sábado, 7 de janeiro de 2017

LISBOA: Morreu Hoje Mario Soares, Ex-Presidente Da República Portuguesa

MORREU MÁRIO SOARES


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Morreu hoje Mário Soares, ex-Presidente da República Portuguesa e fundador do Partido Socialista. Tinha 92 anos. Paz à sua alma. Apesar disso, a morte não transforma nem maus em bons nem bons em maus. Não faz, por isso, sentido que a memória dos vivos apague os registos. É regra que, na morte, todos passem a ser boas pessoas. Mas é uma regra errada.

Por Orlando Castro
Ahistória de Portugal dos últimos 50 anos tem, para o bem e para o mal, em Mário Soares uma figura sempre presente. Isso significa que também faz parte da história da Lusofonia e das ex-colónias portuguesas. Angola não escapa a isso.
Em 2009, numa conferência sobre “Contributos para uma Estratégia Nacional”, que teve lugar no Instituto de Defesa Nacional, em Lisboa, Mário Soares afirmou:
“É um país riquíssimo e os portugueses começaram a ter actos de subserviência em relação a Angola que são chocantes e que devemos evitar”.
Mário Soares referia-se, na altura, aos seus camaradas do PS, tipo José Sócrates, quando falou da subserviência. Isto porque, de facto, não há melhor exemplo em relação à subserviência de alguns portugueses do que a de José Sócrates relativamente ao soba maior, José Eduardo dos Santos.
E, já agora, recorde-se que, em Maio de 2008, segundo o jornal Público, Mário Soares sugeriu aos responsáveis do PS “uma reflexão profunda sobre as questões” da pobreza, das desigualdades sociais, sobre o descontentamento da classe média, descritas como as que “afligem mais” Portugal, bem como “as questões prioritárias com elas relacionadas”, que disse serem “a saúde, a educação, o desemprego, a previdência social e o trabalho.”
Será que Mário Soares tinha razão quer em relação à subserviência para com o MPLA quer em relação ao país real chamado Portugal? Depende. Se a questão for analisada do ponto de vista dos donos da verdade torna-se evidente que não tinha razão.
Como muito bem tem dito, diz e continuará a dizer um dos associados do conjunto de ministros socialistas que esteve quase sempre no poleiro, de seu nome Augusto Santos Silva, se há alguém que se preocupa com os (des)favorecidos, esse alguém era o Partido Socialistas de José Sócrates. Hoje apenas troca José Sócrates por António Costa. Amanhã se verá.
Se calhar, quando o Boletim Oficial do regime de Angola (Jornal de Angola) disse que o governo ditatorial do MPLA estava ao mesmo nível do da sociedade política Sócrates & Associados, acertou em cheio.
Por alguma razão o Jornal de Angola atacou com tudo o que tinha e com o que não tinha Mário Soares, e a sociedade política Sócrates & Associados meteu o rabinho entre as pernas e nada disse para defender o seu fundador.
Diz-nos a história recente que em matéria de justiça social, numa fase bem posterior à entrega de Angola ao MPLA e para a qual Mário Soares teve um contributo decisivo, o ex-presidente da República portuguesa viu que Jonas Savimbi (ao contrário de José Eduardo dos Santos) colocava os angolanos em primeiro lugar.
Num artigo de opinião publicado na revista portuguesa “Visão”, Mário Soares fez, no entanto, um alerta para a falta de condições em que ainda vivem muitos portugueses: “Já ninguém anda descalço, embora haja certas categorias sociais, hoje, que passam muito mal: os desempregados por exemplo. Mas há também certos pensionistas e reformados”.
Recordam-se de uma entrevista a Mário Soares, então ministro dos Negócios Estrangeiros, sobre a descolonização em África, publicada no nº 34 de 1974 da “Der Spiegel”?
Recordemo-la:
Sr. Ministro, o Governo Provisório está em vias de conceder a independência às colónias da Guiné-Bissau, Angola e Moçambique. Há portugueses que se interrogam se este Governo de Transição, que não foi eleito pelo povo, mas empossado por um golpe militar, tem legitimidade para tomar uma decisão tão histórica.
MS – Isso nós perguntámos logo a seguir à revolução de 25 de Abril. Ponderamos se a descolonização se deveria fazer apenas após eleições regulares. Mas verificou-se que o problema era candente, que dificuldades e demoras surgiam no processo. E assim convencemo-nos que precisávamos de nos apressar.
Há portugueses que julgam que o Sr. se tenha apressado demais – como em tempos os belgas ao se retirarem do Congo.
MS – Estamos há 3 meses no governo, e entretanto fizemos contactos e progressos, mas não creio que tenhamos sido demasiado apressados. Pelo contrário. A situação em Angola, que nos últimos tempos se tornou explosiva, prova que talvez não tivéssemos andado suficientemente depressa.
Sobre as condições de independência o Sr. negoceia exclusivamente com os movimentos de libertação africanos. Na sua opinião eles são os únicos legítimos representantes das populações nas colónias?
MS – Bem, se quisermos fazer a paz – e nós queremos sem demora a paz – temos que falar com os que nos combatem. Isto não implica uma avaliação política ou ética dos movimentos de libertação, mas resulta da apreciação pragmática de determinada situação. E quem nos combate na Guiné? O PAIGC. Assim temos de falar com o PAIGC. Quem nos combate em Moçambique? A Frelimo. Assim temos de falar com a Frelimo.
E com quem pode o Sr. negociar em Angola onde existem vários movimentos rivais?
MS – Em Angola há dois movimentos de libertação reconhecidos pela OUA – o MPLA e a FNLA. Assim temos de negociar com ambos. Para avaliar qual dos dois é o mais representativo do povo é um problema que os Angolanos e as coligações que no futuro formarão governo terão de resolver mais tarde.
Acredita que esses movimentos e em particular os ainda discutíveis têm suficiente autoridade de impor a solução que vai ser negociada?
MS – Esperamos que sim. Mas o processo de descolonização em Portugal, no formato, não deverá decorrer de modo muito deferente do da Inglaterra e França.
Na Argélia havia um movimento de libertação muito forte, como no Quénia e sem dúvida também na Guiné-Bissau e Moçambique. Mas e em Angola?
MS – Sim, na verdade em Angola a situação é difícil devido às divisões dentro dos movimentos. E nós não podemos alterar aí quase nada. Estamos prontos a falar com cada uma das facções e, dentro das nossas possibilidades, procurar que se unam. Mas não temos muitas ilusões, as nossas possibilidades de intervir aqui são muito limitadas.
Se o processo de descolonização português correr como o inglês ou o francês, na sua opinião qual será a tendência a seguir – como no Quénia que seguiu a via capitalista, ou como a Zâmbia que tenta uma espécie de socialismo africano?
MS – Eu julgo que é sempre perigosa a transposição de modelos estranhos. Mas, de momento, parece-me que a evolução em Moçambique será semelhante à da Zâmbia. Noutras regiões poderá haver outras soluções. Quando falei da semelhança do nosso processo de descolonização com o inglês ou o francês, pensei mais nas linhas gerais – que nós, como potência colonial, como os ingleses e os franceses, devíamos negociar com os movimentos fortes a operar nas colónias.
E o que virá depois das negociações?
MS – Parece-nos importante que as populações sejam consultadas e que, depois do domínio português, não lhes seja imposto outro domínio que poderá não ter a maioria. Gostaríamos que a liberdade da população fosse garantida e assegurada. Mas temos nós, como antiga potência colonial, autoridade bastante para discutir isso? A nós parece-nos isso muito problemático. Por outro lado, o PAIGC e a Frelimo são movimentos de libertação que em anos de luta renhida pela independência ganharam indiscutível autoridade. Eles têm chefes muito qualificados e conscientes das responsabilidades. Com quem mais, a não ser com eles, deveremos negociar?
Sente-se o novo governo português também responsável por aqueles milhares de africanos que, por motivos diversos, colaboraram com o anterior regime?
MS – Certamente que nos sentimos responsáveis por essa parte da população e sobre o seu destino já se falou por diversas vezes nas conversações. No caso concreto da Guiné, onde o processo está mais avançado, tencionamos, por exemplo, repatriar para Portugal os ex-combatentes africanos que o queiram por não se conseguirem integrar na nova República independente.
Quantas pessoas são essas?
MS – Sabemos de cerca de 30 antigos comandos que aos olhos do PAIGC representam um certo perigo. Para estas pessoas temos de encontrar uma solução qualquer – talvez integrá-los nas forças armadas portuguesas ou coisa semelhante.
Acredita que do lado dos movimentos de libertação exista a boa vontade de não exercer represálias contra os colaboradores africanos do antigo regime?
MS – Sim, isso foi-me espontaneamente assegurado, mesmo antes de nós termos levantado o problema. Também nos deram certas garantias, os movimentos de libertação não são racistas. Eles estão conscientes dos imensos problemas que terão de enfrentar e não querem comprometer já a sua vida política com crueldades e actos de vingança.
No entanto, a “Voz da Frelimo” emissora do movimento para Moçambique tem, nas passadas semanas, por diversas vezes apelado aos soldados pretos para desertarem das tropas portuguesas, sob pena de ajuste de contas após a independência.
MS – Uma guerra, infelizmente não é um jogo de cavalheiros nem um concurso hípico com regras éticas fixas. Tais excessos verbais e ameaças são lamentáveis, mas também muito naturais. Na verdade, não sei se essas ameaças foram feitas, mas considero-as possíveis. Mas até agora tivemos na Guiné e em Moçambique – em Angola ainda não – uma impressionante onda de confraternização e tudo tem corrido muito melhor do que seria de esperar depois de 13 anos de guerra.
Muitos brancos nas colónias portuguesas sentem-se traídos por Lisboa. Com razão?
MS – Se acreditou nos slogans do antigo regime – que Angola é nossa e sê-lo-á para sempre, e que não são colónias mas simplesmente províncias ultramarinas – então terá razão em sentir-se traído. Mas, na realidade, a traição é do regime de Salazar e Caetano que quiseram fazer esta gente acreditar que seria possível oferecer resistência ao mundo inteiro e à justiça.
Qual será o futuro destes brancos desiludidos, se, apesar de tudo, quiserem permanecer em África?
MS – Se forem leais para com os novos Estados independentes na cooperação e respeitarem as suas leis, não têm nada a temer. Na Guiné, por exemplo, o próprio movimento de libertação exortou-nos a deixar os nossos técnicos, médicos, engenheiros e agrónomos, porque precisavam deles. É cómico: a extrema esquerda portuguesa exigia a nossa saída imediata, total e sem condições, mas os próprios movimentos de libertação não exigiram nada disso.
O que será dos brancos que não querem ficar em África? Em Moçambique já se iniciou entre os brancos um grande movimento de fuga.
MS – É verdade. Mas estou certo que dois anos após a independência e quando as instituições do País funcionarem razoavelmente, haverá mais portugueses, em Moçambique, que hoje. Isto é, aliás, um fenómeno geral. O Presidente Kaunda da Zâmbia disse-me, quando estive em Lusaka: “ Saiba que temos aqui na Zâmbia o dobro dos ingleses que tínhamos antes da independência”.
E o Sr. acredita que isso também acontecerá em Moçambique?
MS – Sim. Primeiro virão muitos para Portugal, porque têm medo, mas depois regressarão.
E em Angola?
MS – Ali ainda não há muitos que abandonaram o País. Ali generaliza-se entre os brancos uma atitude perigosa. Precisamos de convencer os brancos, no seu próprio interesse, que fiquem, mas já não como patrões, como até agora.
Apesar disso Portugal tem de contar com o regresso de muitos. Como irão resolver o caso?
MS – Isto é para nós um problema económico muito sério, pois não é apenas o regresso dos colonos brancos mas também os soldados – cerca de 150.000 a 200.000 homens que regressam duma assentada. Acrescem ainda os imigrantes que querem regressar desde que Portugal é livre. O assunto está a ser estudado pelo Ministério da Economia e Finanças. Temos de criar novos postos de trabalho, mas isso significa igualmente a reestruturação da totalidade da economia portuguesa, que vai precisar de se adaptar às sociedades industriais modernas.
Não existem portanto planos concretos para absorver os retornados?
MS – Há investigações adiantadas.
Entre os brancos que não querem regressar a Portugal, tenta-se criar um exército de mercenários para se opor aos movimentos de libertação. Em Angola, nos últimos tempos, radicais brancos de direita provocaram confrontos raciais sangrentos. Pode Lisboa impedir que tais brancos, especialmente em Angola, tomem o poder?
MS – Eu penso que sim.
Como?
MS – O exército em Moçambique e em Angola é completamente leal para com os que fizeram a Revolução de 25 de Abril. E o exército não permitirá que mercenários brancos ou grupos semelhantes se levantem contra o exército. Tentativas haverá. Em Moçambique já as houve.
E em Angola onde vivem mais do dobro dos brancos e um terço menos de pretos que em Moçambique?
MS – Em Angola haverá certamente uma série de situações mais ou menos desesperadas e tensões perigosas entre as raças. Apesar disso, julgo que por ora o exército pode e fará manter a ordem – a ordem democrática.
Portanto, se necessário, o exército português fará fogo sobre portugueses brancos?
MS – Ele não hesitará e não pode hesitar. O exército já mostrou que tem mão forte e quer manter a ordem a todo o custo.
Apesar do exército, não se pode excluir a hipótese de os brancos se declararem independentes, como na Rodésia. Pelo menos Angola podia tentar mesmo economicamente uma tal solução.
MS – De princípio, nos primeiros momentos da Revolução tive muito receio que tal pudesse acontecer. Mas quanto mais o tempo passa, mais difícil se tornará uma tal tentativa.
Suponhamos, no entanto, que tal venha a acontecer – reagiria Lisboa como Londres, na altura, tentando impor um bloqueio económico?
MS – Não creio que em Angola exista uma solução rodesiana, mas se tal acontecesse combatê-la-íamos com todas as nossas forças, pois uma tal solução seria para África e para o Mundo uma aventura inaceitável.
Também se pensou isso no caso da Rodésia e, no entanto, não se pôde evitar.
MS – Para nós tal solução é improvável a não ser que tivéssemos um golpe de direita aqui em Portugal. Nós – este governo democrático – não permitirá que tal solução rodesiana aconteça em Angola ou Moçambique. Eu repito! Nós combatê-la-emos com todos os meios ao nosso dispor.
Porquê?
MS – Porque isso poria em causa todo o nosso processo de descolonização, a nossa credibilidade, e a nossa boa vontade. E porque com uma tal solução até o regresso do fascismo poderia ser encaminhado em Portugal.
Do ponto de vista económico a perda da Guiné e de Moçambique são um alívio para Portugal. Angola, no entanto, com os seus diamantes, petróleo, café trouxe para Portugal as tão necessárias divisas. Pode Portugal dar-se ao luxo de perder essa fonte de divisas?
MS – Todas estas receitas não compensavam os custos de guerra. Nós gastávamos cerca de 2 biliões de marcos por ano com a guerra. O que pouparmos com o fim da guerra compensa plenamente a perda dessas divisas, que de qualquer modo, acabavam na maior parte nos bolsos dos americanos, alemães e ingleses.
Lisboa irá ajudar no futuro as suas antigas colónias? Concretamente: – Se Moçambique independente resolvesse impedir o trânsito de mercadorias da Rodésia para Lourenço Marques ou Beira para exercer pressão política sobre o regime branco de Salisbury, estaria Portugal disposto a compensar Moçambique pela perda de divisas que tal operação acarretaria?
MS – Os nossos meios são escassos, temos de ter em atenção a nossa muito tensa situação económica. Mas, dentro das nossas possibilidades, ajudaríamos, numa tal situação.
No seu livro “Portugal e o Futuro”, o general Spínola propunha uma espécie de comunidade portuguesa como forma de cooperação futura entre Lisboa e África. Os movimentos de libertação não deram qualquer importância à ideia. Como serão as futuras relações entre Lisboa e África?
MS – O discurso pragmático proferido pelo general Spínola em 27 de Julho sobre o futuro das colónias está muito distante da concepção do seu livro. Se, algum dia, uma espécie de comunidade dos países lusófonos se verificar, só na condição de todos os países serem realmente independentes. E seriam então os países africanos a dizer até que ponto tal associação poderia ir.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

LUANDA: Os 10 Piores Inimigos Da Imprensa Em Angola

OS 10 PIORES INIMIGOS DA IMPRENSA EM ANGOLA


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O Comité para a Protecção dos Jornalistas tem organizado anualmente um relatório onde aponta os 10 piores inimigos da imprensa no mundo. Relativo ao ano 2016, o CPJ divulgou agora uma análise sobre jornalistas presos em todo mundo que nos serve de base para percebermos o quanto jornalistas ainda são encarados como alvo a abater em diversas partes do mundo. No total, 259 jornalistas foram presos em 2016.

Porém, o número de jornalistas mortos no mundo reduziu em comparação aos números mais recentes. De 1 de Janeiro a 15 de Dezembro de 2016 estavam confirmados 48 jornalistas mortos pelo trabalho que realizavam. Outras 27 mortes estão a ser investigadas pelo CPJ neste momento para determinar se ocorreram por causa do exercício do jornalismo.

E em Angola?

Exercer jornalismo em Angola é bastante arriscado. De 1992 até ao presente, pelo menos 10 jornalistas foram mortos por razões profissionais. Não há número exacto de processos judiciais contra jornalistas. No dia 27 de Dezembro de 2016 o Procurador-Geral da República de Angola abriu processos-crime contra Rafael Marques de Morais, jornalista fundador do site Maka Angola (www.makaangola.org), e Mariano Brás, jornalista fundador do semanário O Crime.
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No dia 18 de Novembro do ano passado foram aprovadas em Angola cinco leis que compõem o pacote legislativo sobre a comunicação social, diplomas propostos pelo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, enquanto titular do poder Executivo.
Uma declaração subscrita por vários jornalistas apontava para algumas inconstitucionalidades nas leis aprovadas. Inconformados, os jornalistas que subscreveram o documento divulgado em Novembro anunciaram o “não acatamento” das leis da comunicação social.
Tanto os processos judiciais contra os jornalistas Rafael Marques de Morais e Mariano Brás, como as leis da comunicação social aprovadas, têm sido encarados já como sinais de que a liberdade de imprensa em Angola estará mais difícil ainda de ser exercida nos próximos tempos.
Atenta à liberdade de imprensa e de expressão, ambas com respaldo na Constituição da República de Angola, a Friends of Angola (FoA), organização da sociedade civil sedeada nos Estados Unidos da América, levou a cabo uma sondagem com vista a saber quais foram, na visão dos internautas, os “10 Piores Inimigos da Imprensa em Angola”.
Dez individualidades foram escolhidas e colocadas à disposição dos votantes. A sondagem começou no dia 19 de Dezembro de 2016 e terminou no dia 4 de Janeiro de 2017.
Dentre os 10 nomes propostos, 49 por cento apontaram José Eduardo dos Santos como o primeiro pior inimigo da imprensa em Angola. João Pinto, deputado e um dos vice-presidente da bancada parlamentar do MPLA, é o segundo pior inimigo da imprensa em Angola com 13 por cento dos votos. O general Zé Maria, chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar (SISM), ocupa a terceira posição no resultado da sondagem com 9 por cento.
Segue-se outro general, com 8 por cento, o Procurador-Geral da República, João Maria de Sousa. Com 5 por cento dos votos, a PCA da Sonangol Isabel dos Santos é também uma inimiga da imprensa no país e ocupa a quinta posição. O chefe da Região Militar Luanda, Simão Carlitos Wala, o ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do presidente da República Manuel Hélder Vieira Dias «Kopelipa», ambos generais, e o juiz Januário Domingos José ocupam as três posições seguintes com 4 por cento cada. João Lourenço, ministro da Defesa e vice-presidente do MPLA, e Bento Kangamba também constam dentre os 10 piores inimigos da imprensa. Com 3 por cento, os dois são os últimos da lista.
Em 2017 a Friends of Angola, em cooperação com instituições independentes de defesa dos jornalistas, vai dar sequência a esta campanha.

LISBOA: Advogados Portugueses Enaltecem Luta de Marcos Mavungo e Luaty Beirão em Lisboa/Portugal

ADVOGADOS PORTUGUESES ENALTECEM LUTA DE MARCOS MAVUNGO E LUATY BEIRÃO


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A Ordem dos Advogados de Portugal recebeu ontem, 5 de Janeiro de 2017, em Lisboa os activistas Luaty Beirão e José Marcos Mavungo, para lhes agradecer a coragem, e ofereceu apoio ao advogado de Cabinda Arão Bula Tempo, que considera alvo de “perseguição”.

Abastonária da Ordem dos Advogados de Portugal, Elina Fraga, que presidiu à sessão, considerou “um privilégio encerrar o mandato” com a recepção aos activistas angolanos, que, colectivamente, a OA distinguiu com a medalha de ouro, em Abril de 2016.
Eis a comunicação feita na ocasião por José Marcos Mavungo:
“Exma. Senhora Bastonária da Ordem dos Advogados, Dra. Elina Fraga
Minhas Senhoras e meus senhores,
É com particular satisfação que, em nome dos os activistas sociais de Angola, tomo a palavra neste honroso e emocionante encontro para manifestar o nosso profundo agradecimento à Ordem dos Advogados (OA) pelo empenho institucional manifestado a favor da causa dos activistas dos direitos humanos presos nestes últimos dois anos em Angola.
Honrou-nos, igualmente, o facto de nos ter atribuído, no âmbito das celebrações do Dia do advogado em Setúbal, a Medalha de Ouro da Ordem dos Advogados Portugueses, o que nos surpreendeu pela positiva. E digo surpresos, ao conferir-nos tão valiosa honraria, por que não esperávamos o reconhecimento desta instituição a humildes activistas sociais que somos.
Neste momento, nutre-nos o sentimento bíblico de “servos inúteis” (Lc 17, 10) pela certeza de que pouco nos fez merecedores de tão honrado galardão e, se nos foi concedido, é justo em razão da bondade dos membros do Conselho Geral da Ordem dos Advogados Portugueses, na sua deliberação de 26 de Abril de 2016. Se algum património moral consolidamos nestes tempos que são os nossos, para que merecêssemos tão honroso prémio, está na nossa modesta participação na luta daqueles que “sofrem perseguições por causa da Justiça”.
Senhora bastonária da Ordem dos Advogados, Minhas Senhoras e meus senhores,
Neste momento, de alegria, felicidade e gratidão, devo lembrar Cícero, orador romano, que dizia “nenhum dever é mais importante que a gratidão” e, assim, dizer que os gestos da OA para com a causa dos activistas sociais em Angola nestes últimos dois anos ficarão registados de forma indelével na memória dos nossos corações, como algo mais espesso do que a moldura de um quadro.
Por esta razão, nestes tempos de ditadura militar em Angola, marcados com processos criminais movidos por interesses egoístas, sem humanismo nem ética, e radicalização política, representam um teste na arte de gerir as nossas responsabilidades humanas. Nesta perspectiva, como os activistas sociais, em cívica fraternidade e persistente resistência, temos procurado romper as muralhas da opressão e do autoritarismo.
Mas assim não o entendem os detentores do poder. E qual é o nosso crime? O pensar diferente e acreditar na Justiça, Fraternidade e Dignidade Humana. E por assim pensar e assim agir pacificamente – somos punidos como cidadãos e activistas dos direitos humanos. Os nossos direitos civis e políticos estão suspensos. E as ditas absolvições e amnistias decretadas pela justiça militarista em Angola não passam de encomendas dos magnatas do regime, e também sob pressão da comunidade internacional.
O advogado também é activista dos Direitos Humanos. Sofre as mesmas perseguições e humilhações que estes, se age como tal. É perseguido se defende as vítimas das injustiças. Tem muitos obstáculos e dificuldades se levar a sério o exercício da sua profissão e for favorável à promoção da Democracia, do Estado de Direito e dos Direitos Humanos.
Em definitivo, Angola vive um dos momentos mais difíceis da sua história. O Estado de Direito está suspenso e o colapso do sistema judiciário é uma evidência. Assim sendo, a nossa pretensão é ver, no alto do sistema institucional e legal angolano, as bandeiras do Estado de Direito Democrático, os direitos civis e políticos e as garantias individuais que foram sacrificados durante estes últimos 41 anos de governação do actual partido no poder.
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Portanto, é dolorosa a caminhada para as mudanças em Angola: é uma etapa da viagem dos activistas sociais nas cercas do autoritarismo, da opressão e das prisões, nos labirintos da censura e violação sistemáticas dos direitos e liberdades fundamentais, de modo que todos os cidadãos possam ainda ter esperança no Estado onde reina Justiça, Fraternidade e Dignidade Humana.
Por esta razão, a intervenção da OA no caso dos activistas sociais presos nestes últimos dois anos é motivo de muita esperança. Pese embora os enormes desafios que os activistas dos Direitos Humanos em Angola enfrentam e que se podem resumir num colapso da governação e do sistema judiciário, permanecemos esperançosos e acreditamos que o bom sendo acabará por imperar fazendo, enfim, com que o optimismo da vontade se sobreponha ao pessimismo da razão, sobretudo quando, como agora, o irracionalismo mais absurdo tem cavalgado sem freio nem contrapeso.
Senhora bastonária da Ordem dos Advogados, Minhas Senhoras e meus senhores,
A atmosfera despótica em Angola desmoraliza-nos a todos, como homens de boa vontade, e não sabemos para onde vai levar-nos. Sem rancor para com ninguém, com caridade para com todos, penso que não se pode calar perante a actual peste que elegeu domicílio neste país. “Calando o vício, fazendo-o entrar no corpo só para que não saia para o exterior, nós semeamo-lo e ele surgirá mil vezes mais forte no futuro”, dizia Alexandre Soljenitsine.
Assim sendo, aproveito esta oportunidade para lançar um apelo patético à todos os homens de boa vontade para que ajudassem Angola a promover a cultura da boa governação e da lei. É essencial que as boas vontades de todos cidadãos do mundo mobilizem forças para ajudar Angola a erguer instituições estáveis, nas quais a cidadania deverá ser uma realidade e os princípios éticos e morais deverão ser decisivos na tomada de decisões coerentes e de salvaguarda da humanidade. Acho que não pode haver recusa a tão inadiável e urgente pedido.
Praza a Deus que nos conceda a graça profética de continuarmos a defender o homem criado à «imagem e semelhança de Deus» (Gn 1, 26), participar da edificação dum Estado de Direito Democrático em Angola, sempre predispostos a enfrentar os desafios na difícil caminhada para uma sociedade mais Justa, Fraterna e Digna.
Agradeço, finalmente, a todos que se dignaram marcar presença neste lugar, em especial os membros do Conselho Geral da AO e da Amnistia Internacional de Portugal. Estou certo que este encontro vai marcar a nossa caminhada como activistas sociais e não esquecerei este dia e a alegria que as vossas presenças me proporcionam.”

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

CAFUNFO: Manifestantes Torturam Sargento Da Policia Em Cafunfo/ Provincia da Lunda Norte

MANIFESTANTES TORTURAM SARGENTO DA POLÍCIA EM CAFUNFO


Mais de quatrocentos simpatizantes do Movimento do Protectorado da Lunda-Tchokwé, uma organização sem estatuto legal, protagonizaram ontem uma manifestação violenta em Cafunfo, município do Cuango, que resultou no espancamento brutal de um chefe de patrulha da Polícia Nacional.
No período da manhã, os manifestantes convergiram no bairro Bala-Bala, trajando camisolas do movimento com o rosto do seu líder, Mateus Zecamutchima. Seguiam atrás de dois indivíduos mascarados como muquixis (palhaços). A marcha partiu da residência de um membro da organização, identificado como André Zende, passou pelo Bairro Cafunfo-Sul, seguindo pelo aeroporto (que foi há muito engolido pelas ravinas) até à vila.
Junto à Unidade da Polícia Fiscal, um elemento do Serviço de Investigação Criminal (SIC) no Cuango, conhecido como Ninja, que se fazia acompanhar de um patrulheiro da Polícia Nacional, tentou impedir a marcha. Quando abordou os manifestantes, foi repelido com gritos de protesto.
Ao aproximarem-se do centro da vila de Cafunfo, os manifestantes encontraram uma barreira da Polícia Nacional, comandada pelo chefe de patrulha sargento Ezequias Levi Txamubanda. O Maka Angola testemunhou, in situ, os disparos para o ar que o referido oficial lançou no sentido de dispersar os manifestantes e de os impedir de ultrapassar a barreira policial.
Em reacção, os manifestantes insurgiram-se contra o chefe de patrulha e seus comandados, atacando-os com vários objectos contundentes. Alguns manifestantes confirmaram ao Maka Angola que desarmaram e raptaram Ezequias e que o torturaram com vários objectos até o deixarem desfalecido no local. Retiraram-lhe também os passadores de sargento.
Uma testemunha ocular informou o Maka Angola de que os agentes da Polícia que se encontravam na barricada, calculados em cerca de vinte, bateram em retirada ante a agressividade dos manifestantes, tendo abandonado o sargento à sua sorte.
O agente policial foi depois recuperado pelos seus colegas e levado para o Hospital Regional do Cuango. Entretanto, devido ao estado degradante do hospital e à falta de assistência médico-medicamentosa, o paciente foi transferido, em estado crítico, para a província de Malanje.
Testemunhas oculares revelam que o chefe de patrulha sofreu ferimentos na cabeça e sangrava bastante da boca, das fossas nasais e dos ouvidos.
“No incidente, a população furiosa entrou em pancadaria com o agente Levi, que foi evacuado para o hospital, e a Polícia Nacional em Cafunfo mantém o cidadão Rui Lucas [membro do Protectorado] preso”, reconhece o líder dos manifestantes numa notícia publicada na sua página de Facebook.
O Maka Angola questionou um dos manifestantes sobre as motivações do protesto. Roque Corinto, como se identificou, referiu que “estamos a protestar para impugnar as eleições deste ano. Se o governo não nos conceder autonomia, vamos paralisar a região das Lundas”.
O Movimento do Protectorado da Lunda-Tchokwé tem sido uma dor de cabeça para as autoridades governamentais nas províncias da Lunda-Norte e Lunda-Sul, com as suas reivindicações de autonomia para aquela região diamantífera.
Segundo notícia publicada na sua página no Facebook, o líder dos manifestantes realça que “a presente manifestação enquadra-se na orientação emanada pelo presidente do Movimento do Protectorado, José Mateus Zecamutchima, quando anunciou chuva de manifestações em 2017 em toda a extensão da Nação Lunda-Tchokwé (…)”.
Os conflitos entre as entidades estatais e os líderes e simpatizantes do Protectorado já causaram dezenas de detenções, várias mortes e condenações.
Em 2010, o Tribunal Provincial da Lunda-Norte condenou vários activistas do Movimento do Protectorado da Lunda-Tchokwé por crimes contra a segurança de Estado e por incitação à divisão do país, aplicando-lhes penas de três a seis anos de prisão (com recurso a uma lei revogada).
Em 20 de Setembro passado, efectivos da Polícia Nacional e do SINSE desencadearam um tiroteio em Cafunfo por causa de um mapa representando a divisão das Lundas que havia sido afixado, através de uma lona, numa residência identificada como a sede local do Protectorado, da facção Felipe Malakito, na Rua da Igreja Valódia.
Os agentes feriram o cidadão João Mateus (dono da residência) com uma coronhada na cabeça e deram várias bofetadas à filha, que filmava a agressão contra o pai com o telemóvel, chegando mesmo a apertar-lhe o pescoço para que ela entregasse o telefone. Em consequência, gerou-se uma sessão de pancadaria entre os membros do Protectorado e os agentes que resultou na detenção de 16 indivíduos, 14 dos quais foram libertados no mesmo dia e outros dois encaminhados ao procurador.
A 24 de Novembro passado, no município do Lucapa, um grupo afecto a Filipe Malakito recebeu a falsa notícia de que a bandeira do Protectorado havia sido hasteada nos Estados Unidos e decidiu celebrar. Em resposta, um dos agentes da Polícia Nacional decidiu pôr termo aos festejos de rua, mas acabou desarmado e espancado. Em retaliação, as forças policiais atacaram os manifestantes a tiro, matando três simpatizantes do movimento.
Na opinião do analista jurídico do Maka Angola, esta actuação violenta dos manifestantes merece dois comentários complementares. “O direito à manifestação é pleno, mas tem de ser posto em prática sem violência. Qualquer violência, além de ilegal, é condenável. No entanto, estes factos também confirmam os alertas que temos lançado: a violência e a intolerância por parte das autoridades gera violência por parte das populações, tal como em física uma acção gera sempre uma reacção. Este é o ponto grave a que Angola está a chegar.”
É esta também a opinião de José Zua, especialista em assuntos de inteligência e segurança. Segundo ele, “a questão é que o governo deve mudar em certa medida a forma de actuação em relação às manifestações, para evitar este tipo de incidente. São necessárias mais medidas de inteligência e menos medidas de força. Os problemas com este movimento já há muito deviam ter sido sanados. Mas o governo tem actuado muito na base do poder repressivo das forças policiais, pondo em risco a vida destes agentes da autoridade”.
E prossegue: “Este é mais um caso que se vem juntar ao que aconteceu no monte Sume, no Huambo. É assim que se galvanizam as forças de reacção dos manifestantes e que se corre o risco de enfraquecer, em certa medida, o moral das forças da lei. Estamos em ano de eleições, o que, por si só, propicia incidentes de vária ordem, que é preciso acautelar com medidas de inteligência bem direccionadas.

LUANDA: Nas Ditaduras A Luta É E Terá Sempre de Ser Contínua

NAS DITADURAS A LUTA É, TERÁ DE SER SEMPRE, CONTÍNUA


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Um ataque terrorista de extremistas islâmicos, em Paris, contra o semanário satírico Charlie Hebdo, no dia 7 de Janeiro de 2015, fez vários mortos, entre os quais alguns jornalistas. Mataram alguns mensageiros. A liberdade, essa continua viva.

Por Orlando Castro
Foi há dois anos. Assassinaram jornalistas e polícias, em Paris, num atentado contra o semanário “Charlie Hebdo”. Foi também um ataque contra a liberdade de expressão.
Foi visto assim por muitos, alguns apenas como forma de cumprirem uma formalidade politicamente correcta. Mesmo em países não muçulmanos o lamento sabe a hipocrisia. Isto porque, para muitos, a liberdade de expressão (quando não coincide com a verdade oficial) representa um atentado contra a segurança do Estado.
Por cá, ou seja por Angola, todos os poderes instituídos defendem oficialmente a liberdade de expressão e de imprensa… nos outros países. A nível interno isso é uma chatice.
É verdade que tanto cartoonistas como jornalistas da África lusófona expressaram também a sua condenação. Fizeram-no cumprindo um dever sincero de solidariedade, sabendo muitos deles que também são um alvo preferencial.
E por falar em jornalistas lusófonos, relembremos que o jornalista Carlos Cardoso foi assassinado, em Moçambique, no dia 22 de Novembro de 2000 porque, como Jornalista, fazia uma séria investigação à corrupção que rodeava o programa de privatizações apoiado pelo Fundo Monetário Internacional.
Para Mia Couto, “não foi apenas Carlos Cardoso que morreu. Não mataram somente um Jornalista moçambicano. Foi assassinado um homem bom, que amava a sua família e o seu país e que lutava pelos outros, os mais simples. Mas mais do que uma pessoa: morreu um pedaço do país, uma parte de todos nós”.
Embora sejam uma espécie em vias de extinção, os Jornalistas continuam (em todo o mundo) a ser uma espinha na garganta dos ditadores, mesmo quando eleitos e que estão escudados em regimes ditos democráticos.
Por cá, o regime de José Eduardo dos Santos – perante a criminosa indiferença da comunidade internacional e cúmplice passividade da oposição política interna – já elaborou o seu plano e já estão contratados os assassinos, para eliminar sem deixar rasto todos os que teimem em pensar pela própria cabeça, todos os que teimem em dizer o que pensam ser a verdade, dando voz a quem a não tem. Os jornalistas não serão excepção. Os do Folha 8 estão na lista. Entre outros. É uma questão de tempo e de oportunidade.
“Como eles não querem vender o órgão, vamos acabar com a cabeça, para imobilizar o corpo todo, pois continuam a fazer estragos na imagem do camarada Presidente e do governo”. Isto é o que, entre outras informações, está escrito na estratégia do regime, elaborada pelos Serviços de Inteligência, se o perigo de o MPLA perder as eleições for uma realidade.
O principal visado é, continua a ser, o nosso director, William Tonet, “pela rudeza dos escritos, no seu jornal, onde não falta a regularidade de publicação de segredos do Estado, calúnia e difamação, contra o camarada Presidente José Eduardo dos Santos, sua família e dirigentes do partido, o MPLA, e membros do governo”, justificam, no documento considerado secreto, os algozes da Segurança, para legitimar o plano macabro, depois da UGP (Unidade da Guarda Presidencial), exército reconhecidamente privado e ilegal à luz de um Estado de Direito, de José Eduardo dos Santos, ter falhado a sua morte, com o “abalroamento” da sua viatura no dia 29 de Setembro de 2013, na zona do Morro Bento, em Luanda.
O tom ameaçador subiu, na véspera do Natal de 2014, após publicação de uma entrevista concedida ao Semanário Crime, onde William Tonet aborda com frontalidade questões do 27 de Maio de 1977, opinando que Angola ganharia mais caso se tivesse efectivado um golpe de Estado, liderado por Nito Alves.
E os avisos são recorrentes e já fazem parte do nosso quotidiano. E alguns até merecem, talvez por serem pouco originais e repetitivos, a nossa condescendência. Quando nos dizem: “parem de falar mal do camarada Presidente, porque graças a ele o cabrão do vosso director ainda está vivo”, só nos resta a certeza de que a luta continua e a vitória é certa!
Pelo tempo passado, importa reflectir nas razões – sempre actuais – que levaram ao assassinato de Carlos Cardoso, Ele foi assassinado por entender que a verdade é o melhor predicado dos Homens de bem, uma tese com a qual os ditadores convivem muito mal. Morreu, ainda segundo Mia Couto, porque “a sua aposta era mostrar que a transparência e a honestidade eram não apenas valores éticos mas a forma mais eficiente de governar”.
Foi assassinado, “por ser puro e ter as mãos limpas”. Morreu “por ter recusado sempre as vantagens do Poder”. Morreu por ter sido, por continuar a ser, o que muito poucos conseguem: Jornalista.
“Liquidaram um defensor da fronteira que nos separa do crime, dos negócios sujos, dos que vendem a pátria e a consciência. Ele era um vigilante de uma coragem e inteligência raras”, afirmou Mia Couto num testemunho que deveria figurar em todos os manuais de Jornalismo, que deveria estar colocado em todas (apesar de poucas) Redacções onde se faz Jornalismo.
É certo que no mundo lusófono não são muitos os casos de morte física. Mas há, igualmente, muitos assassinatos. O crime contra os Jornalistas é agora muito mais refinado. Não se dão tiros, marginaliza-se. Não se dão tiros, rescinde-se. Não se dão tiros, amordaça-se. Não se dão tiros, descredibiliza-se. Não se dão tiros, anulam-se formações académicas.
“O sentimento que nos fica é o de estarmos a ser cercados pela selvajaria, pela ausência de escrúpulos dos que enriquecem à custa de tudo e de todos. Dos que acumulam fortunas à custa da droga, do roubo, do branqueamento de dinheiro e do tráfico de armas. E fazem-no, tantas vezes, sob o olhar passivo de quem devia garantir a ordem e punir a barbárie”, disse Mia Couto numa cerimónia fúnebre em Honra de Carlos Cardoso.
Por cá, tal como por lá, os algozes do regime continuam apostados em matar os mensageiros. Ainda não se convenceram que matar o mensageiro não resulta. A liberdade continua viva.

LUANDA: 2017 - O Ano Do Fim Do Imperio Financeiro Sem Passado Da Filha do Ditador Angolano, Isabel Dos Ovos Santos

2017 – O ANO DO FIM DE ISABEL DOS SANTOS


No final de ano de 2016, Isabel dos Santos parecia estar no seu auge.
Domina a Sonangol, onde despede a seu bel-prazer, não hesitando em enfrentar os protegidos do outrora todo-poderoso Manuel Vicente; lança cervejas novas; controla a banca angolana; ocupa um lugar de referência na economia portuguesa.
Os seus braços, como dizia o poeta Camões, todo o mundo abarcam.
Apesar de tudo isso, mesmo não tendo dotes divinatórios nem conhecimentos de astrologia, acreditamos que 2017 marcará o fim do poderio de Isabel dos Santos.
A razão é uma, e afecta todos os ditadores e mitómanos desde a Antiguidade Clássica: o império de Isabel alargou-se demasiado, tem demasiadas frentes de combate, e ela não chega a todo o lado. Não tem generais a apoiá-la, apenas mercenários que, ao primeiro sinal de perigo, a abandonarão.
A necessidade de ocupar directamente a Presidência da Comissão Executiva da Sonangol P&P, a galinha de ovos de ouro do Grupo Sonangol, é um sinal desse fenómeno. Isabel tudo abarca, mas nada aperta, como concluía Camões.
Para se perceber a falta de consistência da actividade de Isabel e o perigo que ela corre, há dois aspectos-chave.
O primeiro é que ninguém acredita na história da venda de ovos. Por todo o mundo, disseminou-se a suspeita de que a sua fortuna tem origem ilegal, muito possivelmente em actos de corrupção e desvio de fundos públicos. Vários livros de referência publicados na esfera anglo-saxónica reflectem essa suspeita: “A Pilhagem de África” de Tom Burgis, ou o mais académico “Corruption and Human Rights Law in Africa” (Corrupção e a Lei sobre os Direitos Humanos em África), de Kolawole Olaniyan, são apenas dois exemplos. Em ambos se assume que Angola é um dos países mais corruptos do planeta. E em ambos se propõe uma tese já antes desenvolvida em terras angolanas por Rafael Marques: a de que a corrupção não é meramente um crime, é o principal obstáculo e causa da pobreza e falta de desenvolvimento em Angola. Quer dizer: a corrupção mata.
Existe, portanto, a nível mundial a percepção de que, por cada milhão de dólares de Isabel, há milhares de crianças angolanas que morrem antes de alcançar a adolescência, e milhares de adultos angolanos que permanecem na pobreza. Por causa desta percepção, levantam-se especiais cautelas ao fazer negócios com Isabel. Quem quer que faça negócios com ela sabe que poderá mais tarde ser acusado de violação das várias leis de direito internacional que condenam a corrupção e o abuso dos direitos humanos.
O segundo aspecto é que, a partir de certo nível de alavancagem financeira, Isabel precisará de outras praças para além da portuguesa, que é uma praça sem liquidez. Terá essencialmente de recorrer a Londres ou a Nova Iorque, mesmo que os seus negócios sejam com chineses ou malteses. E nessas praças será submetida a uma rigorosa due dilligence (avaliação de risco)a que não está habituada em Portugal, nem nas offshores com que habitualmente trabalha.
Dito de outro modo, nem o dinheiro lhe vai aparecer a rodos, nem vai poder movimentá-lo à sua discrição.
Se a nível internacional a margem de manobra de Isabel é cada vez menor, em Angola ela enfrenta uma batalha de duas frentes.
Por um lado, ao atacar a elite angolana representada por Vicente e seus apaniguados, Isabel está a corroer a base de sustentação do regime. Bem pode ela dizer que Vicente e os seus acólitos roubaram a Sonangol, mas a verdade é que, se o fizeram, foi com a conivência do seu pai. Não basta que pronuncie e faça circular acusações. Isabel tem de ser consequente: tem de instaurar uma auditoria forense à gestão anterior da Sonangol e enviar os resultados à Procuradoria-Geral da República. Aliás, já o devia ter feito sob pena de estar a difamar os visados.
Obviamente, qualquer auditoria forense à Sonangol demonstrará que esta foi a principal financiadora de Isabel dos Santos nas suas variadas venturas: GALP em Portugal, compra das acções do BPI ao BCP, lançamento da Unitel. A Sonangol foi o banco de Isabel — com que descaramento pode ela agora aparentar surpresa e indignação?
Por outro lado, Angola está em ano de eleições. E Isabel será uma peça central do processo eleitoral. Também aqui a razão é muito simples. A principal fonte de receitas do país é a Sonangol. Isabel preside à Sonangol. Isabel estará no centro das discussões sobre o futuro e passado recente do país.
Perante todos estes factores, ou Isabel encontra armas para manobrar os poderes financeiros a seu favor, ou tudo aponta para que em 2017 se ponha um fim à oligarquia isabelina em Angola.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

LUANDA: Ter Razão Antes Do Tempo Contra A Vontade Do... Rei

TER RAZÃO ANTES DO TEMPO 
CONTRA A VONTADE DO… REI



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O ex-primeiro-ministro angolano Marcolino Moco propõe aos angolanos a alternativa “da cidadania, da intervenção social”. Entre a continuação do regime, que considera marcado pela “arrogância” e o nepotismo, e uma revolução violenta, como as do norte de África.

Marcolino Moco, que foi também o primeiro secretário-executivo da CPLP, considera que a sua alternativa, que frisou não ser um manifesto político-partidário, pode devolver a Angola a utilidade da política enquanto instrumento de desenvolvimento e não de projecto personalizado, como considera estar a ser actualmente desenvolvida.
“A primeira alternativa é esta presente, sermos governados por pessoas que acham que somos cegos, que não estamos a ver. Um dos princípios da democracia ocidental, que não deve ser negligenciado, é o princípio da alternância e o problema do Presidente José Eduardo dos Santos é que ele está há 37 anos, vai fazer 38 anos, no poder”, salientou.
Antigo secretário-geral do MPLA, partido de que é actualmente apenas militante, Marcolino Moco teceu fortes críticas a José Eduardo dos Santos, cuja longevidade no poder o fez perder a sensibilidade de que “o poder está no povo”.
“Ele (José Eduardo dos Santos) e as pessoas que estão a sua volta – também não são fixas, aí uma ou duas pessoas são sempre as mesmas, há uns que saem, entram, saem -, que de tanto estar no poder já perderam a sensibilidade que o poder é do povo, que os bens, o petróleo, o Banco Nacional, a televisão pública, isso é do povo”, acrescentou.
A manter-se esta insensibilidade, a possibilidade de convulsões sociais é grande, cujo primeiro sinal Marcolino Moco considera ter sido dado pelas manifestações de rua antigovernamentais que marcaram a realidade sociopolítica de Angola, sobretudo desde 2011.
A alternativa que defende constitui um desafio à sociedade angolana para o debate.
“Provavelmente, tenho um defeito: fui sempre homem de convicções demasiado profundas. Mas tenho uma virtude: nunca acreditei que algum homem fosse capaz de trazer soluções definitivas. Por isso, como sempre, o texto que vos apresento pode ser a abertura para um debate e não um conjunto de ideias acabadas”, escreveu no seu blogue, na apresentação das suas ideias.
Marcolino Moco receia que os jovens que protagonizaram as manifestações de 2011 elevem o seu nível da contestação, reproduzindo em Angola as convulsões que modificaram o cenário político no norte de África, na Tunísia, Egipto e Líbia.
“Não devemos ter medo de abordar os problemas. Esta proposta vem justamente nesse sentido, por isso poderá ser abraçada pelos jovens. Ou não. Se os jovens a abraçarem vão para a terceira alternativa, se não, isso tudo se a primeira alternativa continua na teimosia, na sua arrogância de que pode tudo, é dona do país, é evidente isso que está aqui escrito não vai evitar nada, a explosão da segunda alternativa por onde os jovens poderão enveredar”, considerou.
Marcolino Moco acrescentou que os manifestantes “estão a ser reprimidos, a ser sujeitos a sevícias, as suas manifestações pacíficas são infiltradas por indivíduos da segurança do estado, de forma clara”.
“Portanto quem tem que escolher é quem está no poder hoje”, acentuou.
Marcolino Moco é da opinião que os problemas em Angola radicam na “longevidade do Presidente (no poder), no enriquecimento sem causa das pessoas ao lado do Presidente, no culto da personalidade”.
“A terceira alternativa é uma contribuição, é uma tentativa a ver se encontramos caminhos em que a política seja útil à sociedade, porque desta maneira a política não é útil”, afirmou.

Eduardo dos Santos é mestre na manipulação

Luaty Beirão mostra a Marcolino Moco o "carimbo" de democracia e de liberdade do regime de José Eduardo dos Santos.
Luaty Beirão mostra a Marcolino Moco o “carimbo” de democracia e de liberdade do regime de José Eduardo dos Santos.
OPresidente José Eduardo dos Santos “manipula” dignitários católicos para consolidar o seu poder político, acusou em tempos Marcolino Moco.
“Eu vou dizer isso claramente e pode escrever: os clérigos quimbundos (região de Luanda e norte de Angola) da Igreja Católica estão a ser manipulados pelo Presidente, que diz: ‘se vocês deixarem que a Rádio Ecclesia vá para todo o país, depois nós vamos entregar o poder aos nossos inimigos’. O inimigo é a UNITA, são os ovimbundos (etnia do centro-sul de Angola)”, disse Marcolino Moco.
Em causa está a continuada impossibilidade legal da emissora católica angolana emitir em todo o país.
“Eu fui educado na Igreja Católica. Os bispos todos me conhecem. Estamos a passar essa pouca vergonha de aceitar que o (Presidente) José Eduardo (dos Santos) impeça a Rádio Ecclesia de ser transmitida em todas as províncias do país enquanto as rádios da sua filha estão a expandir-se pelo país. Tem uma televisão também, a TV Zimbo”, acrescentou.
Marcolino Moco referia-se à Rádio Mais e à TV Zimbo, órgãos que integram o maior grupo editorial angolano, o Media Nova.
“Alguns são parentes do Presidente. Mas pode mesmo escrever isso. Eles são familiares, são parentes, e depois querem impor o seu modelo, que ninguém está contra. Eu não sou contra ninguém que seja quimbundo”, acrescentou Marcolino Moco, nascido em 1953 no Huambo, Planalto Central de Angola, sendo por essa razão um Ovimbundo.
Defensor de que não devem existir tabus, designadamente os de ordem étnica, Marcolino Moco classifica como “gravíssimo” que se queiram impor “idiossincrasias” a outros povos.
“É um problema que as pessoas não querem debater. Por exemplo, os bispos de outros grupos étnicos em Angola têm receio de abordar isso abertamente por causa das hierarquias. Mas é uma realidade e é perigoso em relação ao futuro, porque é adiar problemas”, defendeu.

Favores de José Eduardo dos Santos à família são escandalosos

Marcolino Moco considera “escandalosos” os favores que o Presidente José Eduardo dos Santos presta à família, designadamente a concessão de exploração do segundo canal e do canal internacional da televisão pública de Angola, acrescentando que são situações que deveriam merecer repúdio e que constituem “uma vergonha” para a sua geração de políticos.
Marcolino Moco foi condecorado por Jorge Sampaio em 1996 (Foto Andre Kosters/Lusa)
Marcolino Moco foi condecorado por Jorge Sampaio em 1996 (Foto Andre Kosters/Lusa)
Crítico assumido de José Eduardo dos Santos, o antigo secretário-geral (1991/92) do MPLA, partido no poder em Angola desde 11 de Novembro de 1975, é de opinião que existe agora em Angola um “culto de personalidade mais acentuado que no tempo do partido único”.
“Há um culto de personalidade mais acentuado do que havia no partido único. Há o silenciamento de tudo o que se faz de ruim por parte da Presidência da República, porque o partido foi transformado num protector: fala-se por exemplo em desvios de dinheiro, escandalosos, mas aparece o partido a fazer manifestações em favor de Sua Excelência o Senhor Presidente”, destacou.
À pergunta se ainda fala com José Eduardo dos Santos, com quem trabalhou lado a lado durante vários anos, Marcolino Moco respondeu: “Falo com ele à distância.”
“Em Angola, a política hoje é encarada como um jogo sujo, de podermos fazer tudo. Tomamos conta do poder, manipulamos, não o largamos. Costumo dizer que quem passa pelo Governo sempre aproveita alguma coisa, mas não pode haver exagero”, sublinhou.
Mas para Marcolino Moco aquele conceito é hoje levado a um “exagero terrível” em Angola.
“As pessoas estão a pensar que isso é normal, mas eu convido as pessoas, por exemplo, em relação a essa coisa da televisão. Eu pedi às pessoas que imaginassem que o (Presidente Aníbal) Cavaco Silva entregasse o canal dois da RTP ao seu filho. Imaginem”, acrescentou.
“A sociedade civil está amedrontada: fantasmas do passado, as mortes de 1974/75, as mortes de 1992 (reinício da guerra civil angolana) com as questões étnicas. Angola é a colónia mais aportuguesada, aquela em que as culturas autóctones mais foram reprimidas. É o país onde menos se falam línguas africanas nas ruas, então há uma hibernação do aspecto étnico-tradicional, mas que funciona depois nas manipulações, entre quatro paredes”, frisou.
Contudo, a ligação a Portugal, antiga potência colonial, é um facto e que merece ser alimentado. “Nós africanos não podemos ter dúvidas: o nosso destino está ligado aos nossos antigos colonizadores e andar à volta disso é aldrabarmo-nos a nós próprios”, considerou, reconhecendo que o “maior problema” dos angolanos foi não terem juntado a componente branca ao seu sistema político.
“O maior, não digo erro, porque o erro não dependeu dos angolanos, mas o maior problema que nós tivemos foi não juntar a componente branca ao sistema político angolano, como a África do Sul tenta fazer. Há forças que continuam a impedir isso, mas estão a laborar no erro, porque os países modernos africanos têm dois pilares: o pilar tradicional e o pilar europeu. Isso é indesmentível”, afiançou.
“Porque senão eu não estaria aqui a falar português”, concluiu.
Nota: Texto construído a partir de uma entrevista de Marcolino Moco à Lusa em Fevereiro de… 2012.