E Depois de Dos Santos: Mais do Mesmo?
Quando em 1992 votaram no único sufrágio livre em Angola, os eleitores confrontaram-se com a seguinte interrogação: voto nos “assassinos” ou nos “ladrões”? A UNITA dos nossos dias não apresenta quaisquer semelhanças com a dos assassinos do passado, mas, a partir do momento em que o MPLA renovou o seu poder pela via eleitoral, elevou o saque a um novo nível, sem quaisquer precedentes. Tendo recebido do seu líder luz verde e carta-branca para roubar impunemente, os dirigentes do MPLA saquearam o tesouro nacional sem qualquer receio de punição.
O presidente José Eduardo dos Santos proferiu em 2009 um discurso que se tornou célebre, quando anunciou a política de “tolerância zero contra a corrupção!”. O facto de nenhum alto dirigente do MPLA ter sido entretanto acusado sugere, contudo, que ou a campanha de Dos Santos para acabar com este tipo de crime foi bem-sucedida, ou que o presidente sofre de um grave caso de miopia, que o impede de se aperceber de situações que se desenrolam debaixo do seu nariz.
O facto de a prática do suborno ter actualmente atingido níveis ímpares sugere que agrada ao presidente manter os dirigentes do MPLA e os chefes militares felizes nas suas casas e quartéis, em vez de a conspirar contra si – situação que ajuda a compreender a longevidade de Dos Santos no poder: 36 anos.
Em 2017, o MPLA terá de enfrentar a difícil tarefa de convencer os seus eleitores de que podem confiar que ninguém no partido continuará a saquear o tesouro nacional. Dos Santos tem surgido em várias listagens como o presidente africano mais rico, com uma fortuna avaliada em $20 biliões de dólares – oito vezes superior à fortuna do segundo líder mais rico de África, o rei Mohammed VI de Marrocos, que soma “apenas” $2.5 biliões.
O número de $20 biliões, ainda que especulativo, está para lá da capacidade de compreensão da maior parte das pessoas. Talvez uma boa forma de o apreender seja assim: se se dividirem $20 biliões por metade dos habitantes do país que vivem com $2 por dia ou menos, cada um destes homens, mulheres e crianças receberia o equivalente a cinco anos e meio de trabalho!
Agora que se aproxima o final do seu reinado, Dos Santos confronta-se com um grande dilema no que diz respeito à sua sucessão. Terá de escolher um sucessor que não exponha os seus crimes, assegurando-se de que não terá o mesmo destino que o seu colega da Zâmbia, Fredrick Chiluba, cujo sucessor – Levy Mwanawasa, escolhido a dedo – o entregou à justiça em 2003, acusando-o de 60 crimes de roubo e abuso de poder.
Poucos, dentro e fora de Angola, contestariam o facto de que de entre os detentores de altos cargos e individualidades próximas do presidente, os dois indivíduos mais poderosos são o general Manuel Hélder Vieira Dias, mais conhecido como Kopelipa, e o vice-presidente, Manuel Vicente.
Antes de se tornar vice-presidente, Manuel Vicente chefiou a todo-poderosa Sonangol, durante 12 anos. Enquanto presidente da Sonangol - frequentemente descrita como um Estado dentro do Estado –, acumulou uma enorme fortuna, conseguida muitas vezes através de parcerias com o general Kopelipa. O general considera-se (correctamente) acima de todos os outros generais, incluindo o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas Angolanas (FAA). Não constitui pois qualquer surpresa que estes dois homens tenham formado uma parceria empresarial que, de acordo com o Maka Angola, integrou mais de 40 empresas, todas elas, num primeiro momento, registadas na mesma morada: Rua Luís Mota Feo 3-2, Apartamento 5, Ingombota, Luanda.
Kopelipa e Manuel Vicente são frequentemente acompanhados nos seus negócios por um terceiro parceiro negocial, o general Nascimento - conhecido por Dino – consultor de Kopelipa na Casa de Segurança do presidente.
Não nos é aqui possível analisar as 40 empresas em causa, mas uma bastará para ilustrar a amplitude e profundidade da corrupção nas cúpulas do poder em Angola. Um olhar mais pormenorizado sobre outras importantes empresas, como a Cochan SA, a Pumangol e a DTS Holdings, então detidas pela mesma troika, e avaliadas em biliões de dólares, será apresentado num momento posterior.
Cobalt e a Privatização do Poder Estatal
A Cobalt International Energy foi estabelecida há uma década, com o apoio financeiro de dois gigantes corporativos americanos: a Goldman Sachs e o Carlyle Group. Angola era o seu principal alvo e Joseph Bryant, o director-geral, havia já chefiado as operações da British Petroleum (BP) no país durante seis anos, tendo estabelecido excelentes relações com Manuel Vicente, à época presidente do Conselho de Administração da Sonangol.
A prática da Sonangol para o estabelecimento de novas concessões consiste numa ronda de licitações aberta a todas as empresas interessadas. Quem vencer o concurso para exploração de um novo bloco deve também pagar aquilo que é eufemisticamente designado por “bónus de assinatura” – i.e., “gratos pela permissão para assinar contrato, junto enviamos a quantia requerida”. Estes bónus de assinatura podem ascender a somas elevadíssimas. Por exemplo, os bónus de assinatura correspondentes aos blocos 31 – 33 custaram $300 milhões cada.
Era este o cenário quando, em 2008, a Cobalt entrou em cena e provocou olhares críticos. Foi-lhe concessionada a exploração de três blocos (o 9, o 20 e o 21) sem que tivesse havido abertura de concurso e sem ser necessário pagar bónus de assinatura. Ao invés, o governo e a Sonangol insistiram para que a Cobalt tomasse a seu cargo duas empresas-fantasma angolanas – a Nazaki Oil & Gas e a Alper Petroleum - enquanto parceiros não-pagantes, numa suposta jogada para proporcionar aos angolanos mais experiência no sector petrolífero. A Cobalt aceitou estas condições pré-definidas.
Posteriormente, no decorrer de um processo em que foi investigado pela Comissão de Valores Mobiliários dos EUA devido a alegados subornos, Joseph Bryant, alegou que na altura em que estas condições foram estabelecidas “o governo” exigira que a Cobalt assimilasse estas duas empresas angolanas.
Bryant afirmou desconhecer quem integrava tais empresas. Se a Comissão de Valores Mobiliários tivesse investigado mais a fundo, teria descoberto que Bryant mantinha excelentes relações com Manuel Vicente e que não haveria qualquer hipótese de desconhecer o facto de Vicente ser dono de 1/3 da Nazaki Oil & Gas. Segundo o Maka Angola, a certa altura as duas empresas terão inclusivamente partilhado escritórios no prédio do CIF.
A razão pela qual não foi exigido à Cobalt que participasse numa licitação concorrencial ou que pagasse o bónus de assinatura tornou-se evidente quando foi revelado que os dois parceiros de Vicente na Nazaki Oil & Gas eram os generais Kopelipa e Dino Nascimento. A única excepção à troika foi o próprio presidente. Vicente, que durante 12 anos presidira à Sonangol, conhecia a indústria petrolífera angolana tão bem quanto qualquer outro angolano, se não melhor. Certamente não necessitaria desta inclusão na Nazaki para assim “ganhar experiência no sector petrolífero”, argumento que serviu ao governo para incluir no negócio, sem custos acrescidos, duas empresas angolanas.
Uma vez tornados públicos os seus três parceiros negociais, a Cobalt e Bryant viram a coisa complicar-se para o seu lado. Em Agosto de 2004, a Cobalt foi notificada pela Comissão de Valores Mobiliários dos EUA de que, ao abrigo do Federal Corrupt Practices Act [Lei Federal contra as Práticas de Corrupção] – e por alegadamente violar certas leis federais - iria ser instaurada uma acção de execução contra a empresa, por suborno de membros de um governo estrangeiro.
Na expectativa de dar a volta ao problema, Bryant e a Cobalt anunciaram que os três sócios da Nazaki (Kopelipa, Vicente e Nascimento) haviam vendido as suas acções de novo à Sonangol, por uma alegada soma de $50 a $100 milhões de dólares para cada um dos três sócios.
Este terá sido um dos mais evidentes casos de suborno de membro de um governo estrangeiro que a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA teve perante si.
Uma conclusão óbvia a retirar daqui é que o MPLA terá em mãos uma tarefa quase impossível, quando em 2017 quiser convencer os angolanos de que podem confiar que, novamente no poder, não será roubado ainda mais dinheiro público, exacerbando assim o drama do povo angolano.
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