segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

LISBOA: A corrupção precisa de um museu

A corrupção precisa de um museu


Fonte: Diário econômico
Divulgação: Planalto De Malanje Rio capôpa

03/02/14  
Bruno Faria Lopes
Bruno Faria Lopes 
Há uma proposta recente para um “Museu da Corrupção Política” no estado de Nova Iorque. O conceito está a germinar. Em Portugal, o museu seria um sucesso.

Hoje é o dia da publicação do primeiro relatório de Bruxelas sobre corrupção nos países da União Europeia, provavelmente com mais um lugar pouco honroso para Portugal. Hoje é também a véspera do leilão dos quadros de Miró, herança da mega fraude do BPN. Hoje é, por isso, um bom dia para lançar uma ideia: o Museu Nacional da Corrupção e da Fraude (MNCF). Não falta potencial - de acervo, de utilidade cívica e mesmo de negócio - ao MNCF. Atente-se em primeiro lugar às possibilidades de montar uma boa colecção. Em teoria haveria muitíssimo material elegível, mas como as sentenças em casos de corrupção em Portugal são escassas, na práctica a tarefa seria menos fácil do que o previsto. Ainda assim há margem para uma colecção que não envergonha (ou que envergonha, dependendo da perspectiva).

Na sala dedicada à fraude financeira, por exemplo, Portugal tem Alves dos Reis, "o maior burlão da história portuguesa até ao surgimento do caso BPN", considera injustamente a Wikipedia. Alves dos Reis é um Mourinho da falsificação de notas, que enganou meio mundo e quase afundou o escudo, com um currículo que deixa a milhas qualquer figura do BPN. A fazer-lhe companhia estaria a história do BNU nos anos 30 (um colapso abafado por Salazar), a Dona Branca nos anos 80 e, claro, o grande caso BPN (se a sentença for de condenação). Um dos Miró leiloados amanhã poderia integrar o acervo, já que os 74 Mercedes clássicos que o banco tinha foram todos vendidos. (Caso se comprove a acusação do Ministério Público de fraude no BPP, o livro em que o seu ex-presidente conta como ganhar na bolsa, apresentado em vésperas do banco ir ao charco, seria uma peça incontornável.)

O curador competente organizaria o acervo por temas e datas. O museu teria uma sala dedicada à corrupção na política e na esfera pública (Estado, autarquias e regiões), outra mais pequena sobre desporto (pequena porque a conversa é muita, mas as condenações são poucas) e outra com os maiores casos internacionais, de Ponzi a Maddoff. Haveria uma ala especial com as melhores histórias de pequena corrupção e de fraude perpetrada por muitos e ilustres desconhecidos por esse país fora - e outra sobre os investigadores que apanham corruptos e burlões. As histórias são quase sempre boas, com generosas doses de ambição e de rocambolesco, e seriam expostas com recurso a objectos emblemáticos dos criminosos, documentos da época, infografias interactivas dos esquemas e por aí adiante.

Uma vez que o MNCF se dedicaria a relembrar casos na esfera pública, o projecto dificilmente seria elegível para apoio do Estado. Mas os privados interessados não dariam por mal empregue o investimento. Contam-me que em Washington, por exemplo, a fila para o museu do crime dá a volta ao quarteirão. E qual não foi a minha surpresa quando, numa busca pela internet, deparei com uma proposta recente para um "Museu da Corrupção Política" em Albany, no estado de Nova Iorque. O conceito está a germinar. Em Portugal, o MNCF seria seguramente um bom negócio (imagine-se o potencial da loja).

O Museu Nacional da Corrupção e da Fraude não seria só divertido de visitar. Poderia ser espaço para eventos não-governamentais sobre corrupção ou exposições temporárias ("Cartoons sobre corrupção política, do séc. XIX aos nossos dias"), deveria integrar o circuito de visitas de estudo nas escolas (porque ensina história) e seria um bom chamariz para media internacionais e turistas, tratando um grave problema (embora não um exclusivo do nosso país, o 33º pior em 177, segundo a Transparency International) com sentido de humor auto-depreciativo. Esta é a ideia em bruto. Caros investidores: de que estão à espera?

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