiam por amor às suas famílias.
As “famílias africanas” têm sofrido horrores precisamente por causa de líderes como José Eduardo dos Santos, que não olham a meios para roubarem e reprimirem o seu próprio povo, para impedirem o seu desenvolvimento humano e o usufruto da liberdade.
Tais tendências têm origem na legitimação do abuso de poder e no contexto histórico. Não são “naturais” às "famílias africanas". Por outro lado, tais líderes, como José Eduardo dos Santos, mantêm a mentalidade e o estatuto de inferiores, que precisam sempre de agradar os seus superiores europeus, reproduzindo os piores métodos do colonialismo contra os seus próprios povos.
Recorrendo ao exemplo do circo do congresso brasileiro, bem se pode descrever esta relação apaixonada entre políticos portugueses e angolanos como um voto pelo sim ou pelo não por parte da classe dominante portuguesa.
Sim à lealdade a José Eduardo dos Santos e à sua mimada filha Isabel, pelo dinheiro, pelo paternalismo, pela família, pela bajulação e pelo oportunismo.
Não à liberdade do povo angolano, ao seu bem-estar e ao respeito pelos seus direitos elementares, pelo racismo, pela família, pelo neocolonialismo e pela ditadura.
Os argumentos defendidos pelo político português Vítor Ramalho ofendem a honra e a dignidade de qualquer cidadão africano de bom senso.
Basta! É hora da palavra.


sábado, 23 de abril de 2016

LUANDA: Diário de um sobrevivente do Massacre do Monte Sumi

Diário de um Sobrevivente do Massacre do Monte Sumi

Fonte: Makaangola/Rafael Marques de Morais 21 de Abril de 2016
O sobrevivente Raul Xavier, de 25 anos, narra a sua história de sobrevivência.
Raul Xavier, de 25 anos, foi dos primeiros a acorrer em socorro do seu líder, José Julino Kalupeteka, a 16 de Abril de 2015. Escondido no tecto da casa de Kalupeteka, acabou por testemunhar o massacre do Monte Sumi, sendo atingido com um tiro que lhe trespassou o tornozelo direito.
O primeiro aniversário do massacre dos peregrinos da seita “A Luz do Mundo” passou despercebido. Dias antes, a 5 de Abril, Kalupeteka, o líder da seita, foi condenado a 28 anos de prisão pelo Tribunal Provincial do Huambo, devido ao sangue derramado de oito agentes policiais e de segurança mortos durante a operação.

Maka Angola publica o primeiro de uma série de relatos de sobreviventes, de modo a assinalar a data e contribuir para um melhor entendimento do que realmente se passou.
O depoimento
Naquele dia, vestido de camisa preta, casaquete preto, calças jeans e chuteiras, Raul Xavier encontrava-se numa roda de conversa, juntamente com muitos outros fiéis, na área dos “bate-chapas”, o conglomerado de casotas de chapas de zinco, onde se alojavam os peregrinos.
Perto das 15h00, “demos conta de que o sítio já estava cercado pela Polícia de Intervenção Rápida e tinham os canos apontados para os bate-chapas”, relata o crente. A testemunha afirma ter visto também uma carrinha, de cor azul escura, “com uma metralhadora grande montada na carroçaria apontada contra o areal” [onde se reuniam os fiéis]. O outro carro trazia cães.
Um grupo de oficiais dirigiu-se ao local onde se encontrava Kalupeteka, junto à sua residência de alvenaria, a certa distância dos “bate-chapas”. “Ouvimos um disparo. Não vimos. Então correu a palavra de que a polícia estava a disparar contra o profeta. Ouvimos que o disparo foi contra o corpo do profeta e era mesmo para matá-lo, quando quatro agentes tentavam segurá-lo. Só por um milagre não foi atingido”, narra a testemunha.
Após o disparo, segundo Raul Xavier, deu-se início ao tiroteio. “Apanhei um tiro no pé, vi alguns a cair [baleados]. Fui o primeiro a ser atingido pelos disparos. Os outros vieram socorrer-me e puseram-nos sentados, encostados à parede da casa do profeta. Éramos seis feridos”, revela.
“Quando os fiéis viram que a polícia estava a matar, aí foi mesmo correr contra eles. Aí era mesmo Deus. Só Deus. Eles [polícias] estavam a disparar contra nós e víamos os canos das armas, o vapor e o fumo. Não víamos as balas”, enfatiza o jovem.
Raul Xavier explica como então um grupo de fiéis se apossou de paus e outros objectos que conseguiram encontrar ali à mão. Com harmonia e desespero em simultâneo, conforme descreve o próprio, o grupo correu para a morte, entoando um hino de fé contra os agentes que disparavam.
Afirma ter testemunhado a pancadaria desferida contra um dos elementos da Polícia Nacional. “O polícia implorava para não o matarem. Gritava ‘não nos matem só, fomos mandados.’”, e o grupo continuou, tombando à medida que prosseguia.
“Os polícias levaram câmaras de filmar. Entraram em formação V e o operador de câmara estava posicionado junto ao carro que tinha o armamento grande”, prossegue. Raul Xavier faz uma pausa. Lamenta o que se passou no julgamento do seu líder e desafia as autoridades: “Eles deviam apresentar os vídeos que filmaram durante o massacre. É só vergonha.”
Mesmo que a comparação pareça desenquadrada, o interlocutor recorre à bíblia para explicar a coragem dos seus correligionários: “Um homem de Deus, mesmo com pedras, pode fazer frente a quem tenha armas. É como o David, que derrotou o Golias. Não foi o nosso poder, a nossa vontade, mas a força divina que nos fez aguentar.”
“Segundo a revelação divina feita ao profeta [Kalupeteka], nós só podíamos usar os paus. Não podíamos tocar em armas”, enfatiza o fiel.
Por volta das 20h00 do mesmo dia, três camiões Kamazes chegaram ao local, levando dezenas de efectivos das Forças Armadas Angolanas (FAA) para apoiar a operação da PIR.
O hino da morte
A sorte de Avelina, de 24 anos, e dos filhos Nandinho, de seis anos, e Ismael, de três anos, tornou-se para Raul Xavier numa preocupação maior do que a sua própria vida. O que teria acontecido à esposa, então grávida de nove meses, que se encontrava nos “bate-chapas”?
“Foi nessa altura que eu e o Samy, que apanhou um tiro no peito, no lado direito, subimos para a cobertura [de chapas] da casa do profeta. Escondemo-nos lá.” Raul Xavier lamenta que “a bala não saiu até hoje”, do peito de Samy.
Raul Xavier refere ainda como agentes da PIR encontraram quatro dos seis feridos sentados junto à casa de Kalupeteka. “Pediram-lhes para cantarem o hino que estávamos a cantar no momento em que iniciou o tiroteio. Depois despejaram-lhes em cima uma rajada. No dia seguinte começaram a matar todos os feridos e sobreviventes que encontravam.”
Assistindo ao horror, Raul Xavier e Samy decidiram arriscar a fuga. Na noite de 17 de Abril, mais de 24 horas depois do início do tiroteio, os dois desceram das chapas.
“Nós estávamos no meio deles. Saímos mesmo assim a arrastar-nos, até ao monte.” O então fugitivo descreve como passaram, na caminhada, por um reservatório de água onde “o mano Samy descalçou os botins [botas de borracha] dele e os encheu com água para bebermos”.
Pelo caminho também passaram por uma lavra da seita, onde tiveram tempo para recolher sete espigas de milho, duas abóboras e algumas batatas renas, que assaram num dos fornos que havia pelas lavras e por sorte estava ainda quente. Após um dia escondidos em arbustos, com o farnel preparado, a dupla buscou refúgio em lugar mais seguro, onde passaram sete dias.
“Deus é aquele!”, repete Raul Xavier. É assim que explica como o Samy, com uma bala alojada no peito, e ele próprio, com o tornozelo fracturado, conseguiam sobreviver.
“A minha situação era mais complicada, porque a bala partiu um osso no tornozelo e não se podia sarar a ferida. Usávamos uma planta medicinal, iumbi, que ajudava como desinfectante”, explica.
O sobrevivente sublinha que os militares montaram várias emboscadas na lavra, para capturar os fiéis escondidos que procuravam alimentos, numa operação apoiada por helicópteros. “Nós estávamos muito próximos deles [dos militares]. Ao sétimo dia, subimos o Monte Sumi.”
Passaram a noite no cimo do monte, aterrados com o movimento frequente de helicópteros. Ao amanhecer, conta, caminharam até à área do Coquengo, a norte do monte.
“Ali ficámos 16 dias sem ver pessoas. Só víamos os helicópteros a passar”, sublinha Raul Xavier.
Durante as duas semanas, os dois amigos alimentaram-se apenas de mel, três mandiocas e algumas goiabas recolhidas durante a caminhada. Acamparam numa zona plana, ao ar livre, próxima de um riacho.
No último dia, “vimos os militares a transportarem os bens que tinham saqueado no Monte Sumi”. Viram também um aldeão em busca de lenha junto do esconderijo, a céu aberto.
Raul Xavier notou, então, que, com a proximidade dos soldados e do aldeão, a sua segurança e do seu companheiro continuavam em risco. “Eu tinha dois telefones e tinha reservado ‘um pau’ de carga. Liguei aos nossos irmãos, a informar sobre a nossa posição, e eles foram buscar-nos. Circulámos mesmo de dia. Deus protegeu-nos e ninguém reparou na nossa presença até sairmos de lá”, conclui.
Raul Xavier reencontrou a esposa, Avelina, já na cidade do Huambo, e conheceu o Nunda, seu filho recém-nascido. No dia do massacre, a esposa caminhara toda a noite até à sede do município da Cáala, na companhia de um grupo de fiéis. Encontrou refúgio em casa de membros da seita, deu à luz no dia seguinte e foi denunciada por um informador. Na sequência desta denúncia, foi detida pela polícia, juntamente com outros membros da seita. Os homens foram levados, as mulheres recebiam castigos... Avelina teve sorte: alguns membros da seita deram-lhe 1000 kwanzas para apanhar um carro que a levou até à cidade do Huambo.

LUANDA: Recluso Ateia Fogo na Cadeia de Viana em Protesto

Recluso Ateia Fogo na Cadeia de Viana em Protesto

Fonte: Makaangola19 de Abril de 2016
O recluso Adão António, mais conhecido por Cara Bom, ateou ontem à tarde fogo nos colchões da cela de castigo, na Comarca de Viana, onde se encontrava há 25 dias.
Segundo fonte do Maka Angola, na cadeia, o jovem causou incêndio na cela, do Bloco D, Ala A, para protestar contra o excesso de castigo que, segundo as regras da prisão, estabelecem um máximo de 21 dias em cela solitária.
A exígua cela solitária estava superlotada com um total de seis detidos. Um dos detidos na solitária contou ao Maka Angola que Adão António exigia o seu retorno à cela comum, após ter cumprido os dias de castigo. Por sua vez, segundo a testemunha, os agentes dos serviços prisionais alegavam a falta de espaço nas celas comuns para o recluso.
De acordo com os detidos, enquanto os colchões improvisados ardiam, os agentes procuravam pelos extintores e depois como saber usá-los. Os reclusos tinham molhado as roupas antes da acção de protesto. Alguns reclusos contaram ao Maka Angola que os castigados entraram em pânico quando as chamas na cela atingiram proporções alarmantes e perigavam as suas vidas.
Enquanto gritavam por socorro,  segundo o depoimento de um recluso, a responsável pelo Bloco D, da Prisão de Viana, intendente Maria Alice, “filmava o incidente com o seu telemóvel”. Ante o aparente descaso da responsável e a inépcia dos seus agentes, um dos presidiários recebeu um dos extintores e apagou o fogo.
A cela queimada é contígua às celas onde se encontram nove dos condenados do Caso 15+2.
Maka Angola contactou o porta-voz dos Serviços Prisionais, Menezes Cassoma, que confirmou o incidente. “O recluso em causa é reincidente de tais práticas em atear fogos”, disse o oficial.
Menezes Cassoma afirmou que Adão António “será submetido a medidas correctivas, porque destruiu património do Estado e pôs em causa a vida dele e de outros reclusos”.