Fonte: Club-k.net
Forçado pela ditadura, a declarar contra o filho
A equipa de agentes da PIDE-DGS (entenda-se, juízes e procuradores) entraram e a audiência começou.
Depois de ouvidos outros declarantes, foi a vez de Fernando Baptista, pai de Nito Alves. Chamado para depor sobre a suposta existência de dois registos civis do filho e consequente acusação de possuir uma falsa identidade e ainda de ter alterado o registo anterior sem a devida solenidade. Se houve alteração de identidade, uma questão impõe-se: “Onde está o funcionário dos registos que alterou e porque não foi constituído arguido? Temos aqui mais um embuste!
O tribunal ao convocar o pai do arguido para depor, viola o princípio e a lei que estabelecem claramente que ascendentes e descendentes próximos, não podem depor quando seus familiares estão na condição de acusados de qualquer crime. Consciente desta prerrogativa, o pai do arguido, ousou exercê-la, como o leitor poderá notar a seguir.
O juiz, Januário Domingos (conhecido como agente dos Serviços Secretos), chamou o senhor Fernando Baptista e começou o interrogatório:
— Você é o pai de Nito Alves? — questionou inquisitivamente o juiz. — Houve um silêncio de alguns segundos. — Notava–se desconforto da parte do inquerido.
A sala focava os olhares sobre o pai que está a ser forçado pela ditadura, a declarar contra o filho, para a concretização de uma condenação pré-determinada pelo tirano à partir do palácio. O silêncio do inquerido estendeu-se para toda a sala.
— Sou o pai de dele sim! — o hiato causado pelo silêncio foi quebrado pela resposta simples, mas que levaria aos intentos da farsa judicial. — Trouxe a descompressão na sala, por parte daqueles que estavam preocupados com o bom desempenho de Fernando Baptista. A audiência sabia que nada que fosse dito salvaria a pele do filho, mas pelo menos para salvaguardar a honra do inquirido.
— Você o registou e onde? — perguntou Januário Domingos. — Com um sorriso e olhar de escárnio. Ao mesmo tempo virou o seu olhar para o seu par ao lado esquerdo e segredou…!
— Registei-o e fi-lo no Huambo — respondeu tranquilamente Fernando Baptista.
— O juiz continuou: — E quais foram os procedimentos? Onde foi registado concretamente?
— Senhor juiz, não posso depor contra o meu filho! — afirmou o inquirido. — A resposta elevou a arrogância e a brutalidade do juiz, no tom de voz contra o declarante.
— Como assim?! — exclamou o juiz
SILÊNCIO SEPULCRAL.
Pareceu que o convencimento do juiz sobre a sua autoridade e em consequência, ninguém ousaria rejeitar-lhe uma resposta, levou-o a irritar-se claramente! — Continuou o juiz. — Olha senhor… você não é o pai?!
— Eu não posso depor contra o meu filho — reafirmou a vítima da infâmia. — Diante de tal confirmação, os presentes na sala começaram à olhar-se e a cochichar.
— … não podes afirmar aquilo que prejudique o seu filho — prosseguiu o juiz. — Mas neste caso, o tribunal quer simplesmente que você esclareça algumas questões simples…
Entre os arguidos haviam reclamações!
— Na ditadura as pessoas não podem prever o que prejudica ou não os filhos em tribunal, no momento de depor — sussurrou um dos dezasseis réus.
— Alguma vez o senhor respondeu um interrogatório da polícia? — perguntou o juiz. — Pressionando com insistência. Usando e abusando da autoridade draconiana que a tirania lhe confere, mesmo ante a negação do declarante. — VOCÊ TEM DE RESPONDER — Insistiu o juiz. — Num tom ameaçador e intimidatório, prosseguiu. — Aqui só o réu pode manter-se calado. Os declarantes devem colaborar com a justiça!
— Mas eu sou o pai — disse … —. Nesta condição, nem sequer o tribunal poderia convocar-me.
— RESPONDE POR FAVOR— gritou o juiz.
— Nunca fui ouvido pela polícia— respondeu Baptista.
Os advogados olharam-se perplexos! Os do lado direito (Luís do Nascimento e Mariza Borges), faziam sinais dirigidos para os dois advogados do lado oposto. Talvez para que reagissem aos abusos e violações da lei por parte do juiz, e a humilhação contra o depoente.
— Meritíssimo, de acordo com a lei os pais e filhos não podem depor contra os seus … — asseverou o advogado Luís do Nascimento. — Pelo que o senhor Baptista está certo, como reza o artigo …. do código …
O juiz ignorou absolutamente o alerta do advogado e prosseguiu com o seu abuso de poder.
— Permita-me Meritíssimo — interveio o Digníssimo Representante do Ministério Público. — O senhor Baptista afirmou aqui neste tribunal, que nunca prestou declarações à Procuradoria Junto dos Serviços de Investigação Criminal (PSIC). — Isto é uma inverdade! Uma das peças constantes no processo é o depoimento que o aqui declarante deu na fase de instrução preparatória!
Para sustentar a afirmação da procuradoria, o coletivo de juízes começou a revirar o processo com vista à localizar o depoimento de Baptista.
— Está em folhas 2211 — intrometeu-se o escrivão. — Foi curioso, mas nada surpreendente, de como as “peças humanas” ao serviço da ditadura, estão em sintonia. Inclusive o escrivão auxilia na condução que visa queimar as vítimas.
— Muito bem Garcia — agradeceu o juiz. — Com um rosto de triunfo. Talvez estivesse a pensar: “Apanhei a presa”.
Entre os réus houve cochichos. Um afirmou: “O escrivão conhece tão bem o processo que dá-se ao luxo de arbitrar parcialmente o julgamento.”
— Aqui está o depoimento do senhor… — afirmaram em coro, o juiz presidente da causa e o procurador. — Estavam perfeitamente alinhados. Não há dúvida que há sintonia. Em tese, a procuradoria é parte interessada (assim como a defesa) e o tribunal é árbitro, mas na tirania, o quadro é totalmente ao contrário!
— Meritíssimo — interrompeu e pediu a palavra um dos advogado do extremo esquerdo.
— Tem a palavra — autorizou o juiz.
— Senhor Baptista — disse o advogado. — Você conhece a realidade em que encontramo-nos. Responde as perguntas pela via mais simples: sim e não!
O depoente corou diante das palavras do advogado. Incrédulo. Manteve-se em silêncio!!
Sussurros entre os réus… como pode o advogado pedir isto… isto é ilegal… Oh, oh, oh… olha em que pé está este país… república das bananas… isto deixou de ser país meu…!
— O comportamento do senhor Baptista configura um crime — disse o juiz. — Isto é desacato à autoridade. Desobediência, ao não colaborar com a justiça. — E prosseguiu.— Mas por hoje fica assim. Vamos consignar a sua brevíssima narrativa em acta.
As mulheres e homens de boa vontade e coração puro que assistiam a audiência, pareciam respirar de alívio, em virtude do fim da tortura verbal e toda humilhação do juiz contra o declarante.
— Perguntado — disse o juiz — Se já alguma vez, prestou declarações para a procuradoria, o respondente afirmou negativamente. — Nito Alves interrompeu dizendo: — “Meu pai não disse isso.” — Prosseguiu. — A pergunta que lhe foi colocada era, se já alguma vez ouviram-no pela polícia e é normal que respondesse, não. Porque nunca. Quanto a procuradoria, sim. Mas não foi isto que lhe foi questionado!
O ambiente na sala era tenso depois da intervenção de Nito. Muita apreensão por parte de alguns. Os juízes e o procurador mexiam-se num claro mal-estar.
— Retirem este senhor da sala — reagiu imediatamente o juiz presidente. — Onde está a polícia. Ordeno que coloquem-no na cela. Agora!!
— Este julgamento é uma palhaçada — julgou Nito. — Não temo pela minha vida!
— Senhor juiz — disse o pai de Nito Alves. — Respondi que nunca fui ouvido pela polícia, porque julgo que a procuradoria é distinta da polícia.
— Mas o senhor foi ouvido pelo Procurador junto dos Serviços de Investigação Criminal (PSIC) — respondeu o juiz.— É a mesma coisa. É polícia.
— Meritíssimo — disse o procurador.— Este comportamento requer julgamento sumário "hic et nunc". O réu aqui presente deve ser julgado por injúria ao tribunal, por perturbação ao tribunal e a prossecução dos trabalhos.
Na sala, algumas pessoas reclamavam em cochichos. Mas onde está a perturbação? Este piolho não sabe o sinónimo de perturbação. Esta frase configura perturbação? Nota-se claramente que o procurador tem o coração tão feio quanto a sua cara! Beiçudo! Mas também só cumprem ordens do príncipe. Numa altura em que se aproxima o fim da prisão domiciliária (dia 18 de Fevereiro), interessa-lhes estes julgamentos sumários e consequentes condenações.
— Meritíssimo — disse o escrivão. — A acta está pronta.
— Certo. Vamos assinar — Ordenou o juiz. — Em seguida vamos ao julgamento sumário deste senhor. — Prosseguiu. — Pelo que, o requerimento do Digno Representante do Ministério Público está deferido.
Depois dos intervenientes ao julgamento assinarem a acta, o juiz decidiu que se evacuasse a sala.
— … não se pode evacuar a sala — inferiu o escrivão. — Porque o reu tem o direito de indicar testemunhas.
— Sim doutor Garcia — assentiu o juiz. — Indica suas suas testemunhas.
— Todos nesta sala são minhas testemunhas — disse o reu. — Sem temor!
Pisando mais uma vez o império da lei, a dignidade humana e os princípios básicos de um julgamento justo, o juiz “enxotou” todos, com excepção do advogado, escrivão, procurador e os agentes dos serviços de informação (seus colegas) que estão permanentemente na sala.
Simulou mais um julgamento. E bateu o martelo de chumbo, ao serviço da manutenção do poder principesco! Parece importante lembrar, que a lei obriga que uma pena de seis meses, deve ser convertida em multa.