domingo, 5 de fevereiro de 2017

LUANDA: Ditador Diz Adeus Ao Império

PRESIDENTE DIZ ADEUS AO IMPÉRIO


Quando quiseram desenhar e legitimar o estatuto de plenos poderes do presidente da República de Angola, os constituintes de 2010 encontraram maneira de introduzir numa Constituição aparentemente democrática a figura de um Napoleãozinho. Fingindo copiar o presidencialismo americano com uns toques do constitucionalismo sul-africano, o povo angolano viu-se presenteado com um presidente que acumula tantos poderes quanto o imperador francês Napoleão Bonaparte, e que não é alvo de qualquer espécie de controlo.
Agora que José Eduardo dos Santos anunciou que não se recanditará e escolheu João Lourenço para cabeça de lista do MPLA nas próximas eleições gerais, é altura de voltar a reflectir sobre os poderes presidenciais. E estamos certos de que José Eduardo dos Santos fará o mesmo, pois ele sabe melhor do que ninguém que deixar eleger João Lourenço com os mesmos poderes napoleónicos que JES é um convite à “morte”. Se João Lourenço se tornar o presidente plenipotenciário da República Angolana, JES e a sua família ficarão numa posição muito vulnerável, tão indefesos quanto os seus inimigos de hoje.
Em 2010, a Constituição angolana foi manipulada para garantir que José Eduardo dos Santos tivesse poderes absolutos (dir-se-ia, imperiais) e ainda para garantir que fosse ele próprio a determinar o resultado das eleições. É tempo, então, de fazermos o exercício que se impõe a José Eduardo dos Santos e sua família, mas também — e sobretudo — a todos nós, cidadãos: vejamos quais são os poderes que de facto a Constituição confere ao presidente da República de Angola.

Poderes presidenciais: a síntese de Jorge Miranda
Nos termos da Constituição Angolana, como bem explica o constitucionalista português Jorge Miranda (“pai” da Constituição Portuguesa), “o Presidente é Chefe de Estado, Chefe do Executivo e Comandante-Chefe das Forças Armadas (art. 108º, nº 1). Promove e assegura a unidade nacional, a independência e a integridade territorial do País, representa a Nação no plano interno internacional, respeita e defende a Constituição, assegura o cumprimento das leis e dos acordos e tratados internacionais, promove e garante o regular funcionamento dos órgãos do Estado (art. 108º, nos 4 e 5)”.
Como Chefe do Estado, entre outras, são competências do Presidente (art. 119º):
– Promover junto do Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva e sucessiva da constitucionalidade de actos normativos e tratados internacionais, bem como de omissões inconstitucionais;
– Nomear e exonerar os Ministros de Estado, os Ministros, os Secretários de Estado e os Vice-Ministros;
– Nomear o Presidente e três juízes do Tribunal Constitucional [alínea f), conjugada com o art. 180º, nº 3];
– Nomear o Presidente, o Vice-presidente e os demais juízes do Tribunal Supremo [alínea g), mas nos termos do art. 181º];
– Nomear o Presidente, o Vice-presidente e os demais juízes do Tribunal de Contas;
– Nomear os juízes do Supremo Tribunal Militar;
– Nomear e exonerar o Procurador-Geral e os Vice-Procurador-Geral da República;
– Nomear e exonerar o Governador e os Vice-Governadores do Banco Nacional de Angola;
– Nomear e exonerar os Governadores e os Vice-Governadores Provinciais;
– Convocar referendos, mas sob proposta da Assembleia Nacional [arts. 161º, alínea j, e 168º];
– Declarar estado de guerra e fazer a paz, ouvida a Assembleia Nacional;
– Declarar o estado de sítio e o estado de emergência, ouvida a Assembleia Nacional;
– Promulgar e mandar publicar a Constituição, as leis de revisão constitucional e as leis da Assembleia Nacional;
– Presidir ao Conselho da República;
– Nomear os membros do Conselho Superior da Magistratura (mas nos termos do art. 184º);
– Designar membros do Conselho da República.
Enquanto Chefe do Executivo, o Presidente da República tem, entre outras competências:
– Definir a orientação política do País;
– Dirigir a política nacional;
– Submeter à Assembleia Nacional a proposta de Orçamento Geral do Estado;
– Dirigir os serviços e a actividade da Administração directa do Estado, civil e militar, superintender na Administração indirecta e exercer a tutela sobre a Administração autónoma;
– Definir a orgânica e estabelecer a composição do Poder Executivo;
– Solicitar à Assembleia Nacional autorizações legislativas;
– Exercer iniciativa legislativa, mediante propostas de lei apresentadas à Assembleia Nacional;
– Convocar e presidir às reuniões do Conselho de Ministros e fixar a sua agenda de trabalhos;
– Dirigir e orientar a acção do Vice-Presidente, dos Ministros de Estado e Ministros e dos Governadores de província;
– Elaborar regulamentos necessários à boa execução das leis.

Como Comandante- Chefe das Forças Armadas, são de realçar os seguintes poderes:
– Assumir a direcção superior das Forças Armadas em caso de guerra;
– Nomear e exonerar o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas e o Chefe do Estado-Maior General Adjunto das Forças Armadas, ouvido o Conselho de Segurança Nacional;
– Nomear e exonerar os demais cargos de comando e chefia das Forças Armadas, ouvido o Conselho de Segurança Nacional;
– Promover e graduar, bem como despromover e desgraduar os oficiais generais das Forças Armadas, ouvido o Conselho de Segurança Nacional;
– Nomear e exonerar o Comandante Geral da Polícia Nacional e os 2º Comandantes da Polícia Nacional, ouvido o Conselho de Segurança Nacional;
– Nomear e exonerar os demais cargos de comando e chefia da Polícia Nacional, ouvido o Conselho de Segurança Nacional;
– Promover e graduar, bem como despromover e desgraduar os oficiais comissários da Polícia Nacional, ouvido o Conselho de Segurança Nacional;
– Nomear e exonerar os titulares, adjuntos e chefes de direcção dos órgãos de inteligência e de segurança de Estado, ouvido o Conselho de Segurança Nacional.
E no domínio da segurança nacional:
– Definir a política de segurança nacional e dirigir a sua execução;
– Determinar, orientar e decidir sobre a estratégia de actuação da segurança nacional;
– Aprovar o planeamento operacional do sistema de segurança nacional e decidir sobre a estratégia de emprego e de utilização das Forças Armadas, da Polícia Nacional e demais organismos de protecção interior, e dos órgãos de inteligência e de segurança de Estado.
Finalmente, e ainda seguindo Jorge Miranda, “além dos decretos legislativos publicados no uso de autorizações da Assembleia Nacional, o Presidente da República pode editar decretos legislativos presidenciais provisórios (semelhantes às “medidas provisórias” dos arts. 85º-XXVI e 62º da Constituição brasileira), sempre que, por razões de urgência e relevância, tal medida se mostrar necessária à defesa do interesse público, devendo submetê-los de imediato à Assembleia Nacional e podendo esta convertê-las em lei, com ou sem alterações, ou rejeitá-las (art. 126º)”.


General João Lourenço, o candidato presidencial do MPLA.
O excesso de poderes do Presidente
Serve esta recapitulação exaustiva para que todos tenham noção da amplitude dos poderes do presidente. Se os interpretarmos atentamente, veremos que estes poderes conferem ao presidente autoridade para intervir em todas as três esferas que Montesquieu idealizou como necessariamente independentes: o poder executivo, o poder legislativo e o poder judicial. Além destes poderes, o presidente de Angola também detém em exclusivo o poder administrativo e o poder militar. Todos os poderes do Estado estão concentrados nas suas mãos, criando aquilo a que a doutrina chama Presidência Imperial. O presidente é um imperador. Ele faz o que quer, e o processo eleitoral assume a mera função de plebiscito.
As diferenças face ao presidente dos Estados Unidos da América
Haverá quem defenda que este modelo não pode ser assim tão mau, uma vez que o presidente dos Estados Unidos da América também tem amplos poderes.
É verdade: o presidente dos EUA é o chefe de Estado e chefe do Executivo e comandante supremo das Forças Armadas, nomeia juízes, nomeia ministros e tem algum poder legislativo.
Mas há uma diferença muito grande: O presidente dos EUA é controlado pelo Congresso, especialmente pelo Senado e, em menor grau, pelos tribunais federais.
O presidente dos EUA tem o poder de nomear ministros, mas estes têm de ser aprovados pelo Senado.
O presidente dos EUA faz alguma legislação, mas qualquer juiz federal pode, e pratica essa faculdade, considerá-la inconstitucional e não a aplicar.
Quer isto dizer que o presidente dos EUA tem de facto muitos poderes, mas estes são exercidos conjuntamente ou condicionados a aprovação por outros órgãos políticos. Sozinho, o presidente dos EUA pouco pode fazer. Pelo contrário, o presidente de Angola tem muitos poderes e exerce-os sozinho.
Portanto, a grande diferença de poderes entre o presidente dos EUA e o presidente de Angola são os chamados “checks and balances”. O presidente dos EUA é controlado, o presidente de Angola não.

Revisão constitucional
Espera-se que este estado de coisas mude se e quando houver sucessão presidencial. Nenhum homem ou mulher deve deter os poderes que José Eduardo dos Santos detém. Aliás, se não houver mudança, o próprio JES será o primeiro a sentir a força dos poderes do novo presidente e a ser eliminado. É assim a natureza humana, e a história comprova-o. Por muito fiel que João Lourenço aparente ser, há demasiado em jogo: demasiada riqueza, demasiado poder.
Aproveitando a ocasião, sugerem-se duas pequenas (mas de grande impacto) mudanças constitucionais que tornariam mais aceitável a figura normativa do presidente da República de Angola:
1) Submeter todas as nomeações de topo do PR (ministros, embaixadores, generais, governadores, juízes, presidentes das empresas públicas, etc.) a confirmação expressa pela Assembleia Nacional;
2) Reforçar a independência dos juízes e criar mecanismos legais efectivos para que as decisões legislativas e administrativas do presidente e dos outros poderes públicos possam ser efectivamente contestadas em tempo útil em tribunal.
Estamos em tempo de mudança. E isso deve servir para procurarmos caminhos de esperança e de progresso, não para estagnarmos no pântano de sempre.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

LUANDA: Finalmente... Talvez!

FINALMENTE… TALVEZ!


sucessao

O Presidente da República e líder do MPLA, José Eduardo dos Santos, finalmente poderá, na reunião do Comité Central do dia 3 de Fevereiro (amanhã), anunciar a retirada definitiva do seu nome, como cabeça-de-lista às eleições previstas para Agosto de 2017.

Aconcretizar-se será o colocar de um ponto final nas especulações e hesitações de um sai que não sai, desabonador de José Eduardo dos Santos, tornando-o vulnerável e refém das mais inverosímeis chacotas.
Para já a única verdade, na reunião, será a indicação formal de João Lourenço, como número 1 (cabeça) na lista de deputados do MPLA às eleições e Bornito de Sousa a dois, segundo fonte de F8.
“Não se espera, pelo menos nós não esperamos, o início de uma transição, como ocorreu, ainda recentemente, na América, entre Obama e Trump”, confidenciou um membro do Comité Central do MPLA, alegando “não termos essa cultura e estarmos muito longe, até de países e partidos como Moçambique e Frelimo, Cabo Verde e PAICV, ou até mesmo São Tomé e Príncipe e MLST, pelo que teremos ainda de caminhar, com a direcção na sombra, da máquina do camarada presidente Eduardo dos Santos, que atravessa o partido, o Estado, as Forças Armadas e a economia do país, calcinada em 37 anos de poder total”.
Não haverá pois, equipas de transição, para a passagem de pastas e o conhecimento prévio sobre os grandes dossiers do Estado, nem se sabe como tal se processará.
A única certeza é da máquina partidária, doravante, capitalizar a favor da imagem de João Lourenço, independentemente do seu carisma, porquanto a “engenharia da batota” já está montada e o número dois da lista, a confirmar-se, Bornito de Sousa, tem o acervo informático do processo eleitoral, capaz de transformar abstenções, votos nulos ou falsos em votos úteis a favor do MPLA.
Assim, nesta chave da transição, apenas uma certeza, enquanto a oposição adormece, anestesiada no ingénuo pressuposto de a lei valer alguma coisa, segue a carruagem da procissão do regime com a “lógica da batata na lei da batota”.
Apesar deste cenário, a indicação de João Lourenço tem estado a criar amuos internos na direcção e não se descarta a hipótese de muitos votos importantes, serem desviados, como sinal de protesto secreto a favor da oposição. Resta no entanto saber, se esta será capaz de capitalizar…
Neste rocambolesco processo, desiludam-se as vozes que pensam que José Eduardo dos Santos se converteu à democracia, ou ter adoptado um princípio de transição ou cidadania, pelo contrário, mantém-se fiel ao “controlismo” ditatorial e esta pequena e forçada inversão, deriva de uma recomendação do médico espanhol que o acompanha de forma contundente: “Ou resigna ao poder (preferiu, agora apenas, uma das funções) ou corre o risco de agravamento da patologia clínica de que padece”.
Isso significa que este cenário nunca se processaria, tanto que ele e a equipa, insistem numa entrega gradual de poder, temerosos de eventuais processos judiciais e ou confisco do seu património económico, dos filhos, familiares e colaboradores mais próximos, mesmo com a indicação de João Lourenço, tanto que não descartam, um plano B, incluindo um país de exílio, num agravamento da situação interna e consequente responsabilização criminal, pelos excessos ao longo de um consulado, conturbado e tenebroso de 37 anos de poder, onde as finanças públicas foram delapidadas até à exaustão, com a falência política de bancos, a passagem do controlo dos fundos e empresas do petróleo, das telecomunicações, da comunicação social aos filhos, e a restrição das liberdades reprimindo os direitos, com prisões arbitrárias, assassinatos selectivos e em massa, que à luz do direito interno e externo, felizmente, para as vítimas, não prescrevem e são insusceptíveis de amnistia.

LUANDA: Haja Noção Do Ridículo

HAJA NOÇÃO DO RIDÍCULO


Já começa a ser comovente a choradeira pela atribuição do Prémio Nobel da Paz ao presidente da República.
Nos anos 90, ainda os “bajus” não se referiam ao seu ídolo como o “Arquitecto da Paz”, uma até então desconhecida Liga dos Intelectuais do Cazenga teve apoios institucionais para organizar, no edifício da Assembleia Nacional, uma cerimónia que reuniu “meio país” para implorar a atribuição do Prémio Nobel da Paz a José Eduardo dos Santos. Nessa altura, Governo e UNITA ainda se digladiavam nos campos de batalha.
Poucos dias depois, Elísio Costa, o mentor dessa iniciativa carnavalesca, começou a passear-se pelas ruas de Luanda num Land Rover…
Em Novembro de 2002, o próprio presidente da República reforçou que o Prémio Nobel da Paz é uma obsessão para alguns angolanos. No discurso alusivo ao 27.º aniversário da independência nacional, José Eduardo dos Santos reclamou aquele prémio para Angola. Por modéstia ou por outra razão qualquer, não reivindicou a distinção para si, mas para o Povo de Angola, que, nas suas palavras, deveria ser distinguido pelos sacrifícios consentidos e a tenacidade demonstrada na procura de uma solução para o conflito armado. Desde a sua criação, em 1901, o Prémio Nobel da Paz nunca foi atribuído a um povo inteiro. Talvez por essa razão, a instituição que atribui o prémio ignorou olimpicamente a sugestão do presidente angolano.
Em 2013, surgiu uma nova demonstração de que há angolanos que não descansarão enquanto o prestigioso prémio não for atribuído a José Eduardo dos Santos.
Uma petição colocada nas redes sociais, mas de autoria desconhecida, reclamava o prémio para José Eduardo dos Santos pelo facto de, dentre outras razões, ele ter contribuído para a independência da África do Sul, em 1910… Sucede que, nesse ano, o eterno candidato ao Nobel nem na barriga da mãe ainda estava. Os proponentes da iniciativa ignoraram a história. A independência da África do Sul resultou da guerra entre bóeres e ingleses, dentro do domínio do império britânico.
A choradeira pelo prémio foi recentemente retomada pelo farsante Antunes Huambo, um sujeito que usa o púlpito para idolatrar José Eduardo dos Santos. Como em outras ocasiões, os motivos que ele invoca para sustentar a atribuição do prémio ao seu ídolo são burlescos.
Mesmo assim, poucos dias depois de haver defendido a atribuição do prémio ao PR, Antunes Huambo foi nomeado administrador do até aí inexistente distrito universitário de Talatona…
Lembremos: Elísio Costa, que nos anos 90 não tinha onde cair morto, passou a exibir um Land Rover novinho em folha poucos dias depois de haver organizado uma cerimónia pedindo a atribuição do prémio. Antunes Huambo é nomeado administrador poucos dias depois de haver reclamado a atribuição do Nobel a JES.
Como não são mentecaptos, os angolanos já perceberam que esses actos de idolatria a José Eduardo dos Santos não são assim tão espontâneos. Há uma estrutura por detrás deles. Rendem bens materiais e outras benesses a quem lhes dá rosto.
Antunes Huambo, Elísio Costa e tantos outros puxa-sacos de José Eduardo dos Santos talvez não o saibam, mas para a atribuição do Prémio Nobel da Paz são valorizados muitos aspectos. Em 2013, na petição em que se pedia a atribuição do prémio a José Eduardo dos Santos, umas das razões invocadas era o facto de o presidente ter criado uma secretaria para os direitos humanos. Mas, em Angola, a preocupação com os direitos humanos esgota-se na criação de uma pasta ministerial para acomodar um ex-comandante da FLEC, Bento Bembe, sobre o qual pende um mandado de captura dos Estados Unidos, por rapto de um cidadão norte-americano.
Sejamos sérios:  o Comité do Nobel da Paz alguma vez atribuiria o prémio a um chefe de Estado que se cala perante o assassínio, pelos seus capachos, de cidadãos indefesos?
Alguém se lembra de uma única palavra de José Eduardo dos Santos quando a sua guarda pretoriana assassinou, no dia 26 de Novembro de 2003, no embarcadouro do Mussulo, o lavador de carros Cherokee, pelo “crime” de cantarolar uma música de protesto?
Alguém ouviu da boca de JES uma única palavra de reprovação dos assassínios de Alves Kamulingue, em 27 de Maio de 2012, e de Isaías Cassule, no dia 29 do mesmo mês e ano?
O presidente da República expressou algum pesar pelo assassínio de Hilberto Ganga, o militante da CASA-CE que um membro da Unidade de Segurança Presidencial (USP) abateu na noite de 23 de Novembro de 2013?
O malogrado Hilberto Ganga, num momento de alegria com o seu filho.
Ninguém ouviu do presidente da República uma única palavra de consolo à família do menor Rufino António, de 14 anos, abatido por soldados das FAA quando, em obediência a ordem superior, procediam à demolição de casas de pobres no Zango.
É o silêncio do presidente da República que encoraja a Polícia Nacional a reprimir selvaticamente todos os angolanos que saem à rua para reclamar direitos que são constitucionalmente protegidos. Algum governador provincial ousaria proibir a realização de manifestações se o presidente da República acautelasse esse direito constitucional?
Nas regiões diamantíferas da Lunda-Norte há relatos quase diários de pessoas assassinadas por seguranças de empresas detidas por generais, sem que isso alguma vez tenha arrancado uma palavra de comoção do presidente da República.
No ano passado, milhares de angolanos morreram vítimas de febre-amarela e malária, porque nos hospitais públicos faltavam até seringas, gaze e outros recursos essenciais, e isto porque o dinheiro que o Orçamento Geral do Estado destina à saúde foi drenado para bolsos particulares. O presidente da República puniu alguém pela escandalosa roubalheira? O presidente da República pediu desculpas às famílias angolanas que viram seus entes partirem precocemente porque a roubalheira está institucionalizada?
Sendo absurdo atribuir ao presidente José Eduardo dos Santos a autoria moral de todas estas mortes, manda, porém, a sabedoria popular dizer que quem cala consente. O facto de o presidente da República não se pronunciar (pelo menos publicamente não o faz) sobre crimes hediondos praticados por pessoas que lhe são próximas significa, no mínimo, que estes não lhe provocam desconforto algum.
Os aduladores podem ignorar esses silêncios do presidente da República, mas a comunidade internacional toma-os se não como aprovação, ao menos como conivência.
Por todas essas razões, os Huambos, Elísios e outros deste país deveriam abster-se de sequer referir o prémio. Pedir o Nobel para JES é de tal modo absurdo, que só nos resta concluir que estes aduladores terão recebido instruções superiores para o fazerem com espalhafato, em troca de um ganha-pão. Prova disso mesmo são as benesses e recompensas que recebem sem razão aparente.
Em respeito à sua dignidade, o presidente da República deveria demarcar-se, de modo inequívoco, dessas manifestações ridículas. E o mesmo deveria fazer o MPLA. Em qualquer país sério, o presidente da República sentir-se-ia desconfortável caso a sua candidatura a um prémio internacional fosse defendida por um farsante como Antunes Huambo ou um “intelectual” como Elísio Costa. Nada mais desprestigiante.
Haja noção do ridículo.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

LUANDA: Beija Mão Em Andamento

BEIJA-MÃO EM ANDAMENTO


marcelo-angola

O ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, visita Angola entre 10 e 12 de Fevereiro, prevendo-se que do seu programa constem deslocações a províncias, além da capital, disse hoje fonte diplomática portuguesa. António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa também estão na calha. Sua majestade o rei agradece.

Avisita a Angola do chefe da diplomacia portuguesa chegou a estar prevista para Dezembro, tendo Augusto Santos Silva anunciado em Novembro querer aproveitar a viagem para abordar a diversificar da relação económica entre os dois países.
Aliás, quanto mais perto for de Agosto melhor será para a imagem, neste caso interna, do regime que domina o país há 41 anos e que há 37 anos tem no comando o mesmo homem, José Eduardo dos Santos.
“Estão previstos encontros ao mais alto nível e fazemos questão – quer eu, quer o meu colega ministro das Relações Exteriores de Angola, Georges Chikoti – que a visita não se fique por Luanda mas que haja também a visita a províncias angolanas”, disse à Lusa, a 10 de Novembro, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal.
Os ministros portugueses da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, e do Ambiente, João Matos Fernandes, estão esta semana em visita a Angola, com programas relacionados com o reforço da cooperação, nas duas áreas, entre Portugal e Angola.
Antes, em Julho, foi a vez do ministro da Agricultura, Luís Capoulas Santos, visitar Angola, tendo então proposto uma agenda bilateral renovada para o sector agrícola.
Já em Outubro, em Luanda, a secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, Teresa Ribeiro, anunciou a intenção de os governos de Portugal e de Angola de reforçar e “dar substância” à agenda bilateral e assim preparar as próximas visitas de governantes, ao mais alto nível, continuando em cima da mesa a realização de uma cimeira.
“Vamos construir uma agenda que seja substantiva e que vá influenciar os próximos passos que nós dermos em matéria de cimeiras, de visitas entre os dois países. Criar substância”, enfatizou a governante portuguesa.
O objectivo é “preparar um trabalho sólido”, disse na altura, para as planeadas visitas a Angola do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, do primeiro-ministro, António Costa, e do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
O chefe da diplomacia angolana, Georges Chikoti, anunciou em Março de 2016 que o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, vai visitar oficialmente Angola, em datas que serão tratadas pela via diplomática.
Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa são, reconheça-se, os políticos indicados para não só cimentarem como também alargarem as relações com o regime. Ambos sabem que – do ponto de vista oficial – Angola ainda é o MPLA, e que o MPLA ainda é Angola. Portanto… Siga a fanfarra.
Angola é o país lusófono com a maior taxa de mortalidade infantil e materna e de gravidez na adolescência, segundo as Nações Unidas. Mas o que é que isso importa a Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa? Importante é saber de facto que a filha do presidente (nunca eleito nominalmente e no poder desde 1979) soma e segue, mesmo quando se sabe que o regime é um dos mais corruptos do mundo. Ou será por isso mesmo?
Aliás, muitos dos angolanos (20 milhões) que vivem na pobreza e que raramente sabem o que é uma refeição, poderão certamente alimentar-se com o facto de a filha do presidente vitalício ser também dona dos antigos colonizadores, para além de assistirem ao beija-mão de Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa ao “querido líder”.
Os pobres em Angola estão todos os dias a aumentar e a diminuir. Aumentam porque o desemprego aumenta, diminuem porque vão morrendo. Mas a verdade é que esses angolanos não contam para Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, tal como não contam para António Guterres que cá veio pedir a bênção do “escolhido de Deus” para chegar a secretário-geral da ONU.
Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa sabem que o presidente angolano está no poder desde 1979 sem ter sido nominalmente eleito. Mas isso pouco ou nada importa… pelo menos por enquanto.
É claro que, segundo a bitola de Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, há bons e maus ditadores. Muammar Kadhafi passou a ser mau e Eduardo dos Santos continua a ser bom. E que mais podem querer os bajuladores que enxameiam os areópagos políticos de Lisboa?
Portugal continua de cócoras perante o regime de Luanda, tal como estava em relação a Muammar Kadhafi que, citando José Sócrates, era “um líder carismático”. Talvez um dia Portugal chegue à conclusão que, afinal, Eduardo dos Santos também é um ditador.
Será que alguém vai perguntar a Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa o que pensam desse eufemismo a que se chama democracia em Angola?
Certo será que, nesta matéria, Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa (líder de um partido que é irmão do MPLA na Internacional Socialista) continuam a pensar da mesma forma que Cavaco Silva, José Sócrates, Passos Coelho ou Paulo Portas, para quem Angola nunca esteve tão bem, mesmo tendo 70% dos angolanos na miséria.
De facto, como há já alguns anos dizia Rafael Marques, os portugueses só estão mal informados porque querem, ou porque têm interesses eventualmente legítimos mas pouco ortodoxos e muito menos humanitários. Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa não escapam à regra.
Custa a crer, mas é verdade que os políticos portugueses (há, é claro, excepções) fazem um esforço tremendo (se calhar bem remunerado) para procurar legitimar o que se passa de mais errado com as autoridades angolanas, as tais que estão no poder desde 1975.

LUANDA: O Dia Da Morte Da Comunicação Social Em Angola

O DIA DA MORTE DA COMUNICAÇÃO SOCIAL EM ANGOLA


Dia 23 de Janeiro de 2017 deve ser anunciado como o dia da morte da imprensa livre em Angola. Foi nesta data que o regime ditatorial de José Eduardo publicou o novo pacote legislativo para a comunicação social.
O pacote contempla cinco leis: a Lei da Imprensa, a Lei Orgânica da Entidade Reguladora da Comunicação Social em Angola, a Lei sobre o Estatuto do Jornalista, a Lei sobre o Exercício da Actividade de Radiodifusão e a Lei sobre o Exercício da Actividade de Televisão.
Eleições e controlo da comunicação social
A apenas seis meses das eleições previstas para Agosto de 2017, o objectivo e o alcance de todas estas leis — tecnicamente, Leis n.os 1, 2, 3, 4 e 5 de 23 de Janeiro de 2017 — é apenas um: controlar a comunicação social, punindo qualquer informação publicada que não respeite a linha oficial do regime.
Para alcançar tal objectivo, as referidas leis socorrem-se da técnica legislativa divisada pelos teóricos legais do nacional-socialismo alemão, como Carl Schmitt: a utilização de conceitos gerais e indeterminados. Face a estes conceitos ambíguos, competirá ao decisor (ministro, juiz, etc.) dar-lhes substância e dizer em que consistem concretamente. Assim, o direito da imprensa fica entregue a quem manda nos tribunais.
Um exemplo: o artigo 10.º da Lei de Imprensa (Lei n. º1/2017, de 23 de Janeiro) determina expressamente que: “Todas as empresas e órgãos de comunicação social têm a responsabilidade social de assegurar os direitos dos cidadãos de informar, se informar e ser informados de acordo com o interesse público.”
Num artigo com uma linguagem aparentemente tranquila, encerra-se a mais profunda ameaça à liberdade de imprensa. O que diz o artigo 10.º da Lei de Imprensa? Que toda a informação tem de acontecer no respeito do interesse público. Portanto, o interesse público determina e limita a liberdade de informação. E o que é o interesse público? Geralmente, o interesse público é definido como a exigência de satisfação das necessidades coletivas, do interesse geral de uma determinada comunidade.
Esta definição diz tudo, e não diz nada. É o que faz o artigo 11.º da Lei da Imprensa, ao definir os conteúdos de interesse público. No fundo, o interesse público é aquilo que é definido pelos órgãos de poder. Nos termos da Lei (artigo 84.º), serão os ministros, o departamento ministerial responsável pela de comunicação social e, em última análise, o presidente da República — por força dos seus poderes constitucionais executivos absolutos — que definirão o que é o interesse público (os tribunais em Angola pouca independência têm, por isso serão irrelevantes nesta questão).
Então, o que resulta do artigo 10.º da Lei da Imprensa é que o presidente da República passa a ter as prerrogativas legais para limitar o conteúdo da informação, declarando-a ilegal sempre que esta não corresponda ao interesse público, que é definido por ele. Retirando toda a camuflagem jurídica, este é o ponto essencial da nova legislação: controlo absoluto da informação no ano de eleições.
Observemos agora algumas disposições das variadas leis que incorporam o “espírito” descrito. (Por questões de espaço, não abordemos todas as normas abusivas dessa legislação.)
A Lei de Imprensa e o fim da liberdade
Comecemos pela Lei de Imprensa (Lei n.º 1/2017, de 23 de Janeiro). Além dos já mencionados artigos 10.º, 11.º e 84.º, há que anotar graves atropelos à liberdade e à democracia no artigo 7.º.
Este artigo refere os limites da liberdade de imprensa, começando por uma formulação geral, e por isso perigosa, prescrevendo que esta é limitada pelos “princípios, valores e normas da Constituição e da Lei”. A limitação de direitos fundamentais como a liberdade de imprensa não devia ser equacionada de modo tão genérico, apenas devia ser admitida por normas constitucionais expressas. Depois, o n.º 1 do artigo elenca uma série desses limites, em que se destacam: “objectividade, rigor e isenção, defesa do interesse público, salvaguarda do bom nome, intimidade, etc.”.
O n.º 2 do mesmo artigo 7.º determina que a liberdade de imprensa não cobre a produção ilícita de informações, não podendo por isso os jornalistas obter informações por meio ilícito ou desleal. E o n.º 3 precisa que se considera ilícita ou desleal a informação obtida por meio fraudulento. Bem se percebe que esta norma cria uma zona cinzenta muito perigosa. O jornalista nunca saberá exactamente se está dentro da actividade permitida ou não permitida. Certamente, as notícias veiculadas pelo jornal The Washington Post que levaram à queda do presidente Nixon seriam, face à lei angolana, consideradas obtidas por meio ilícito ou desleal e nunca poderiam ter sido publicadas.
Assim, o artigo 7.º limita drasticamente a actividade do jornalista, tendo um efeito “congelador” das suas tarefas, pois este não tem como saber se está a obter informações de forma legal ou não.
Mais perigoso ainda face à realidade concreta angolana — em que a verdadeira liberdade de imprensa apenas existe na internet — é a extensão destas limitações à rede digital.
Percebe-se perfeitamente que o regime pretende usar esta lei para “apagar” os portais de internet, como o Club-K, o Maka Angola, o Folha 8 e muitos outros, onde se produz e replica informação livre e objectiva. Em Angola como noutras ditaduras, a internet, e não a imprensa em papel, é o grande catalisador para a queda do ditador. Por isso tem de ser controlada. E é disso mesmo que trata o n.º 4 do artigo 7.º da Lei de Imprensa.
A nova polícia da comunicação social
Chega então o momento de referirmos a Lei n.º 2/2017, de 23 de Janeiro, intitulada Lei Orgânica da Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana. Este organismo foi copiado de Portugal e tem constituído um aborto jurídico.
Em Angola, embora o nome seja semelhante ao da entidade reguladora portuguesa, as funções são mais alargadas. Obviamente, alargadas no sentido do controlo.
Dispõe o artigo 2.º, n.º 2, que e Entidade exerce funções de regulação e supervisão. A função reguladora é habitual neste tipo de entidades. Já as funções de supervisão soam a esturro. O poder de supervisão surge associado à hierarquia administrativa e consiste na faculdade de revogar, anular ou suspender os actos administrativos praticados pelos subalternos. Por consequência, a Entidade Reguladora assume-se como organismo que pode interferir administrativamente na comunicação social. E as alíneas d) e e) do artigo 3.º esclarecem a verdadeira intenção do regime ao prescreverem que é objectivo da Entidade Reguladora garantir que os conteúdos difundidos pelos meios de comunicação social se pautam por critérios rigorosos que correspondam a boas práticas jornalísticas e que seja também garantida a efectiva responsabilização editorial em caso de violação da lei ou dos princípios que enformam a actividade de comunicação social.
Aliás, esses poderes de supervisão permitem que a Entidade proceda a averiguações e exames em qualquer local onde se exerçam actividades de comunicação social, estando todas as entidades públicas ou privadas obrigadas a prestar colaboração à Entidade.
É isto que prevê o perigoso artigo 45.º da Lei n.º 2/2017, de 23 de Janeiro, que, na prática, confere poderes policiais à Entidade.
Como já antes comentámos, atendendo a que é público que Rafael Marques escreve os seus textos a partir de um computador na cozinha de sua casa, esta norma (artigo 45.º) permite que os funcionários da Entidade ou mandados por ela entrem na sua cozinha e a vasculhem de cima abaixo, por entre alhos e cebolas, à procura de elementos…
É óbvio que temos aqui, como já se escreveu noutros debates sobre esta legislação, uma polícia da comunicação social. Polícia dominada pelo MPLA, pois resulta do artigo 13.º que o seu conselho directivo seja composto por uma maioria de membros escolhidos pelos deputados do MPLA e do Governo do MPLA.
Conclusões
Já vai longo este texto, e ainda faltam abordar três leis, nomeadamente a Lei que regula o Estatuto do Jornalista, através da qual se pretende transformar jornalistas em “calcinhas”. Mas deixaremos esta abordagem para outra oportunidade.
Por ora, fica aqui registada a sentença de morte passada pelo legislativo angolano e promulgada pelo presidente José Eduardo dos Santos à liberdade de imprensa, com vista a assegurar o controlo da comunicação social em ano de eleições.
Como referia, no século XVII, o poeta inglês Milton em Areopagitica, a sua obra de defesa da liberdade de expressão: “Dêem-me a liberdade de saber, de falar, e de argumentar livremente de acordo com a consciência, acima de todas as liberdades.”
É esta liberdade que está à beira da morte em Angola!