Angola e a Justiça Portuguesa: Reabrir os Processos Arquivados, Já
Alguém conhece um único caso na justiça criminal portuguesa contra a oligarquia angolana que não tenha sido arquivado ou parado ou esquecido?
A resposta é simples e directa: não existe.
Até ao momento, a posição da justiça portuguesa tem sido sempre de completa deferência perante o poder angolano. Por isso, o caso de Manuel Vicente e do infeliz procurador Orlando Figueira não é único. Não no sentido da corrupção, pois sobre isso não tenho dados, embora suspeite de que o caso não ficará por aqui, até porque há práticas mais difusas, como conceder a familiares de procuradores lugares em empresas ou escritórios de advogados ligados ao regime angolano. Contudo, este caso não é certamente único no sentido de “varrer para debaixo do tapete” as questões que beliscassem os grandes de Angola.
Enumeremos algumas situações. A primeira já tem alguns anos e surgiu na Operação Furacão. Noticiava Carlos Rodrigues Lima no Diário de Notícias de 26 de Fevereiro de 2007 que o Ministério Público, nas suas investigações e buscas, tinha encontrado vários indícios que ligariam Isabel dos Santos a empresas off-shore suspeitas de branqueamento de capitais e fuga ao fisco. Havendo esses indícios, contudo, não foi prosseguida qualquer investigação a respeito. Parece que tal decisão terá sido tomada pela dirigente da Operação Furacão, Cândida Almeida, possivelmente em nome do superior interesse nacional português. Não se esqueçam que Portugal começava a dar os primeiros sinais de embaraço económico e que precisava do dinheiro angolano como “pão para a boca”. Curiosamente, Cândida Almeida era a superior de Orlando Figueira.
Outra situação relevante liga-se precisamente às demais figuras angolanas que viram os seus processos separados por Orlando Figueira. É o caso de José Pedro Morais, actual governador do Banco Nacional de Angola e que, segundo escreve Miguel Ganhão no Correio da Manhã, é proprietário de seis apartamentos num dos condomínios mais luxuosos de Portugal, o Estoril Sol Residence. Os imóveis no condomínio Estoril Sol Residence são dos mais caros do país, com um preço médio de 1,5 milhões de euros. José Pedro Morais estava a ser investigado no mesmo caso de Manuel Vicente, e também foi agraciado mais tarde com um arquivamento.
E mais processos existem, muitos derivados dos textos de Rafael Marques e de iniciativas do académico angolano Adriano Parreira. Importa anotar que nenhum deles teve qualquer sequência.
E noutro julgamento que decorreu no Tribunal da Relação surgiu um ministro angolano a mentir com “quantos dentes tinha” a propósito de uma situação em que se dizia prejudicado. No fim, os desembargadores, saindo do seu dever de reserva, pediram-lhe copiosas desculpas e disseram-lhe que ficasse descansado, pois eles iam decidir naturalmente de encontro aos interesses do angolano.
Durante anos, as elites angolanas fizeram o que quiseram com a justiça portuguesa.
Nessa medida, tem muita pertinência o que escreve André Ventura, jovem e dinâmico professor de Direito Penal português, a propósito da actuação de Orlando Figueira: “Não será evidente que a mera suspeita de corrupção invalida os fundamentos do arquivamento de qualquer processo, quanto mais não seja face à percepção com que os cidadãos ficam relativamente a esses mesmos processos? Face ao próprio povo, em cujo nome os tribunais devem administrar a justiça?”
Face ao exposto, não é o procurador Orlando Figueira que está em causa. Isso é uma falácia. O que está em causa é todo o sistema de justiça português face a Angola.
Por isso, todos os processos arquivados (ou decididos a seu favor) referentes a dirigentes angolanos em Portugal devem ser reabertos, por uma questão de credibilidade e segurança na justiça portuguesa.
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