Fonte: Makaangola/Rui Verde, doutor em Direito07 de Fevereiro de 2016
O réu Benedito Jeremias, de pé, protesta contra a brincadeira de julgamento no seu uniforme prisional.
No final de Dezembro de 2015, quando a temperatura estava quente e o descrédito das instituições angolanas era notícia por todo o mundo devido à farsa judicial em que se tinha transformado o julgamento dos 15+2, este foi oportunamente adiado para Janeiro, criando uma descompressão significativa. O regime suspirou de alívio. Os media mundiais foram espreitar outras novas crises e actos repressão noutros locais do planeta. Luaty Beirão e os companheiros começaram a ser esquecidos.
Em Janeiro recomeçou o julgamento. Mas na verdade não recomeçou: as sessões têm sido sistematicamente adiadas por falta de comparência dos declarantes que fazem parte do imaginário governo de salvação nacional, criado no Facebook, por uma brincadeira do advogado Albano Pedro e seus seguidores na referida rede social. Apenas um dos 53 apareceu.
O próprio Albano Pedro, que na lista aparece com o cargo de presidente da Assembleia Nacional, nunca foi chamado para depor durante a instrução processual. Caso contrário, teria esclarecido a sua brincadeira. Mas o regime precisava disso para mentir, para construir a sua teoria de conspiração, para criar medo, para ameaçar e para mostrar que tem serviços de segurança, de investigação e uma procuradoria-geral competentes. Realmente, é preciso mentor com grande competência para provar que uma brincadeira alheia é um plano de golpe de Estado de outrem.
Escusado será dizer que o Meritíssimo Juiz tem poderes no Código de Processo Penal para não permitir esta brincadeira de marcações sucessivas e adiamento de audiências. Mais do que isso, tem o dever de evitar estes acontecimentos, uma vez que, para todos os efeitos, os 15 continuam presos (prisão domiciliária é prisão). O processo é urgente e tem de ser encarado dessa forma.
Não se pode andar a adiar sessões de julgamento como se se estivesse perante um caso de furto de múcuas. Está-se perante um caso que tem 15 pessoas detidas!
Vejamos. Já em 2016, o julgamento começou por ser suspenso a 12 de Janeiro, por falta de comparência das testemunhas.
Os 15 dias de suspensão serviriam para que o tribunal de Luanda procedesse a nova notificação das testemunhas. Chega-se a 25 de Janeiro e o julgamento é novamente adiado para 8 de Fevereiro.
Se não aparecessem 20 ou 30 das 50 testemunhas, seria natural. Ouviam-se umas, esperava-se por outras. Não aparecer nenhuma é estranho. Terão sido notificadas? Por que meios foram notificadas?
Há realmente prova que as notificações das testemunhas foram enviadas e recebidas? Ou foram enviadas para moradas inexistentes? Ou desviadas pelos correios ou alguma mão invisível interessada no atraso do julgamento?
No governo fictício do Facebook, que o regime procura desesperadamente usar como prova das intenções golpistas dos jovens, há vários deputados reais que podem ser directamente notificados na Assembleia Nacional. São os casos dos deputados do MPLA, Aníbal Rocha (ministro da Construção e Obras Públicas); da UNITA, Mihaela Webba (vice-presidente da República), Abílio Camalata Numa (ministro da Defesa), Fernando Heitor (ministro do Interior), Liberty Chiaka (secretário de Estado para a Comunicação).
Há ainda jornalistas conhecidos, como William Tonet (presidente do Tribunal Supremo Militar), Carlos Rosado de Carvalho (ministro da Economia), Reginaldo Silva (ministro da Comunicação Social) e Luísa Rogério (secretária de Estado para os Direitos Humanos), João Paulo Ganga (ministro da Juventude), que confirmam não terem sido notificados até à data.
O juiz já ameaçou tomar medidas coercivas contra os faltosos, mas como podem ser faltosos os declarantes que nunca foram notificados? Angola gasta anualmente mais de US $500 milhões com as forças de segurança. Como acreditar que o regime não saiba onde vivem políticos e activistas tão conhecidos como Marcolino Moco (MPLA – presidente do Tribunal Supremo) Justino Pinto de Andrade (vice-presidente da República), e Alexandra Simeão (presidente colegial com o Kalupeteka e o académico Fernando Macedo). Tem o juiz poderes para ameaçar tomar medidas coercivas contra deputados?
Há um exemplo que demonstra o espírito jocoso do poder político-judicial neste caso. O jornalista Rafael Marques de Morais, suposto ministro da Justiça e dos Direitos Humanos do governo fictício criado no Facebook, tem um caso no mesmo Tribunal Provincial de Luanda, onde foi condenado em Maio passado. Certamente têm o seu endereço.
É ainda estranho que a imputação desta brincadeira aos 15 não esteja a ser devidamente analisada. Nenhum grupo, em parte nenhuma do mundo, prepara um golpe de Estado para entregar o poder a outros. Por norma são os cabecilhas do golpe que assumem o poder. Dos 15, Albano Pedro e os seus amigos do Facebook apenas escolheram o rapper Luaty Beirão para um cargo relevante, o de procurador-geral da República. Luaty estudou gestão e economia. Não é um homem de Direito.
Por sua vez, o jornalista Domingos da Cruz, considerado pelo regime como o mentor do grupo, é o escolhido para inspector-geral do Estado. Outra figura destacada do grupo, Afonso Matias “Mbanza Hamza”, faz de secretário de Estado da Cultura.
Poder-se-ia argumentar com a falta de meios do tribunal para distribuir 50 notificações. Ora, o regime disponibilizou 150 agentes policiais e os meios correspondentes, novos, para a guarda domiciliária dos 15. A celeridade do processo certamente libertaria esses homens e os meios necessários à manutenção da ordem.
É tudo muito estranho, só se pode pensar que há um desejo deliberado, criminoso, inconstitucional, de prolongar o julgamento, de aborrecer, maçar, fazer esquecer. No fundo, de evitar a pressão que aconteceu na segunda metade de 2015, pressão que mostrou quão frágil era o regime e como meia dúzia de empenhados podiam assustá-lo.
A grande lição destes adiamentos é que o regime está com medo. Teve medo de cair em Dezembro. Agora, tem medo de que o clamor público volte a ameaçá-lo e de não mais conseguir resistir.