Em Abril de 2000, a Assembleia da República portuguesa votou a favor de quatro moções a favor da liberdade de expressão e imprensa em Angola e de protesto contra a minha condenação e do finado Aguiar dos Santos, após um julgamento teatral que teve lugar em Luanda em Março do mesmo ano.
“Considerando que se impõe uma reacção por parte da comunidade internacional e dos responsáveis políticos em particular, contra o regime de intolerância e o constante desrespeito pelos direitos humanos em Angola (…)”, a Assembleia da República protestou, por moção do CDS-Partido Popular (CDS-PP), contra as restrições impostas pelo governo angolano à liberdade de imprensa e de expressão. Paulo Portas, actual vice-primeiro-ministro, Sílvio Rui Cervan, Maria Celeste Cardona e mais um deputado cujo nome permaneceu ilegível no Diário da Assembleia da República, subscreveram o documento.
Era o tempo do
Baton da Ditadura, o texto que escrevi e publiquei no semanário
Agora, no qual acusava o presidente José Eduardo dos Santos de ser corrupto e ditador.
As forças policiais e de segurança, para provarem o contrário, apontaram-me sete armas ao abrir a porta de casa, na madrugada de 16 de Outubro de 1999, quando me foram prender. O mais dedicado dos agentes pressionou a sua pistola contra a minha têmpora do lado esquerdo. O resto é história.
Também é história o facto do Partido Socialista (PS), Partido Social Democrata (PSD) e Bloco de Esquerda (BE) terem aprovado uma moção conjunta de protesto contra a minha condenação e a de Aguiar dos Santos. Nessa altura, os deputados portugueses apelaram ao governo angolano para respeitar a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
O Partido Comunista Português (PCP), aliado tradicional e ideológico do MPLA, também juntou a sua moção de protesto, no parlamento português, apelando à liberdade de imprensa e de expressão em Angola. Ressalvou, na altura, ter estado “consciente da necessidade de evitar atitudes que signifiquem a sua instrumentalização ao serviço de objectivos de deterioração das relações de amizade e cooperação entre Portugal e Angola, que considera necessário salvaguardar e defender”.
Francisco Louçã, do BE, foi um dos mais empenhados deputados portugueses na defesa da liberdade de expressão e de imprensa em Angola. Também fez passar a sua moção de protesto. Em Novembro de 1999, Louçã fez aprovar um voto de protesto contra as restrições à liberdade de expressão em Angola. Era mais um acto de solidariedade contra a minha detenção ilegal. Para si, a moção era “um voto de louvor àqueles que arriscam a vida para que a liberdade não seja uma palavra vã e para que os ditadores não se perpetuem no governo”.
Passados 13 anos, a declaração do CDS-PP, acima mencionada, bem se adequaria ao voto apresentado a 28 de Novembro, pelo Bloco de Esquerda, no qual condenava os assassinatos dos ativistas Alves Kamulingue, Isaías Cassule e Manuel “Ganga”. A moção do BE pedia a libertação dos presos políticos em Angola, mas as bancadas do PSD, PS, CDS, PCP e Verdes votaram contra. Seis deputados socialistas, incluindo João Soares, apoiaram o BE. Oito deputados socialistas, incluindo Francisco Assis, optaram pela neutralidade.
Em 2000, as classes política e empresarial dominantes em Portugal não dependiam do dinheiro de Angola. Nessa altura havia a guerra e cerca de metade do petróleo que se produz hoje. Em 2000, o Produto Interno Bruto (PIB) angolano era de US $ 8.96 biliões, enquanto para o presente ano cifra-se à volta de US $122 biliões.
Em 2000, contavam-se os portugueses em Angola. A maioria tinha o estatuto de cooperantes (a denominação de “internacionalistas” era reservada aos cubanos). Milhares de angolanos procuravam refúgio em Portugal e eram malquistos. Era o tempo da guerra e de penúria.
Em 2013, Angola é, mais uma vez, a terra prometida para centenas de milhar de cidadãos portugueses. Portugal tornou-se a varanda dos ricos e dos ladrões angolanos, na qual se podem exibir à vontade. Hoje os angolanos são bem-vindos em Portugal, mas têm de gastar e bem, para merecerem deferência. É o respeito pelo dinheiro.
As circunstâncias são diferentes e, em Portugal, a palavra de ordem é a salvaguarda dos interesses portugueses em Angola. É uma atitude patriótica, como era no tempo de Salazar. Nessa época, a colonização rendia bastante, mas havia o peso da gestão dos africanos. Hoje, a neo-colonização rende muito mais e sem o peso da gestão dos africanos. Os líderes angolanos roubam e oprimem o seu próprio povo para investirem em Portugal, e facilitam o retorno massivo e lucrativo dos portugueses, desde que associado aos seus negócios particulares.
No tempo salazarista, a ditadura fascista justificava a colonização de Angola como o garante da grandeza de Portugal. Na época eduardista, da cleptocracia angolana, a democracia portuguesa justifica a sua posição como sendo o garante da salvação económica de Portugal. Fala-se do reforço das relações bilaterais e económicas. E há aqueles políticos e analistas portugueses que até consideram os angolanos como um povo irmão, para lhes ir às algibeiras com grande vénia.
Mas Angola também está a saque pelos chineses e outros aventureiros que aportam de vários quadrantes do mundo. Muito mais dinheiro angolano, aos biliões, está a ser desviado para a Ásia e outras paragens obscuras através da China-Sonangol e outros consórcios de branqueamento de capitais.
Porquê Portugal haveria manifestar solidariedade e simpatia pelo sofrimento do povo angolano enquanto outros saqueiam sem escrúpulos?
Porque há um sentido de solidariedade e de amizade que une muitos portugueses e angolanos, independente da trajetória histórica entre Angola e Portugal. São laços forjados com base na sensibilidade humana.
O Bloco de Esquerda demonstrou que a minoria política, desligada do capital e das manigâncias com o poder de Dos Santos, exigiu respeito por Angola e pelos angolanos. O Parlamento português, numa demonstração do seu cariz democrático, levou a tragédia de Cassule, Kamulingue e Ganga a votos. É o único parlamento, no mundo, que o fez. E foi sincero. Primeiro os negócios, o resto é conversa.
Os portugueses não estão a enganar os angolanos. Voltaram apenas à condição de cooperantes com José Eduardo dos Santos e o MPLA, que espoliam as riquezas nacionais e oprimem o seu próprio povo. Não há relações recíprocas de respeito mútuo. A cumplicidade no saque e a chantagem política são os vectores das relações bilaterais.
Em Angola, o cortejo fúnebre de Manuel de Carvalho Hilberto Ganga, a 27 de Novembro, foi atacado pela Polícia Nacional com gás lacrimogéneo. No dia seguinte, no parlamento, membros da oposição foram revistados e insultados por se insurgirem contra os assassinatos políticos.
Com um regime, em Angola, que já nem aos mortos dá tréguas, e com uma população incapaz de manifestar maior indignação, a iniciativa do Bloco de Esquerda, em Portugal, foi um triunfo. Venceu a indiferença. É um gesto político único de solidariedade para com o povo angolano, num momento de transição imprevisível.
Aos meus amigos e às minhas tias adoptivas portugueses tenho apenas palavras de agradecimento, estima e admiração pelo quanto sofrem, comigo, por uma Angola democrática, livre e justa.