CARROS: PROCESSO JUDICIAL NOS EUA CONTRA KOPELIPA
Em Março de 2016, a proprietária de uma distribuidora de automóveis angolana – Unicar – processou a Chrysler (fabricante de automóveis americana, detida pela Fiat Chrysler Automobiles NV) no Tribunal Distrital do Leste do Michigan, nos Estados Unidos da América.
O essencial das alegações contra a Chrysler é que as operações do gigante automobilístico em Angola violaram duas leis importantes dos Estados Unidos: a RICO (Racketeer Influenced and Corrupt Organizations Act – Lei das Organizações Corruptas e Influenciadas pela Extorsão) e a FCPA (Foreign Corrupt Practices Act – Lei das Práticas Corruptas no Estrangeiro).
A matéria de facto apresentada pela queixosa Union Commercial Services Limited (empresa registada nas Ilhas Caimão, com actividade na Florida, EUA, e em Angola, e que controla a Unicar) assenta num acordo que o general Kopelipa fez com a Chrysler em 2010, e garante que, através de várias operações, a Chrysler permitiu e contribuiu para o enriquecimento ilícito do ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente da República.
A história conta-se de forma simples, segundo as alegações da autora da queixa em tribunal, a que Maka Angolateve acesso no original.
Entre 1998 e 2010, a Union Commercial gozou de direitos exclusivos para vender os produtos da Chrysler em Angola, através da sua subsidiária, a concessionária Unicar.
No entanto, em 2009-10, um concorrente recém-formado, a Auto-Star Angola, obteve os direitos de distribuição da Chrysler e da Fiat.
Este acordo, que deu imediatamente origem a vendas consideráveis da Auto-Star ao governo de Angola, violou os direitos da Unicar à exclusividade. Esta é a primeira parte da história.
Até aqui, contudo, trata-se apenas de uma disputa comercial entre duas empresas angolanas, face à aparente violação de uma obrigação comercial por parte da empresa multinacional.
Auto-Star enquanto veículo de Kopelipa
O caso reveste-se de mais seriedade e perigo para os dirigentes angolanos quando a Union Commercial alega que a Auto-Star foi criada como veículo para o enriquecimento ilícito do general Kopelipa e de dois dos seus subordinados, identificados na petição inicial norte-americana como Pessoa A, Pessoa B e Pessoa C.
De acordo com a queixa, Kopelipa e os outros dois proprietários da Auto-Star beneficiaram imediatamente, após assumirem a direcção efectiva desta, da emissão do Decreto Presidencial n.º 135/10, que criou vários regulamentos e procedimentos talhados à sua medida.
Essencialmente, o que Kopelipa fez foi identificar uma fonte de receitas controlada pelo governo angolano – a compra de veículos motorizados (carros, jipes, camiões, etc.) – e, depois, montar uma empresa de intermediação, entregando partes da empresa aos seus aliados políticos. Depois estabeleceu uma parceria entre a empresa e o governo, fornecendo a este os veículos e garantindo assim que uma parcela das despesas públicas vai directamente para o seu bolso. Simples.
Esta é a parte do enriquecimento de Kopelipa. Vender os carros e jipes ao governo de Angola. Mas há mais, alega a Unicar.
Numa primeira fase, a empresa escolhida para a venda de carros foi a alemã Daimler AG, mais conhecida por Mercedes. Todavia, Rafael Marques na altura denunciou o acordo de Kopelipa com os alemães e estes, depois de terem estado envolvidos em vários casos mediáticos de corrupção em países em desenvolvimento, resolveram não se envolver em mais nenhum, abandonando rapidamente a “sociedade” com Kopelipa. O general perdeu o fornecedor de carros ao governo, e viu-se obrigado a procurar um novo fornecedor que não estivesse muito preocupado com a imagem e os processos de corrupção. Encontra solução na Fiat, detentora da Chrysler. Esta empresa tinha formado uma subsidiária para promover as vendas da Chrysler e da Fiat nos países em desenvolvimento, apostando numa estratégia de foco em vendas governamentais e militares. Alegam os queixosos que, no desenrolar dessa estratégia, a companhia de automóveis ofereceu subornos aos dirigentes políticos dos países onde quis fazer negócio, através de contas bancárias sediadas fora dos EUA.
Entretanto, a Auto-Star de Kopelipa tenta, sem sucesso, comprar a Unicar. E a Chrysler, contente com os seus novos parceiros, põe fim ao contrato que a ligava, sem qualquer motivo, à Unicar.
Finalmente, para garantir o controlo do fornecimento dos veículos automóveis a Kopelipa, é emitido o Decreto Presidencial n.º 62/14, que cria mais regulamentos e procedimentos sobre o mercado angolano de automóveis, mais uma vez talhados à medida, para benefício da Auto-Star e Chrysler. Não restam dúvidas de que Kopelipa controla o mercado de automóveis para vendas ao governo.
Em resumo, segundo a Union Commercial, o general Kopelipa criou uma empresa para controlar as vendas de automóveis ao governo, ao mesmo tempo que recebia subornos da empresa fabricante que os vendia. Assim, ganhava de duas fontes: na venda dos automóveis ao governo em que é ministro de Estado, e nos pagamentos que recebia da Chrysler.
Por estes factos, os autores do processo judicial consideram que foram praticados actos de extorsão e suborno, em violação das leis federais norte-americanas, designadamente a RICO e a FPCA.
As leis americanas e o FBI
Se forem provadas em tribunal, estas acusações e o enquadramento das normas legais norte-americanas RICO e FPCA serão fatais para Kopelipa e colocá-lo-ão debaixo da alçada do FBI e das demais autoridades norte-americanas. Os seus bens poderão ser “congelados” em qualquer país do mundo que tenha relações amistosas com os EUA, pois, em caso de condenação, será obrigado a pagar muitos e muitos milhões de dólares. E assistirá ao desmoronamento do seu império comercial desestruturado.
Vejamos em detalhe estas normas.
A RICO é uma lei federal dos Estados Unidos que prevê penalidades criminais alargadas e pesadas indemnizações cíveis por actos realizados como parte de uma organização criminosa. Esta lei concentra-se especificamente na extorsão e permite que os líderes de uma organização sejam julgados pelos crimes que ordenaram, mesmo que não tenham participado directamente. Embora o seu uso original na década de 1970 servisse para processar a máfia, a sua aplicação posterior tem sido mais generalizada, dirigindo-se a qualquer organização que desenvolva actividades ilícitas. É justamente neste âmbito que se pretende enquadrar o general Kopelipa e a Auto-Star.
A FPCA é uma outra lei federal norte-americana, promulgada em 1977, que visa combater a corrupção transnacional levada a cabo por entidades relacionadas com os EUA. O FCPA possui duas disposições principais: as contabilísticas e as anti-suborno. Interessa-nos a segunda, que torna ilegal e punível o pagamento de montantes a funcionários públicos estrangeiros no caso em que a finalidade seja a obtenção ou manutenção de negócios. É precisamente nestas cláusulas que se enquadra o comportamento da Chrysler, da Auto-Star e de Kopelipa.