quarta-feira, 1 de junho de 2016

LUANDA: O Tempo e o Discurso Anti-Corrupção do Procurador-Geral

O Tempo e o Discurso Anti-Corrupção do Procurador-Geral

Fonte Makaangola/Rui Verde 1 de Junho de 2016
 “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu”, diz-nos a Bíblia.
Ao ler o seu recente discurso na nona Conferência Anual da Associação Internacional de Autoridades Anti-Corrupção (IAACA), em Tianjin, na China, fica-se com a impressão de que chegou finalmente o tempo do procurador-geral da República, general  João Maria de Sousa.
O general apelou para que “haja mais acções de investigação, combate e prevenção de crimes ligados à corrupção” e declarou o firme propósito de implementar a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. Comecemos pela Convenção das Nações Unidas.
A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, denominada Convenção de Mérida, foi negociada entre 21 de Janeiro de 2002 e 1 de Outubro de 2003 e veio a ser adoptada pela Resolução da Nações Unidas nº 58/4, de 31 de Outubro de 2003, assinada na cidade de Mérida (México) em Dezembro do mesmo ano. Angola ratificou a Convenção em 2006. Portanto, observados todos os requisitos previstos no artigo 13.º da CRA, a Convenção é parte integrante do direito nacional angolano, além de norma de direito internacional. Isto é, deve ser aplicada pelas autoridades soberanas de Angola, em especial pelo Ministério Público e Tribunais.
Acresce que o presidente da República, pelo Despacho Presidencial n.º 82/13, de 5 de Setembro, complementado pelo Despacho n.º 175/14, de 9 de Setembro, criou um Grupo de Trabalho Multissectorial com vista a estudar e elaborar uma proposta de implementação da Convenção no Ordenamento Jurídico angolano. Embora não conheça os resultados desse estudo ( se é que existem), o certo é que indubitavelmente a Convenção tem força própria e as suas normas devem ser consideradas.
E que normas são essas? A Angola interessa especialmente o artigo 5.º, n.º 1, segundo o qual cada Estado, em “conformidade com os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico, formulará e aplicará ou manterá em vigor políticas coordenadas e eficazes contra a corrupção que promovam a participação da sociedade e reflitam os princípios do Estado de Direito, a devida gestão dos assuntos e bens públicos, a integridade, a transparência e a obrigação de prestar contas”.
Desta norma resulta que os negócios públicos devem ser transparentes, o combate à corrupção, eficaz e que a participação da sociedade civil é fundamental.
Também tem importância o artigo 9.º, que obriga todos os Estados a adoptarem “as medidas necessárias para estabelecer sistemas apropriados de contratação pública, baseados na transparência, na competência e em critérios objectivos de adopção de decisões, que sejam eficazes, entre outras coisas, para prevenir a corrupção”.
Toda a contratação pública deve ser clara e evitar a possibilidade de corrupção. Isto aplica-se a vendas de concessões de petróleo, diamantes e todos os contratos que o Estado faça. O problema é que em Angola não se conhecem códigos de conduta que exijam efetiva transparência.
O artigo 13.º é a base jurídica internacional da intervenção de Rafael Marques e do MakaAngola, entre outros membros da sociedade civil. Na verdade, este artigo obriga o Estado (o sublinhado é nosso) a adoptar medidas adequadas para fomentar a participação activa de pessoas e grupos que não pertençam ao setor público, como a sociedade civil, as organizações não-governamentais e as organizações com base na comunidade, na prevenção e na luta contra a corrupção, e para sensibilizar a opinião pública quanto à existência, às causas e à gravidade da corrupção, assim como quanto à ameaça que esta representa.
A parte mais significativa da Convenção refere-se aos crimes ligados à corrupção, à sua penalização e aos embargos preventivos, arrestos e outras medidas de recuperação do património. O artigo 31.º da Convenção indica que cada Estado adoptará, no maior grau permitido em seu ordenamento jurídico interno, as medidas que sejam necessárias para autorizar o confisco: a) Do produto de delito qualificado de acordo com a presente Convenção ou de bens cujo valor corresponda ao de tal produto; b) Dos bens, equipamentos ou outros instrumentos utilizados ou destinados utilizados.
E o artigo 51.º anota que a recuperação de activos é um princípio fundamental da Convenção e que os Estados prestarão a mais ampla cooperação e assistência entre si a esse respeito, enquanto os artigos subsequentes desenvolvem vários mecanismos internacionais para possibilitar a recuperação de bens parqueados no estrangeiro.
Aqui temos a lei que o procurador-geral da República prometeu aplicar.
É do conhecimento público que existem queixas na Procuradoria, no exercício pleno dos deveres impostos pelo artigo 13.º da Convenção, apresentadas por Rafael Marques de Morais, bem como variadas denúncias públicas referentes a vários possíveis actos de corrupção ou crimes ligados, de acordo com o catálogo da Convenção.
Essas queixas e denúncias públicas dizem respeito ao governador do Kwanza-Sul, ao marido de Isabel dos Santos, Sindika Dokolo, a propósito de terras; à própria Isabel dos Santos, a propósito do negócio de compra da empresa portuguesa EFACEC com capitais públicos angolanos (o mesmo podendo ter acontecido, segundo documentos, na GALP). E há ainda as eventuais transferências bancárias ilegais realizadas pelo filho do presidente, José Filomeno dos Santos, enquanto presidente do Fundo Soberano.
Denúncias para o procurador-geral da República investigar, e concluir pela acusação ou arquivamento, não faltam. É por isso que começámos por sugerir que talvez este seja o tempo do procurador, de combater a corrupção. Mas só o será caso investigue a sério as situações denunciadas. De outra maneira, estará a perder tempo como político sem palavra e a sua demissão deverá ser o seu verdadeiro acto de honra.
   

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