A Entidade da Concorrência, conforme declarações da empresária, registou o seguinte:
“Na banca, detém uma participação de [<50]% no Banco BIC Angola (através da [CONFIDENCIAL - segredo de negócio relativo à estrutura de participações], detida por si a 100%) e, através da [CONFIDENCIAL - segredo de negócio relativo à estrutura de participações] detém uma participação de [<50]% no BFA – Banco de Fomento de Angola, em que o Banco BPI detém 50,1% do capital”.
As informações foram prestadas no âmbito do negócio de fusão entre a Zon Multimédia, detida maioritariamente por Isabel dos Santos, de um lado, e a Sonaecom, do bilionário português Belmiro de Azevedo, do outro.
Como adiante se verificará, em ambos os casos, as entidades reguladoras portuguesas, incluindo a CMVM (Comissão de Mercado de Valores Mobiliários), caucionam a prestação de falsas informações por parte dos bancos, parcialmente detidos por entidades portuguesas, acerca das suas estruturas accionistas.
BFA
A 12 de Setembro de 2008, o Banco Português de Investimentos (BPI) revelou à CMVM o memorando de entendimento que subscrevera com a Unitel, “com vista à constituição de uma parceria estratégica em Angola, através da venda de 49.9 por cento do capital do Banco de Fomento de Angola (BFA) à Unitel”.
O BPI, enquanto accionista único do BFA, estabeleceu como valor de venda da referida participação um total de US $475 milhões (338 milhões de euros).
De acordo com o banco, “esta parceria representa a criação de uma base de colaboração entre o BPI e a maior empresa privada angolana, de elevado valor acrescentado para as entidades envolvidas e para a economia angolana em geral”.
No documento, o BPI afirmou, na altura, que a operação estava sujeita “à obtenção de autorizações das autoridades competentes”. O mesmo documento discriminou os sócios da Unitel como sendo a “Mercury, subsidiária da Sonangol (25%); GENI (25%); Vidatel (25%); Portugal Telecom (25%)”.
O negócio foi concluído em Dezembro do mesmo ano. Desde então, o BFA mantém nos seus relatórios e contas, bem como no seu portal, que o Banco Português de Investimentos (BPI) detém 50.1 por cento das suas acções, enquanto 49.9 por cento das acções cabem à Unitel S.A.
A Entidade da Concorrência portuguesa omitiu o total de acções detido por Isabel dos Santos na Unitel, referindo apenas que é uma “participação direta de [...]% e indireta de [...]% (por via da [CONFIDENCIAL - segredo de negócio relativo à estrutura de participações]) (…)”.
Meses antes, a 21 de Janeiro de 2013, no documento de aprovação de novos membros do Conselho de Administração da Zon Multimedia, do qual Isabel dos Santos faz parte, a empresária anunciou ser detentora de 25 por cento das acções da Unitel, informação que se mantém. O mesmo documento foi enviado à CMVM.
O Estado angolano, através da Sonangol, detém 25 por cento das acções da Unitel. Quando e em que circunstância a filha do presidente abocanhou, através da Unitel, a participação correspondente do Estado no BFA não é um mistério. A diferença entre o que pertence ao Estado e o que pertence à família presidencial é cada vez mais clara: o que pertence ao Estado pertence ou pode pertencer, a qualquer altura, à família presidencial. O que pertence à família presidencial é propriedade privada do clã Dos Santos.
É através dessa lógica de promiscuidade entre o público e o privado que, inicialmente, havia sido acordada e anunciada a venda das acções do BFA à Sonangol.
A usurpação das acções da Sonangol pela Unitel constitui um acto de flagrante violação da Lei da Probidade por parte de Isabel dos Santos e mais um acto de corrupção apadrinhado pelo seu pai, o presidente da República.
Enquanto empresa participada pelo Estado, através da Sonangol, os gestores e responsáveis da Unitel sujeitam-se também à Lei da Probidade. De acordo com a lei (Art. 15.º, 1.º, I), são considerados agentes públicos os gestores, os responsáveis e os funcionários das empresas participadas pelo Estado.
Isabel dos Santos assumiu as funções de vice-presidente do BFA, em representação da Unitel e, consequentemente, do Estado.
Por essa razão, ao integrar, de forma ilícita, as acções do Estado no seu património privado, Isabel dos Santos está na verdade a cometer o acto de enriquecimento ilícito previsto e punido pela Lei da Probidade (Art. 25º, 1., j) como crime de corrupção.
BIC
No princípio do mês, a imprensa portuguesa noticiou as negociações em curso entre Isabel dos Santos e Américo Amorim para que este venda à primeira os 25 por cento que detém no Banco BIC. A concretização do negócio, segundo a imprensa, garantirá a Isabel dos Santos o controlo de metade do capital do banco.
A julgar pelas declarações da própria Isabel dos Santos, confirmadas por parte da Entidade da Concorrência, a empresária angolana passará a controlar 75 por cento do capital do banco, quer em Angola quer na sucursal portuguesa. O documento da EC, importa reiterar, afirma que Isabel dos Santos “detém uma participação de [<50]% no Banco BIC Angola (através da [CONFIDENCIAL - segredo de negócio relativo à estrutura de participações], detida por si a 100%)”.
Maka Angola apurou que o veículo de investimento de Isabel dos Santos no BIC é a Sociedade de Participações Financeiras, detida por si a 100 por cento.
Oficialmente, o banco tem apresentado a seguinte estrutura accionista: Isabel dos Santos e Américo Amorim detêm 25 por cento do capital social cada um. Segue-se o presidente do conselho de administração do banco, Fernando Teles, com 20 por cento. O grupo brasileiro Ruagest tem 10 por cento. Por sua vez, Sebastião Lavrador, antigo governador do Banco Nacional de Angola e amigo do presidente, bem como os empresários Luís Santos (Soclima) e Manuel Pinheiro Fernandes (Grupo Martal), detêm cada um 5 por cento das acções do banco. O Banco BIC Portugal tem, também, formalmente, a mesma estrutura accionista que o Banco BIC Angola.
Tendo o banco uma quota máxima de 100 por cento, distribuída pelos sócios conforme a descrição acima, há duas hipóteses para explicar os 50 por cento de Isabel dos Santos declarados à Entidade da Concorrência. Primeiro, Isabel dos Santos poderá estar a usar alguns dos sócios, excepto Américo Amorim, apenas como figuras de palha na tutela de mais 25 por cento das acções, que na verdade lhe pertencem. Na segunda hipótese, a Autoridade da Concorrência pode ter-se enganado nos números e prefere manter-se no erro.
Ambas as hipóteses revelam ou a cumplicidade das autoridades portuguesas ou uma desatenção permanente para com a falsidade das estruturas accionistas quer do BIC quer do BFA.
A impunidade de que Isabel dos Santos goza em Angola, por via do poder absoluto e arbitrário do seu pai, o presidente da República, dispensa comentários sobre a ilicitude dos seus actos. A sua vontade é lei e as instituições do Estado sujeitam-se.
Outro exemplo da impunidade de que Isabel dos Santos goza é o facto de acumular funções de responsabilidade em dois bancos rivais. Segundo a Lei das Instituições Financeiras, “os membros dos órgãos de administração das instituições financeiras bancárias não podem, cumulativamente, exercer cargos de gestão ou desempenhar quaisquer funções em outras instituições financeiras bancárias ou não bancárias”.
Isabel dos Santos é cumulativamente vice-presidente do BFA e administradora do BIC. Não parece necessário acrescentar mais nada.
Maka Angola