Tudo ocorreu, segundo João Baptista, pai das raparigas, uma semana depois de três efectivos da fiscalização da Comissão Administrativa da Cidade de Luanda, afectos ao distrito urbano da Ingombota, na companhia de agentes da Polícia Nacional, deslocarem- se à casa onde habitavam, forçando-os a abandonarem o local, sob pena de serem presos.
"Os fiscais da Ilha vieram aqui, com polícias e dois patrulheiros, e ordenaram que saíssemos de casa ou nos prenderiam. Ainda tentámos ficar, mas eles voltaram a ameaçar-nos, por isso, aceitámos só", relata João Baptista, de 73 anos. Atirados para o relento e sem local seguro para passar as noites, a família Baptista "teimosamente" ergueu uma cubata ao lado do vasto terreno, de aproximadamente 50 metros de largura e 100 de cumprimento, quando marginais armados surgiram, na noite do dia 23 de Outubro, e violaram as duas raparigas na presença dos pais.
"Eram por aí 22h00, quando os três bandidos chegaram e violaram as minhas duas filhas à minha frente", lembra o idoso, com lágrimas a cair pelo rosto. O pai das vítimas acredita que o pior não aconteceu com a sua família porque, no momento em que violentavam sexualmente as suas filhas, uma carrinha da Polícia Nacional passou.
Os agentes aperceberam- se do que estava a acontecer e, prontamente, interviram. "Quando os agentes recuaram o carro, eles meteram-se em fuga pela vala, por isso, a polícia não conseguiu agarrá-los. Se não fosse isso, talvez estaríamos mortos, porque eles estavam dispostos a fazer o pior", narra o ancião.
PROTEGIDO POR LEI
Questionado sobre as causas que levaram os agentes da fiscalização da Ingombota a expulsar a família de casa, João Baptista explica que deve-se ao facto do terreno "supostamente agora pertencer a um senhor, identificado apenas por Cuco".
"No dia em que os fiscais vieram, estavam com a esposa do tal Cuco e diziam que o espaço é deles", recorda João Baptista, acrescentando que "o legítimo dono daquela parcela de terra é o antigo embaixador de Angola no Congo, o general Filipe Felisberto "Monimambo", alegação confirmada por Ângelo, sobrinho do militar.
"Sem dúvida, que o terreno pertence ao meu tio. Ele deixou o senhor João Baptista na posse do espaço, durante o tempo em que andou pelo Congo", afirmou Ângelo. Consciente de que a lei o protegia, conforme previsto no artigo 1439º do Código Civil vigente em Angola, João Baptista não hesitou em habitar na residência, por isso surpreendeu- se quando as autoridades fiscais e policiais o informaram de que deveria abandonar o referido território.
Isto sem a devida indemnização pelo tempo que lá esteve, como salvaguarda o artigo 1447º, também do Código Civil, pois a família praticava agricultura no local. "Durante o tempo em que lá estive a viver não aceitámos vender o terreno a ninguém por saber que o espaço era do general Monimambo", frisou o agora "sem tecto".
O sobrinho conta ainda que, certa vez, a família foi notificada pela Direcção Provincial de Luanda da fiscalização e lá disseram-lhe que o dito senhor "dispõe de toda documentação e inclusive autorização para construir".
Segundo outro familiar do anterior proprietário, "Cuco aproveitou- se da deficiente saúde do general e passou documentos em seu nome". "Não sabemos como ele conseguiu corromper, mas a fiscalização sabe", desabafou.
QUEIXAS SEM RESPOSTA
Alguns membros da igreja Baptista que acompanhavam os problemas da família Baptista convenceram o casal a dirigir-se à administração do Kilamba-Kiaxi para apresentarem queixa. Sugestão que acataram, tendo-se deslocado à fiscalização da área, onde deram origem à abertura do processo número 441/13.
Mas, até ao fecho desta edição, a acção não havia registado efeitos. Outra queixa foi feita na Direcção Provincial de Investigação Criminal (DPIC) de Luanda contra os violadores de Neide Maria e Maria da Conceição, sobre o número processual 6297/13.
Também aqui nada aconteceu de lá para cá. Laura Madalena, esposa de João Baptista, está doente, supostamente afectada por paludismo, mas por não ter dinheiro "desconsegue" efectuar análises médicas, que lhe permitam fazer a medicação.
Os membros da igreja Baptista, num gesto de solidariedade, cederam provisoriamente uma parcela de terra para a família, onde colocaram uma tenda, mas clamam apoios da administração do distrito, pois no espaço será construído brevemente um templo religioso.
Luís Paixão, director do serviço de fiscalização do distrito urbano da Ingombota, diz desconhecer a suposta operação levada a cabo por efectivos sobre a sua jurisdição. "Não tenho conhecimento desta operação mas é possível que tal tenha acontecido. Os efectivos da Ingombota são igualmente da cidade de Luanda pelo que podem actuar no Kilamba Kiaxi, enquanto parte integrante da cidade de Luanda", declarou.
NJ