quinta-feira, 13 de março de 2014

LISBOA: De como o sociólogo Paulo de Carvalho mudou a história do Mundo - José Eduardo Agualusa

De como o sociólogo Paulo de Carvalho mudou a história do mundo – José Eduardo Agualusa

Fonte: Club-k.net

Divulgação: Planalto De Malanje Rio Capôpa
13.03.2014
Para sustentar essa sua convicção, Paulo de Carvalho contou um episódio ocorrido há tempos na Fundação Mário Soares, em Lisboa, em que o jornalista e ativista dos direitos humanos criticou o regime angolano, tendo-lhe o académico respondido: "Se em Angola houvesse um sistema ditatorial, tu, meu amigo Rafael Marques, não estarias aqui a falar para nós, estaríamos nós a chorar na tua campa".
A notícia é da agência Lusa e tem sido reproduzida em diversos meios de comunicação social desde a última quarta-feira. Vou partir do princípio que é verdade. Sendo verdade, o sociólogo Paulo de Carvalho abriu campo – com a sua arrojada linha de pensamento – para uma completa reinterpretação da História da Humanidade. Senão, vejamos: Agostinho Neto esteve nas mãos de Salazar. Contudo Salazar não o matou – logo, o regime salazarista foi uma democracia. Uma democracia exuberante, diga-se, pois Salazar também poderia ter morto, entre tantos outras importantes vozes contestárias, Álvaro Cunhal, Mário Soares, etc., etc..

Pinochet poderia ter mandado matar Pablo Neruda (adiantando-se alguns dias ao tumor na próstata do qual, efectivamente, morreu o grande poeta). Contudo, não o fez. Logo, o seu regime foi uma democracia.

Dllma Roussef, actual presidente do Brasil, foi presa, no início dos anos setenta, pelo regime militar que se instalou no seu pais em 1964. Contudo, os militares não a mataram. Logo, esse mesmo regime militar foi uma democracia. O assassinato dos jovens Isaías Cassule e Alves Camulingue, em Maio de 2012, pelos Serviços de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE), é um pormenor que não parece incomodar o sociólogo Paulo de Carvalho. Segundo esta curiosa linha de pensamento, se um democrata consegue fazer ouvir a sua voz, sem ser morto, então existe democracia – isto mesmo que todas as outras vozes tenham sido silenciadas. Sim, Salazar matou Humberto Delgado (e tantos outros). Porém não matou Mário Soares. Então o salazarismo foi uma democracia. Sim, Pinochet assassinou o cantor e compositor Victor Jara. Porém, não assassinou Neruda. Logo, o regime de Pinochet foi uma democracia.

E a vergonha?! Não há vergonha?! Volto a ler a notícia da Lusa e sinto vergonha por ele, pelo sociólogo Paulo de Carvalho, sinto vergonha pelo Presidente José Eduardo dos Santos, sinto vergonha por toda essa gente que ousa apontar o dedo a um homem como Rafael Marques para lhe lembrar que ainda está vivo, que podia estar morto, mas que ainda está vivo, e que deve a vida ao espírito democrático de quem tem o poder para nos matar – e não o faz.

Nas democracias não se aponta o dedo a quem discorda de nós para lembrar que o pode fazer, que não morrerá por o estar fazendo. Nas democracias permitir que os outros discordem não é um gesto de tolerância (ou de ternura) – é a própria essência do sistema. A qualidade de uma democracia mede-se pela diversidade de opiniões livremente expressas. E é por isso que em Angola não temos uma democracia.

MAPUTO: Joaquim Chissano faz mea culpa por não ter desarmado a Renamo

Joaquim Chissano faz mea culpa por não ter desarmado a Renamo

O antigo presidente de Moçambique diz que o MDM tem mostrado alguma pujança mas ainda tem muito a fazer para alcançar a abrangência da Renamo.
Joaquim Chissano ex-Presidente de MoçambiqueJoaquim Chissano ex-Presidente de Moçambique
 
Joaquim Chissano assumiu ontem, 11, parte da culpa pelo facto da Renamo, o maior partido político na oposição, continuar com uma facção armada, contrariando o espírito do Acordo Geral de paz de Roma, que estabelecia o desarmamento total doentão movimento “rebelde”.

Na Grande Entrevista transmitida na Stv, Chissano considera que a conquista da paz foi o seu maior orgulho, mas assume que o não desarmamento da Renamo foi o seu “maior erro” ao longo da sua governação.

“Foi excesso de confiança termos permitido que a Renamo ficasse com armas. Quando começamos a agir, a Renamo já tinha criado uma filosofia para se manter com armas” disse Chissano durante a entrevista.

Mesmo após perceber a filosofia de Afonso Dlhakama, Chissano diz ter optado pela persuasão, ao invés da força, por forma a evitar que o país regressasse a um novo estágio de guerra.

“Nós não sabíamos quantos homens, quantas armas escondidas a Renamo tinha. Preferimos jogar com o tempo, com a persuasão, com aproximação, e isso durou esses anos todos”frisou o antigo chefe do Estado.

O antigo Presidente da República considera também que a Renamo ainda não esgotou a sua vitalidade política e é um partido a ter em conta nas próximas eleições, agendadas para 15 de Outubro.

Apesar do MDM ter mostrado alguma pujança nas últimas autarquias, ainda tem muito a fazer para alcançar a abrangência da Renamo, segundo Chissano:  “A Renamo tem ja uma certa máquina no terreno e eu penso que ainda há muita força da Renamo. Portanto nós devemos tomar isso em consideração”, disse Chissano durante a entrevista à Stv.

NOVA IORQUE: Prédio caí depois de explosão em Manhattan, Nova Iorque/USA

Prédio cai depois de explosão em Manhattan, Nova Iorque

Estados Unidos, Nova Iorque, Explosão de prédio em ManhattanEstados Unidos, Nova Iorque, Explosão de prédio em ManhattanFonte: VOADivulgação: Planalto De malanje Rio capôpa12.03.2014
TAMANHO DAS LETRAS 


Uma pessoa morreu, 20 estão feridas muitas outras estão desparecidas após a explosão e desabamento de um prédio em Manhattan, que provocou a queda de um outro esta manhã, 12, na cidade de Nova Iorque.

A explosão no prédio que se situa na rua 116 com a Park Avenue, no este de Harlem, fez estremecer muitos edifícios históricos ao redor e quebrou janelas dos mesmos.

As autoridades não confirmaram ainda as causas da explosão, que aconteceu junto à estação de metro e comboio Metro-North, em Nova Iorque, mas tudo indica que se deveu a um fuga de gás.

"Pensei que um comboio tinha explodido", disse Marisa Aquino, à estação NBC. Ela estava no seu apartamento na rua 115th Street entre Park e Lexington, quando ouviu a explosão. "Existem muitos bombeiros e muito fumo. Polícias e equipas de emergência e

quarta-feira, 12 de março de 2014

Ondjaki: Um dia Angola vai ter que se perguntar porque ficou tanto tempo o mesmo partido e o mesmo presidente no poder

Ondjaki: «Um dia Angola vai ter que se perguntar porque ficou tanto tempo o mesmo partido e o mesmo presidente no poder»

Fonte: Diário Digital
Divulgação: Planalto de Malanje Rio Caôpa
12.03.2014
Licenciado em Sociologia, Ondjaki desde cedo despertou para a Literatura. Os prémios depressa apareceram. Em 2007, recebeu o “Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco” com a obra “Os da minha rua”. Na Etiópia, foi galardoado com o prémio “Grinzane for best african writer”, em 2008. No Brasil, foi vencedor do “Prémio Jabuti”, na categoria juvenil, com o livro “AvóDezanove e o segredo soviético”.
O seu livro “Os Transparentes” ganhou o “Prémio José Saramago”, em 2013.
O Diário Digital entrevistou o autor na Póvoa de Varzim, durante o festival literário “Correntes d`Escritas”. Era cerca de uma da manhã, quando a conversa começou. Ondjaki tinha terminado um debate literário com Miguel Sousa Tavares, Manuel Jorge Marmelo, Rui Zink, Carlos Quiroga e Manuel Silva Ramos. A fila para lhe pedir um autógrafo e uma fotografia era extensa. Quando o autor conseguiu sair, já o auditório estava vazio e a Feira do Livro, adjacente ao auditório, fechada.
O Povo angolano sabe que a Senhora Ideologia [personagem de “Os Transparentes”] morreu?
Não sei se o povo angolano sabe. Não é que eu no meu livro matasse a Senhora Ideologia. O que no meu livro acontece é que finalmente se dá a notícia às pessoas de que a Senhora Ideologia já morreu. Mas realmente, para te responder à pergunta, eu não sei se o povo angolano sabe que a Senhora Ideologia já morreu.
Na minha opinião, em Angola a Ideologia morreu.
E foi substituída por o quê?
Não faço ideia, nem sei se quem a matou tinha a noção do que estava a fazer.
Fiquei com a sensação de que há mais uma violação da terra e da gente do que um esforço de desenvolvimento? É isto que se passa em Angola?
- Não sei se o povo está a ser violado ou violentado, mas o que há ali [“Os Transparentes”] – claro que o livro é uma ficção- é o ponto de vista da minha preocupação pessoal como autor- é uma tentativa de chamada de atenção para que, de facto, não se confunda o modernismo do cimento, ou até o modernismo do dinheiro e do petróleo com o desenvolvimento social. É verdade que um país como o nosso esteve 40 anos em guerra. Evidentemente que há reconstrução de pontes e de estradas, mas para mim seria preciso dar prioridade à reconstrução moral,  cívica, da cultura e da educação. Para mim, é onde o dinheiro devia estar a ser usado prioritariamente.  Onde eu vejo o dinheiro ser usado prioritariamente é no betão e na reconstrução de estradas. Muito bem, mas a reconstrução de uma ponte é ter dinheiro, que o governo angolano tem, chama o chinês e o chinês faz a ponte. Isto até nem precisa de muita planificação: chamar o engenheiro e os trabalhadores e fazem.

A reconstrução... não é bem uma reconstrução, é um reinvestimento na cultura e na educação, que também há, mas eu vejo mais a nível do cimento. Sim, há novas escolas. Sim, há novos postos de saúde. Sim, há novas universidades, mas a prioridade - repito- devia ser dada à qualidade do ensino e não aos prédios onde ensinam. É preciso repensar a qualidade dos professores que temos e do nível de ensino. O mesmo se aplica à cultura. E isto não é visível, porque não é como uma ponte que aparece daqui a 6 meses, mas talvez daqui a 6 anos ou daqui a 60 pudéssemos então- oxalá possamos- ver um país a renascer. Claro que os países se reinventam, e Angola está a renascer e está a reinventar-se. Eu acho é que tem de se pensar que maneira é que todos nós, cidadãos e políticos, queremos que Angola se reinvente. Como é que a queremos? Que Angola queremos nós, cidadãos, para o nosso futuro?
Está tudo a acontecer muito depressa…
Depressa é inevitável! O depressa está em todo o lado. Está em Nova Iorque, está em Joanesburgo e em nós também, mas o depressa tem de ser contrariado, o depressa não existe, o depressa não funciona. O depressa traz defeito. O depressa é perigoso...mas enfim… eu não sou político. É uma mera reflexão pela via da ficção.
A tua literatura é uma arma de combate social? 
Eu acho que não, ou seja eu não uso com essa intenção. É óbvio que o livro pode ter várias leituras; é óbvio que “Os Transparentes”, dentro destes livros que eu escrevi, é talvez o livro com uma carga política um bocado mais forte. Existe ali qualquer coisa de inquietação política, mais do que crítica ou outra coisa qualquer. O que eu quero transmitir é inquietação; a minha pessoal, acho que transmito a de algumas pessoas também, é a minha pessoal e assumo-a. O livro está assinado por mim.
Eu só chamo a atenção para coisas que eu gostaria que fossem passíveis de reflexão e de discussão aberta.
Em “Os Transparentes”, Luanda é a personagem principal?
Eu acho que sim. Acaba por ser. Não é a primeira vez. Há um livro chamado “Quantas madrugadas tem a noite” em que o pano de fundo e uma das personagens principais é a cidade. Aqui em “Os Transparentes” é mais evidente. Luanda aparece com os seus tentáculos e esses tentáculos são as pessoas, desde o vendedor de conchas ao ministro; desde a avó, que veio de Huambo e que vive em Luanda enclausurada numa outra língua que não é a dela, até ao menino que transporta baldes de água e lava os carros. Estas pessoas fazem uma certa Luanda. Evidentemente que outros escritores poderão optar por uma outra visão de Luanda.
Angola, tal como Luanda, é um país permanentemente em obras/reconstrução?
Ainda é e ainda será. Lá está! É preciso ver que a reconstrução está a ser feita a vários níveis: do ponto de vista de quem manda, que é o governo, mas do ponto de vista também de quem lá vive e tem o seu próprio conceito de reconstrução. Luanda, especificamente, é uma cidade que vive em função do dinheiro- e onde há dinheiro isso tende a acontecer; onde há menos dinheiro as pessoas vivem menos em função do dinheiro- ali há muito dinheiro e toda a gente gira em torno do dinheiro, seja o dólar seja o kwanza.

Isto é uma coisa que me deixa triste. É Natural? Bom, talvez, mas deixa-me triste; é uma outra Luanda em relação às luandas que já houve e às luandas que eu conheci antes. Havia menos dinheiro, ou pelo menos circulava menos dinheiro.
O ministro tem gelo enquanto a população sofre com a falta de água. É possível escrever sobre a classe média? Ela existe?
Está a aparecer devagar uma classe média. Não é, sociologicamente, a classe média típica, se analisarmos vários indicadores, porque a classe média não se faz só por valores monetários. Eu acho que, neste momento, se eu te falar de uma classe média, eu vou estar a falar exclusivamente no salário das pessoas. Nesse sentido, sim; há uma nova camada que está nos bancos, há uma nova camada que está a ganhar melhor. Isso vai ser a nossa classe média, mas é preciso atenção porque sociologicamente a classe média deveria compreender outros indicadores: aptidões intelectuais, aptidões sociais, acesso a determinado tipo de bens e de direitos. Isso não sei se existe porque está tudo muito ainda em função do dinheiro, tanto a oportunidade quanto o acesso. Isto complica. Não deveria ser só o dinheiro a permitir o acesso a determinado tipo de serviços ou de bens. A água é um exemplo: mesmo quem tem água em casa é porque tem tanques de água e quando a água vem, que não é todos os dias, armazena a água e depois tem água que parece corrente. Mas a água não vem todos os dias para toda a gente em Luanda. No caso de Luanda; já nem falo nas outras províncias. A meu ver, é uma das prioridades. Seria interessante ver um político ou governante dizer “Vocês já viram que já resolvemos o problema da água?” Isto para ele seria um trunfo político; para mim seria uma coisa normalíssima que os políticos estivessem preocupados. Num país com o número de rios que nós temos- há províncias com mais de 3 rios- seria incrível se conseguíssemos finalmente que a população… Eu até digo prioritariamente a água! Mais do que a luz porque a água faz mais falta a toda a gente.
Em “Os Transparentes” procura-se petróleo, mas falta água. A que se deve esta inversão de prioridades?Isto é na ficção. Não há petróleo “onshore”, digo eu… É simbólico, mas essa simbologia estende-se a muitos políticos no mundo que raramente adoptam como suas prioridades  as prioridades de quem conta com eles. É muito raro um político adoptar como prioridade aquilo que realmente faz falta. São outras agendas! Isto é incrível!
Estou a ouvir-te e, tirando alguns aspectos particulares, consigo identificar a Europa.
Claro! Estás a ver a França, estás a ver a Espanha, a Itália e estás a ver Portugal. Claro!
Angola teve uma guerra civil, houve uma “catarse” de sangue. Dá-me a sensação- obviamente que é ficção- de que há uma constante destruição e reconstrução na Luanda de “Os Transparentes”. É necessária uma nova catarse, uma nova forma de niilismo na transformação da sociedade angolana?
Não sei se a palavra é “Necessária”... Não sabemos muito bem o que vai acontecer. O partido que está no poder está no poder há muitos anos, a pessoa que está no poder como Presidente da República, por variadíssimas razões, está no poder há muitos anos. Angola vai ter que lidar com isso. Um dia, Angola vai ter de que repensar isso; vai ter que se perguntar porque ficou tanto tempo o mesmo partido e o mesmo presidente. É impossível que ninguém se pergunte. As pessoas se perguntam, muitas vezes…
A Literatura é a expressão de uma identidade. Parece-me que a literatura angolana já está consolidada…
Sim, mas é feita por um pequeno número de pessoas. Hoje o Ungulani, de Moçambique, estava a me dizer que nos nossos países o número activo de escritores face à dimensão populacional é curto. Angola neste momento deve estar com cerca de 18 a 20 milhões de habitantes.  Vamos admitir que sejam 200 [escritores], oficialmente. É pouco. 200 escritores para 20 milhões é pouco.

Não podemos mandar para a faculdade e desejar que sejam escritores. Não podemos controlar, mas podemos favorecer as condições para que apareçam, não é? As pessoas vivem em condições que não permite sonhar com o ser escritor. Neste momento, a juventude sonha com ser desportista ou cantor. E porquê? Porque são duas coisas que resolvem o problema das pessoas pela via do dinheiro, pela via da fama, pela via do encosto -encosto-me a este, encosto-me àquele. Escritor, algumas pessoas querem ser, pelo prestígio, mas não é uma carreira promissora.
Então não há uma crise de identidade em Angola?
Não, eu acho que não. De um modo de um geral, os angolanos sabem muito bem o que são; alguns estão equivocados, como noutras culturas. 
Eu prefiro pôr em questão e prefiro pensar sempre que não é possível falar em identidade angolana enquanto conceito fechado e que é bom que esse conceito seja arejado e que possamos reconstruir todos os anos, todas as décadas. Se há pessoas que estão convencidas que sabem exactamente o que é a identidade angolana...bom...essas pessoas têm o seu caminho a fazer.
Em “Os da minha rua“ usaste muitas memórias de infância?
Sim, sim…
E em “Os Transparentes”?
Quase nada.
Há pessoas que são baseadas em pessoas que conheço.
Essas histórias não são minhas; toda a gente conhece essas histórias. O meu trabalho é agrupar essas histórias e, claro, dar-lhe um traço de escrita, que é meu. Toda a gente em Luanda sabe daquelas histórias. Toda a gente.

Existem características tuas espalhadas pelas personagens, presentes principalmente em Odonato? Lembro-me do idealismo de Odonato e da frase que disseste na entrega do prémio Saramago “Na palavra cantil guardo a utopia, para que durante a vida eu possa não morrer de sede”; lembro-me também de PauloPausado e a sua mania em coleccionar pessoas estranhas e ouvir conversas…
Há coisas nossas que no momento certo precisamos de usar. Não é “agora vou fazer isto baseado em mim”, mas naturalmente uma ou outra coisa deve saltar; um ou outro personagem deverá falar-nos mais ao coração do que outros. Certamente não me identifico, como pessoa, com o ministro. Também não sei se com o Odonato...Eu conheço pessoas assim que acreditaram numa certa esquerda, a dada altura, e que são de esquerda ao contrário de outros que não sabem bem o que é; tanto não sabiam o que eram como ainda hoje não sabem. E tanto lhes faz. Eram hiper-comunistas, hiper-marxistas/leninistas, mas mal o sistema mudou foram se casar na Igreja. Eu não tenho nada contra uma pessoa que se case na igreja!

Não é como a esquerda italiana que tem a esquerda italiana católica. Em Angola, quando tu eras Marxista-Leninista, em princípio, não eras católico, mas até podia ser que se fosse, pois a pessoa estava escondida. Mas aqueles que diziam abertamente que não eram depois vão se casar pela igreja e depois têm 4 Mercedes em casa, no quintal! Esses que se diziam de extrema-esquerda, hiper-colectivistas e Marxistas-Leninistas! 4 Mercedes… acho que alguma coisa aqui não está bem. 

Odonato representa um bocadinho isso. Acho que o Odonato às vezes ainda diz isto: “Eu acreditei naquilo que me disseram; que era para todos, que era para dividir”. E de repente vê que não é nada disto. Isto é uma desilusão não só política como humana. Ele está todo destroçado. Ele não come, o filho desapareceu. Coitado! Também dei-lhe uma conjuntura não muito fácil. Ele tinha que ficar transparente, pois já não aguenta. Ele desaparece de si mesmo! É esta transparência.
Ele tem essa pureza, essa ingenuidade...
Sim, sim… eu achei-o excessivamente puro, no aspecto literário. Aquela pessoa não existe. Não pode existir. Na verdade, era eu que precisava dele para contar uma história e pu-lo assim. Acho que ele não existe.
E o filho Ciente? É um personagem simbólico? Não lhe deste esperança nenhuma. Ele não teve saída.
Não, não… Ele já estava condenado à partida. Na realidade, ele ajudou-me imenso para o pai ficar mais desesperado, ir à procura dele. O Odonato é um frustrado, de buscas frustradas, e tem um filho assim. O filho, não. O outro personagem, amigo do filho, que é um ladrão e que se chama ZéMesmo, é muito mais uma brincadeira simbólica do que o Ciente. O Ciente, simplesmente, ajuda o personagem do pai a dizer certas coisas e a fazer certas coisas.
E qual é o simbolismo de ZéMesmo?
Daqui a uns anos as pessoas vão perceber. [risos]
As personagens são adjectivadas com alcunhas que demonstram traços físicos ou de personalidade. Porquê esta manipulação lexical/semântica? 
Isso começou com “O Assobiador”, que é um livro já antigo, e achei interessante. Eu queria um livro em minúsculas porque dão uma certa fluidez no discurso e, ao mesmo tempo, uma certa confusão, que é Luanda. Então não me interessava muito estar preocupado com os pontos e os parágrafos, nem me interessava se a pessoa parava de ler, ou onde parava. Era isto. Essa estrutura gráfica era muito mais até para criar nos nomes uma coesão, pois não é preciso estar a separar e faz-me confusão. Gosto muito de ver os nomes todos juntos: HospitalMilitar, RádioNacional. É o fluxo de Luanda que não pára, ou pára com aquelas divisórias de capítulos que são pausas, na realidade.
No cinema [Os Transparentes], as imagens são dadas, mas os sons são feitos pelas pessoas. Qual o significado da parábola do cinema? 
Não sei se tem um significado. Era muito mais um sonho. Acho isso muito bonito. Porquê? Porque no teatro, que é uma arte muito mais humana na hora de ver- no cinema está lá uma tela fria, a gente olha e vê- temos tudo ali: 
A voz, a respiração, a falha, o suor do actor. 
E eu pensei que aquilo era uma maneira de inventar uma interacção que o cinema não tem. Tu tiras o som, ou o JoãoDevagar [tira o som], e dizes: “Não, não, não… Aqui, neste cinema, cada um vai fazer o som”. Apelar às pessoas a participarem nesse filme. Claro que pode ser o filme da vida, o filme da cidade. No meu caso, ele ainda faz uma coisa “pior”; depois põe um filme pornográfico, à noite. Mesmo no filme pornográfico as pessoas é que fazem os sons. Tu podes optar por fazer o som do filme pornográfico, mas também podes optar por outra coisa, ou seja tu interferes no filme, usas a imagem, mas interferes. E esse é o poder de criação de cada um. Nós podemos interferir mesmo naquilo que aparentemente já está destinado para ser assim.
O som parece-me ser muito importante na tua prosa: jazz, o cinema, a situação (pág. 214) em que o carteiro fica “a ouvir a orquestra de sons brandos que o prédio lhe trazia”. O que pensas que a mistura de línguas e dialectos traz à tua literatura? Dedicas especial atenção na construção dessa melodia?Não, à melodia propriamente não diria. Os projectos, às vezes, conseguem dizer-me que ritmo é que terão; ou seja, “O Assobiador”, como é muito mais lírico, muito mais calmo, muito mais delicado, tem um tipo de linguagem. O Madrugadas [Quantas madrugadas tem a noite], que já é de uma Luanda muito mais dura e rústica, tem outro tipo. E isto varia um pouco porque há zonas ligeiramente poéticas e há zonas mais duras. Por exemplo, o livro tem diálogos muito longos, de 4 ou 5 páginas, que é o que os luandeses fazem muito. É obrigatório falar, não podemos estar calados mesmo que não tenhamos nada para dizer. Às vezes as pessoas diziam-me “Este diálogo está um bocado extenso”; eu dizia “Desculpa lá, mas é mesmo assim. Não é para ser uma perfeição literária; isto aqui é para reflectir um bocado sobre o que se está a viver em Luanda”. Tive essa delicadeza- claro que não é fácil - em tentar dizer “Aqui fala-se à toa. Aqui fala-se por falar”, por um lado. Por outro, é uma homenagem às pessoas que estão sempre a criar! O diálogo é o teatro que os luandeses fazem todos os dias! Esse teatro acontece muito por via do diálogo. Tu vês em qualquer conversa que a pessoa tem necessidade de criar a palavra ou a acção. Ele está a contar-te uma coisa que não aconteceu. Parece uma obrigação. Isso eu acho muito interessante! 

Uma pessoa chega atrasada e conta-te uma história. Bom, está bem. É para se justificar. Mas é que não é só para se justificar! É porque ela acha mais interessante estar aqui cinco minutos contigo a inventar-te uma história do que simplesmente dizer-te a verdade, mas não é para se desculpar do atraso! É óbvio que chegou atrasada! Não! É porque já agora tem a oportunidade de te contar uma história inventada ou adaptada! Eu acho fantástico que as pessoas tenham a necessidade de teatralizar a própria realidade! O que os psicólogos dizem acerca disso? Podem dizer muita coisa por que o povo está sempre com necessidade aquilo que vive… Acho que isso pode dizer muito, não é? Quer efabular ou não está muito satisfeito com aquilo que vê. Ou os dois.
Esse “contar histórias”, essa oralidade ainda é base da passagem cultural?
Nas cidades, eu não sinto. Evidentemente que há espaços rurais que, felizmente, estão protegidos dessa invasão do ritmo tanto do tempo quanto do dinheiro. Ainda tem comunidades rurais- as chamadas comunidades étnicas- que preservam as suas tradições de maneira interessante: as festas da circuncisão, o modo como é pedido o casamento, o modo como os enterros são feitos, os cânticos para a colheita, os cânticos para apelar à chuva. Isso existe. 
Agora vivo no Rio, mas sou de Luanda, e não tenho acesso às histórias ditas tradicionais.
Eu gosto que essas histórias sejam contadas por pessoas que as conhecem bem porque se não cai-se no exotismo literário e eu não tenho paciência nenhuma para isso.
O que achas que se perde ou que se ganha na passagem dessa oralidade para a escrita?
S
ão universos que às vezes se encontram, mas são universos diferentes. Há histórias que foram feitas, e ainda são usadas há milhares de anos, para serem contadas oralmente. O aproveitamento que podemos fazer dessas histórias, dando-lhes um tratamento literário, é outro caminho. Vale a pena? Vale, se o escritor for bom vale a pena, mas é preciso não esquecer que há histórias que fazem e farão parte da tradição oral. Talvez morram porque as comunidades rurais e o espaço rural do mundo está a terminar.
Foste para o Rio de Janeiro há quanto tempo?
Estou lá há 6 anos.
A passagem do interior para o exterior mudou a tua visão?
Deve ter mudado. Há até o efeito da distância, o efeito da saudade, que nos torna mais críticos ou nos torna mais brandos. Eu procuro ficar numa linha divisória entre a procura da clareza da distância sem querer a frieza do desconhecimento, de não estar lá. Não quero essa frieza. Não quero-me armar em que sou o maior crítico agora que não estou lá. É muita delicada a fronteira entre: critico, porque acho que tenho de criticar, mas eu não estou lá então que direito tenho em criticar?
É uma dúvida que me assombra todos os dias.

LUANDA: Ministro do interior defende a corrupção

Ministro do Interior Defende a Corrupção
Por Alfredo Muvuma 
Fonte: Maka Angola
Divulgação: Planalto De Malanje Rio Capôpa
11 de Março, 2014
Após receber relatório que denuncia rede de corrupção no Serviço de Migração e Estrangeiros (SME), com emissão ilegal de vistos no valor de mais de US $90 milhões, de que nada reverteu para os cofres do Estado, o ministro do Interior, Ângelo de Barros Veiga Tavares, sentencia os responsáveis com penas disciplinares. O director nacional e o director adjunto do SME, assim como outros elementos-chave do esquema de corrupção, mantêm-se em funções, e não foi por ora instaurado qualquer processo de acção judicial.
 
Rede de Corrupção
 
Uma inspecção realizada pelo Ministério do Interior, iniciada a 6 de Novembro passado, concluiu que uma rede de 14 elementos, liderada por José Paulino da Silva, emitiu ilegalmente mais de 14 mil vistos de trabalho em apenas um ano. A rede tem cobrado entre US $5,000 e US $15,000 por cada visto emitido, segundo a inspecção. O esquema de corrupção, já antes descrito no Maka Angola, terá rendido, em estimativas conservadoras, mais de US $90 milhões, para enriquecimento ilícito da rede e associados.

A inspecção detectou ainda a emissão ilegal, entre Outubro de 2012 a Outubro de 2013, de 391 autorizações de residência, “com predominância para as nacionalidades portuguesa, 181, e brasileira, 34. O relatório indica que, para o mesmo período, o SME reportou ao ministério de tutela a emissão de 686 autorizações de residência.

Por outro lado, os inspectores constataram que “o Departamento de Controlo de Refugiados (DCR) “tem estado a emitir recibos válidos por um período de 180 dias, prorrogáveis sucessivamente, a favor de estrangeiros ilegais como se requerentes de asilo se tratassem…”. Para o efeito, os estrangeiros ilegais têm pago entre 30,000 kwanzas e 100,000 kwanzas (US $300 a US $1,000). Como evidência, os inspectores notaram que, no dia 5 de Novembro de 2013, fucionários do DCR inseriram, de forma irregular, no sistema informático, os nomes “de cento e trinta e dois (132) supostos requerentes de asilo de diversas nacionalidades, com incidência para Guineense-Conakry”.

Corruptos e Sanções Aplicadas

O ministro do Interior, Ângelo de Barros Veiga Tavares, aplicou, a 11 de Fevereiro passado, uma estranha multa de 45 dias, sem valor pecuniário estabelecido, ao director nacional do Serviço de Migração e Estrangeiros (SME), José Paulino da Silva, por crimes de emissão ilegal de vistos de trabalho. Segundo o despacho do ministro (01519/GAB.DIR.MININT/2014), é-lhe aplicada a “pena disciplinar de multa pelo facto de, entre outras irregularidades, ter autorizado a emissão de vistos de trabalho sem a anuência do ministro do Interior, e de não ter fiscalizado os actos irregulares de inserção de processos incompletos no sistema virtual praticados pelos seus funcionários”.

O director nacional adjunto do SME, Eduardo de Sousa Santos, foi sancionado com a “pena disciplinar de censura registada pelo facto de ter autorizado a emissão de vistos de trabalho sem a competente anuência do ministro do Interior e de não ter observado as normas legais para a emissão de passaportes para estrangeiros”.
 
Foi esta a forma que o ministro considerou adequada para penalizar os dois altos funcionários, que foram “autores directos e activos das irregularidades detectadas na inserção de processos no sistema virtual e consequente emissão de vistos de trabalho sem a observância das normas legais”.
 
O chefe do Departamento de Estrangeiros do SME, Gilberto Teixeira Manuel, foi despromovido por um período de 18 meses. O ministro não especifica se se trata de despromoção de patente ou de cargo. Todavia, o Maka Angola apurou que o referido funcionário se mantém em funções com a mesma patente.
 
Por sua vez, o chefe do Departamento de Documentação, Registo e Arquivo, Teixeira da Silva Adão, recebeu apenas 90 dias de despromoção. De igual modo, o ministro não especifica os termos da despromoção, e o prevaricador mantém-se em funções.
 
A “admoestação verbal” do ministro serviu como sanção para 13 funcionários que participaram “na tramitação e inserção de processos irregulares no sistema virtual e consequentemente na emissão de vistos de trabalho sem a observância de requisitos legais para o efeito, independentemente de terem sido orientados pelos seus superiores hierárquicos”.
 
Entre estes funcionários encontram-se os chefes das repartições de Vistos de Trabalho e Administrativa, respectivamente Simão José N’gola e Cordeiro João. Também constam os coordenadores da Sala de Emissão de Vistos de Trabalho, Gaspar José Alexandre, e da Repartição de Expediente Migratório, Flávia Conceição Dias Vigário. As secretárias do director nacional do SME e do seu adjunto, nomeadamente Teresa Ermelinda Furtado Pires e Emanuela André João Luís Sebastião, também estão entre os sancionados com o ralhete do ministro. A lista inclui ainda os assistentes do director nacional do SME e do seu adjunto, Francisco José Carlos Aleixo.
 
Por que não se instaurou um procedimento judicial?

O relatório de inspecção, certificado pelo ministro, é claro em afirmar sobre a ilegalidade dos actos praticados pelos referidos funcionários.
Segundo o documento:
“Existem irregularidades no domínio da recepção, tramitação, concessão e entrega de vistos de trabalho, em violação das disposições legais contidas no nº 1 do Art.º 51º da Lei nº 2/07 de 31 de Agosto, sobre o Regime Jurídico dos Estrangeiros na República de Angola, que estabelece que o visto de trabalho é concedido pelas missões diplomáticas e consulares angolanas.
 
A inspecção detectou ainda a emissão ilegal, entre Outubro de 2012 a Outubro de 2013, de 391 autorizações de residência, “com predominância para as nacionalidades portuguesa, 181, e brasileira, 34. O relatório indica ainda que, para o mesmo período, o SME reportou, ao ministério de tutela, a emissão de 686 autorizações de residência.
Por outro lado, os inspectores constataram que “o Departamento de Controlo de Refugiados (DCR) “tem estado a emitir recibos válidos por um período de 180 dias, prorrogáveis sucessivamente, a favor de estrangeiros ilegais como se requerentes de asilo se tratassem…”. Para o efeito os estrangeiros ilegais têm pago entre 30,000 kwanzas e 100,000 kwanzas (US $300 a US $1,000). Como evidência, os inspectores notaram que, no dia 5 de Novembro de 2013, fucionários do DCR inseriram, de forma irregular, no sistema informático, os nomes “de cento e trinta e dois (132) suspostos requerentes de asilo de diversas nacionalidades, com incidência para Guineense-Conakry”.
 
Consultado pelo Maka Angola, o advogado Afonso Mbinda, considera que o esquema de corrupção da direcção nacional do SME “põe em perigo a segurança interna do Estado e a soberania nacional”.
 
“O ministro do Interior não deve fazer vista grossa ou pretender abafar o escândalo, porque há matéria de crime”, diz Afonso Mbinda.
 
Para o advogado, o ministro deveria ter solicitado, de imediato, a instrução de procedimento criminal contra esses funcionários, junto dos órgãos competentes de justiça, como a Procuradoria-Geral da República. E questiona: “Estaria o senhor ministro a compactuar com os actos praticados pelos seus funcionários?”.
 
Afonso Mbinda afirma ainda que a decisão de aplicar multa ao director nacional do SME, tomada pelo ministro, é ilegal: “Nos actos administrativos, quem aplica a multa é o tribunal.” Ao determinar sentença, o ministro Veiga Tavares pode “estar a fazer justiça por mãos próprias e a cometer o crime de abuso de autoridade”, conclui.
 
Da Boca para Fora
 
A 30 de Dezembro passado, na cerimónia de cumprimentos de fim de ano, o ministro do Interior prometeu combater a corrupção no SME. Nessa ocasião, o ministro confirmou que, apesar da inspecção por si ordenada, “continuam a registar-se irregularidades no tratamento de actos migratórios, particularmente em relação a vistos de trabalho e cartões de residente”.
Numa analogia com as regras do futebol, o ministro referiu que “alguns (quadros) já estão com acumulação de cartões amarelos e outros a trabalhar lesionados, o que certamente recomendará algumas alterações no plantel para melhor responder às exigências do momento e mostrar o vermelho directo àqueles que cometerem faltas graves…”.
 
Porém, mesmo antes da cerimónia, Ângelo Veiga Tavares tinha já em sua posse, desde o dia 4 de Dezembro, o relatório elaborado pelo Gabinete de Inspecção do Ministério do Interior sobre o SME.
 
O relatório detalha actos de corrupção, insubordinação, má gestão de fundos e incompetência da direcção nacional do SME.
 
Apesar da abundância de provas e evidências, o ministro do Interior praticamente renovou o voto de confiança na direcção do SME. A promessa de amostragem de cartões vermelhos não passou de uma imitação do discurso do presidente José Eduardo dos Santos, em 2009, sobre a então nova política do governo de tolerância zero contra a corrupção.
 
De então para cá, a grande corrupção tem sido a força motriz da actuação dos governantes e o factor de unidade e coesão entre dirigentes, que se protegem uns aos outros no saque dos recursos do país.

terça-feira, 11 de março de 2014

SÃO PAULO: Barbie humana ucraniana

A Barbie ucraniana

Valeria Lukyanova não fala de política, teve barraco com o Ken e sua meta é viver de luz

Fonte: Estadão
Divulgação: Planalto De Malanje Rio Capôpa
11.03.2014
Valeria Lukyanova não fala de política, teve barraco com o Ken e sua meta é viver de luz (© Divulgação)
A carreira de Valeria Lukyanova segue numa direção oposta à de Pinóquio. Enquanto o desafio do boneco de Gepeto era se tornar um menino de verdade, o sonho de consumo dessa ucraniana de 23 anos é virar uma Barbie humana.
A avaliar pelo aspecto, ela já tem meio caminho andado. Com 1,63 m, pesa 46 kg e pavoneia uma cintura de 50 cm. A cada segundo, Valeria fica mais parecida com a boneca da Mattel. Ela jura que não fez tantas plásticas quanto Frankenstein – foi só um mísero implante de silicone nos seios. O segredo são umas toneladazinhas de maquiagem diária, lentes de contato turquesa e malhação a granel.
Mas Valeria não quer se confundida com uma loira fútil e burra. Ok, ela concorda com Oscar Wilde, para quem “somente as pessoas superficiais não julgam pelas aparências”. Contudo, se Valeria é a cara da Barbie, não brinca em serviço: a primazia dela é a beleza interior. “A personalidade é mais importante que estrear um casaco de peles ou comprar um carro”, pontifica.
Certo, ela assume que gasta parte da rotina se embonecando (literalmente). Mas nada de exageros: são só 90 minutos por dia para ficar com aquele cabelo cor de champanhe, a pele de cetim e a boca de botãozinho de rosa. “Não acredito em planificação, pois sou uma criativa e deixo rolar. Não escolhi a imagem de Barbie. Claro que me agrada quando apontam as semelhanças.” E ainda dizem que não há coincidências.
Quando Valeria despontou no cenário mundial, teve gente que duvidou até de sua existência tridimensional. Isso apesar do milhão de seguidores que angariou no Facebook e das legiões de visitantes de seus vídeos no YouTube. Daí surgiu o convite para um pulinho a Nova York, para tirar a prova dos nove em programas de TV.
Valeria foi de mala e cuia, nem desconfiando o que os anfitriões haviam descolado para ela: nem mais nem menos que sua alma gêmea, um Ken de carne e osso. Ou seja, o americano Justin Jedlica, que aos 32 anos já torrou US$ 250 mil (cerca de R$ 580 mil) para se transfigurar em avatar humano do boneco topetudo de malares salientes.
Pena que o encontro tenha terminado em barraco. Justin resmungou que Valeria era “uma fraude”, pois se limitava a se vestir e a se maquiar como a Barbie, e mais parecia uma drag queen. Ao passo que ele já fez quase cem cirurgias plásticas e tem botox e silicone espalhados por cada poro do corpo. E acrescentou: “Vou continuar aperfeiçoando meu visual. Não fico por aqui. Seria como pedir a Picasso para parar de pintar”.
Valeria respondeu com luva de pelica: “Nunca escondi que só fiz uma plástica. Justin é bonito, mas acho que no enchimento dos lábios ele surtou um pouquinho”.
Parece incrível, o visual não é a coisa mais estrambólica na ucraniana. Além de modelo, é professora de meditação e viagens. Mas não das viagens manjadas que as agências de turismo apregoam, e sim de jornadas transcendentais no tempo e no espaço. “Já visitei outros planetas e universos, e o passado e o futuro.” E aí começa a cair a ficha: obviamente, Valeria é uma alienígena – embora não necessariamente lunática.
Com ela, as coisas vão ficando sempre cada vez mais estarrecedoras. Como se não bastasse se intitular um ET clone da Barbie, recentemente deu outra pirueta extravagante – e, dessa vez, perigosa. Muito perigosa.
Essa semana, anunciou sua adesão ao respiracionismo, culto que preconiza a sobrevivência humana sem alimentos nem água, apenas através de ar e luz. O ascetismo vai a ponto de os fiéis usarem uma máscara na boca para evitar a ingestão involuntária de germes (não para protegerem a eles, mas os germes). O líder do respiracionismo é o guru Prahlad Jani. Aos 82 anos, garante que passou os últimos 74 sem comer nem beber. Outra ideóloga respiracionista, a australiana Ellen Greve, vai mais longe: até engolir saliva é um pecado abominável. Glup!
Com sua cintura de vespa, cabeleira platinada e olhar vítreo, a Barbie humana sugere mais do que o enésimo sucedâneo do narcisismo contemporâneo. Transparece nela uma síntese icônica do mal-estar das sociedades pós-comunistas, que saíram do totalitarismo para caírem numa espécie de limbo social, morbidamente fascinadas com a cultura pop americana.
Valeria mora em Odessa, Ucrânia, que já foi o mais importante porto comercial da União Soviética e uma relevante base naval. Foi lá que Pushkin, o poeta nacional russo, viveu exilado. E também lá foi rodada uma das cenas mais marcantes da história do cinema, no Encouraçado Potemkin, de Sergei Eisenstein. É a lendária sequência das escadarias, onde marinheiros revoltosos e civis inocentes são massacrados pela guarda do czar. Neste momento, o simbolismo não podia ser mais sensível.
Mas não adianta o Estado cutucar a crise Ucrânia/Rússia: Valeria não fala de política (Caetano Veloso tem muito que aprender com a Barbie humana). Prefere anunciar as novas metas da carreira. Escrever um livro? Plantar uma árvore? Ter um filho? Frio, frio. Até porque já escreveu um livro, sobre seus rolezinhos fora do corpo. A prioridade dela agora é a música, como cantora de um treco que define como “ópera new age”. Já tem “mais de cem” canções compostas.
Assim, Valeria pretende demonstrar que, apesar da aparência de boneca loira e da dieta radical de faquir, não é uma bobinha de miolo mole. Pastel de vento, sim. Cabeça de vento, jamais!
* PAULO NOGUEIRA, ESCRITOR E JORNALISTA, É AUTOR DE O AMOR É UM LUGAR COMUM (INTERMEIOS)
Valeria Lukyanova quer se tornar boneca humana com quilos de maquiagem e lentes de contato - 1 (© Facebook Divulgação)
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LUANDA: Julgamento dos suspeitos no caso Cassule e Kamulingue ainda está longe

Luanda: Julgamento dos suspeitos no caso Cassule/ Kamulingue ainda está longe

Procuradoria disse que o caso já foi entregue a um tribunal.
Kamulingue e Cassule
Kamulingue e CassuleFonte: VOADivulgação: Planalto De Malanje Rio Capôpa

TAMANHO DAS LETRAS
 
O advogado David Mendes, líder da Associação Mãos Livres, diz ser muito cedo para se falar em julgamento do processo que envolve nove suspeitos da morte dos activistas Isaías Cassule e Alves Kamulingue em Maio de 2012.

Mendes reagia à declaração da Procuradoria segundo a qual já terminram as investigações sobre o caso tendo o processo já sido entregue a um tribunal.

Em declarações à Voz da América, David Mendes disse que há muitos procedimentos a serem cumpridos antes do processo ir a tribunal. O causídico angolano não revelou a identidade dos nove cidadãos suspeitos.

“O procurador junto do Tribunal provincial vai fazer a acusação e só depois da acusação do Ministério Público é que é aberta a instrução contraditória e só depois do despacho de pronúncia”, disse.

A Procuradoria Geral da República, num comunicado, lido no principal serviço de notícias esclareceu, na última semana, que o processo-crime instruído pela Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP), foi remetido ao Tribunal Provincial de Luanda já no passado dia 31 de Janeiro.

O anúncio foi feito poucos dias depois dos familiares dos activistas Alves Kamulingue e Isaías Cassule se terem queixado mais uma vez de não estarem a ser informados do andamento do processo.

Alves Kamulingue e Isaías Cassule foram raptados na via pública, em Luanda, nos dias 27 e 29 de Maio de 2012, quando tentavam organizar uma manifestação de veteranos e desmobilizados contra o Governo do Presidente José Eduardo dos Santos.

Em Novembro do ano passado,  o Procurador-Geral Adjunto da República, Beato Paulo, identificou os cidadãos, Júnior Maurício, Francisco Pimentel Daniel, Augusto Mota e João Fragoso, que pertencem à Polícia Nacional e aos Serviços de Informação e Segurança (SINSE), como sendo os suspeitos de assassinato dos activistas Isaías Cassule e António Alves Kamulingue.

Na altura, Beato Paulo tinha  garantido que quando fossem concluídos todos os exames periciais, relatórios e outros elementos necessários, o processo seria remetido ao Tribunal Provincial de Luanda.