Fonte: Maka Angola/Rafael Marques de MoraisDivulgação: Planalto De Malanje Rio Capôpa 11 de Agosto de 2014
Desde Dezembro passado, três grandes eventos internacionais vincaram o carácter de estadista do presidente José Eduardo dos Santos: o funeral de Nelson Mandela, a Copa do Mundo de Futebol e a Cimeira de Líderes dos Estados Unidos da América e África. Pessoalmente, o presidente preferiu ir apenas à abertura do Mundial de Futebol. A forma como o presidente estabelece as suas prioridades pessoais e as do cargo que exerce, em nome de todos os angolanos, merece por isso uma breve análise.
Em Dezembro passado, mais de 90 chefes de Estado e de Governo do mundo inteiro convergiram em Joanesburgo, na África do Sul, para prestar a última homenagem a Nelson Mandela. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fez-se acompanhar dos seus antecessores George Bush, Bill Clinton e Jimmy Carter. A grande maioria dos líderes africanos juntou-se igualmente à cerimónia histórica. Do lado europeu, Angela Merkel e vários outros líderes de nomeada marcaram presença.
O presidente angolano, que procura chamar a si a liderança e o grande feito de ter derrubado o regime do Apartheid na África do Sul, destacou-se no evento pela sua ausência. De acordo com a narrativa oficial propagada por Dos Santos, o movimento mundial anti-Apartheid, que incluiu sanções económicas, diplomáticas e desportivas contra o regime de Botha, bem como todos os países que prestaram apoio directo ao ANC, pouco ou nada fizeram efectivamente. O grande feito contra o Apartheid, segundo a propaganda oficial angolana, foi a batalha que se travou no Cuito-Canavale, em 1987, onde o exército sul-africano perdeu 31 homens e três tanques. Contudo, na realidade, essa batalha ocorreu na sequência do fracasso da ofensiva militar das então FAPLA contra Mavinga. Na perseguição às tropas governamentais, que se retiravam para a base de apoio do Cuito-Cuanavale, as forças coligadas da UNITA e da África do Sul foram surpreendidas por uma barreira defensiva montada pelos cubanos e debandaram.
Recordemos, contudo, que o presidente marcou presença no Campeonato do Mundo de Futebol, que se realizou em Junho passado, no Brasil. À margem dos jogos, o presidente teve um encontro privado com a presidente do Brasil, Dilma Roussef, e assinou acordos bilaterais.
E, no entanto, José Eduardo dos Santos vincou a sua posição como o grande ausente da Cimeira América-África, promovida pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e que atraiu, neste mês de Agosto, mais de 45 chefes de Estado e de governo africanos.
Em defesa de José Eduardo dos Santos, podem assacar-se três argumentos de peso.
Primeiro, sobre o funeral de Nelson Mandela: a título pessoal, Dos Santos nunca demonstrou simpatia pelo ícone sul-africano e, na altura, apoquentavam-no alguns problemas de saúde. Ademais, com tantos líderes mundiais atraindo os holofotes, o presidente não tinha como retirar quaisquer dividendos políticos ou de imagem com a sua participação nas exéquias fúnebres de Mandela. A sua estatura política teria sido diluída naquele evento.
Segundo, por questões protocolares, a cimeira de Washington não incluía encontros bilaterais entre Obama e os chefes de Estado africanos. O presidente Dos Santos anseia há muito por um encontro privado com Obama, e esta seria a oportunidade perfeita. A administração americana entendeu que tal encontro não seria possível à margem da cimeira, para não discriminar outros estadistas africanos. Aqui assentava a grande jogada: um encontro a sós mostraria que o presidente Dos Santos é muito mais importante do que outros líderes africanos, por junto e atacado.
Todavia, Obama enviou o seu secretário de Estado, John Kerry, a Angola, de modo a realçar a importância regional do presidente José Eduardo dos Santos e, com esse gesto diplomático, convencê-lo a participar na Cimeira. A diplomacia americana foi ao extremo de evitar quaisquer encontros com a oposição, como tem sido hábito, para manifestar o seu empenho em agradar a Dos Santos. Ainda assim, Dos Santos preferiu enviar à Cimeira o seu vice-presidente, Manuel Vicente.
José Eduardo dos Santos é astuto. Aguarda por um convite de Obama para visitar a Casa Branca. Essa visita permitiria relançar a imagem internacional do presidente angolano como um grande estadista mundial. E, para consumo nacional, isso bastaria.
A cimeira dos líderes dos Estados Unidos e África serviu mais para reafirmar a vontade da administração americana em estabelecer um maior engajamento com os países africanos, ao nível dos negócios, assim como alcançar no continente um maior nível de influência.
Dando seguimento à tradição democrática americana, a administração de Barack Obama organizou um evento paralelo para a sociedade civil africana, no Departamento de Estado. Esse fórum serviu para abordar e discutir questões como os direitos humanos, a democracia, a justiça económica e social, a transparência e outros temas acerca dos quais, em boa verdade, grande parte dos líderes africanos prefere não ouvir falar, apesar de serem essenciais para o bem-estar e o desenvolvimento humano dos seus concidadãos. Como prova do seu interesse em promover, concomitantemente, tais valores, o vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o secretário de Estado, John Kerry, falaram aos activistas africanos. Os presidentes do Ghana e da Tanzânia, por exemplo, participaram nessa sessão e responderam, descontraídos, às perguntas de vários cidadãos africanos.
Já o presidente José Eduardo dos Santos tem uma grande lacuna, a qual apenas sabe gerir por meio de ausências e de silêncios. Dos Santos não se sente à vontade a falar publicamente sobre as questões que preocupam os angolanos, e muito menos sobre África ou o mundo. O presidente precisa sempre de um discurso escrito e, de preferência, simples. O maior exemplo desta lacuna foi a entrevista que deu à estação de televisão SIC, em Junho de 2013. Na entrevista, o presidente demonstrou que domina a mentalidade do povo; no entanto, mesmo na resposta a questões com notas escritas, Dos Santos provou igualmente a sua incapacidade em discorrer sobre os dossiês do país, tal a incoerência e gratuitidade dos seus actos políticos e de gestão.
Em contraste, o presidente é mais espontâneo, descontraído e sorridente quando aparece na televisão a aplaudir, da plateia, os concursos de Miss Angola, nos quais tem marcado presença religiosamente. Ah! os eventos musicais também exercem um efeito tonificante sobre o estado de espírito do presidente.
Porquê? Porque nos eventos de entretenimento o presidente não tem de fazer cerimónias para projectar a sua imagem, não tem de discursar nem de falar ao público. Acima de tudo, não tem de justificar nada. Só tem de sorrir e acenar. E tudo continua na mesma.