Tropas do General Wala detém e torturam jornalistas
Fonte: JN
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Seis horas de pânico e tortura no Zango das demolições
As demolições no Zango continuam sob o olhar das autoridades que justificam as acções com a reposição da legalidade e acusam as populações de terem invadido reserva fundiária do Estado, atribuída à Zona Económica Especial (ZEE).
Até ao momento, contabilizam-se mais de sete mil residências demolidas, de acordo com coordenadores das comissões de moradores das zonas afectadas, que estimam em 10 mil o total de famílias que poderão ver demolidas as suas residências, nos zangos 1, 2, 3 e 4.
Foi a pensar na situação das famílias que perderam as suas moradias que o Novo Jornal decidiu regressar ao Zango, na terça-feira, dia 30, para in loco reportar a realidade vivida pelas populações. Sem tecto e dispersas, muitas famílias ficaram desestruturadas e foram abrigadas por familiares e amigos, revelaram os responsáveis das comissões de moradores, que pouco ou nada conseguem fazer.
O regresso ao Zango tinha sido combinado, um dia antes, entre o Novo Jornal e o presidente da comissão de moradores, Oliveira Cassegunda, do bairro Nguimbe, no Zango 1. Tudo foi acertado com a fonte à margem de um encontro de auscultação que o coordenador da SOS HABITAT, Rafael de Morais, manteve com representantes da Região Militar de Luanda, na Assembleia Nacional, onde também estiveram representantes dos moradores.
O Novo Jornal combinou o encontro para as 9h00, junto ao supermercado Max. À hora marcada, lá estava o NJ para o início de mais uma reportagem à volta das demolições. Face à demora daquele que seria o guia de um périplo pelos bairros para localizar as vítimas das demolições, decidimos ir ao encontro de Oliveira Cassegunda, que fazia a marcha a pé. Minutos depois, apanhámo-lo a meio do caminho, de acordo com as orientações que nos foi dando por telefone.
Cassegunda subiu na viatura do Novo Jornal. Logo a seguir, o seu telefone tocou. Era a mulher que, aflita, pedia que regressasse com urgência a casa para resolver um problema, sem especificar o que se tratava. Decidimos acompanhar Cassegunda à sua casa, passando por zonas isoladas e com poucas residências. De repente, deparámo-nos com uma barreira policial, com dois efectivos que vigiavam a entrada. Sem impedimento, passámos pelo controlo e, de seguida, apercebemo-nos que estávamos numa zona em demolição controlada por militares que, apressadamente, nos mandaram parar.
“Não fiquem com medo. Aqui todos me conhecem. Sou o coordenador do Cap do partido MPLA e da Comissão de moradores”, garantiu Cassegunda.
Os militares pediram-nos para sair da viatura, revistaram-na e encontraram no seu interior vários meios de trabalho, entre eles, o passe de identificação, a câmara fotográfica, blocos de apontamentos, para além de cartões multicaixa e 20 mil kwanzas.
Zona proibida a jornalistas
Foi nesta ocasião, por volta das 10h00, que começaram os maus-tratos psicológicos e físicos. Enfrentámos, durante seis horas, várias ameaças por parte dos militares. “Vocês não sabem que é proibida a entrada de jornalistas, até o provedor de justiça foi barrado. A única pessoa que está a circular aqui e de helicóptero é o marido da Isabel”, afirmou um soldado, confirmando informações de populares, que, em reportagem anterior, disseram ter visto Sindika Dokolo, esposo da filha do Presidente da República, Isabel dos Santos.
“Vamos levar estes gajos à base e lá serão punidos. Vão ser levados a julgamento, tal como tem acontecido aos outros. Aqui estamos a dar sumiço às pessoas. Umas são julgadas sumariamente e não se conhecem os destinos. Vocês estão lixados”, atirou outro soldado.
Minutos depois, registou-se um momento de silêncio entre os soldados. Uns, com compaixão, apelavam à nossa soltura, enquanto outros, furiosos com a nossa presença, desejavam dar-nos uma “surra”.
“Estes gajos merecem apanhar. Ainda por cima, entraram aqui com o coordenador do bairro. Ele é um traidor, que membro do MPLA faz isso? Não sabe que os chefes é que estão a mandar destruir as casas? Vamos agora também partir a casa dele”, sugeriu um dos militares. Foi nesta altura que nos apercebemos que a máquina demolidora já estava na casa de Cassegunda, daí a chamada urgente efectuada pela sua esposa.
De seguida, mandaram-nos subir para a viatura. Eramos quatro. O jornalista, o repórter de imagem, o motorista e o coordenador do bairro. Obrigaram-nos a deitar debaixo dos bancos do patrulheiro militar e transportaram-nos como se fossemos meliantes. Enquanto decidiam o que fazer, andaram às voltas connosco. Debaixo de um sol abrasador e com armas apontadas a nós. Durante as voltas pelo bairro, vimos e ouvimos casas a serem demolidas, militares a destratar e saquear dinheiro e bens de populares, principalmente aos motoqueiros.
Os militares regozijavam-se com o sucesso das operações. Brindavam o êxito com cerveja e contavam entre eles cenas de namoro com as mulheres aflitas no terreno. “Estou a namorar com aquela gaja, meu. Vou travar para que o cúbico (casa) dela não seja ainda destruído”, disse um soldado, apoiado por colegas seus, que também diziam ter as suas concubinas.
Sentença sumária
No terreno, os militares ainda tentaram negociar connosco para não sermos levados até à base, onde supostamente seríamos punidos (surrados e levados a tribunal, segundo as ameaças).
O negócio que nos propunham era darmos 10 mil Kwanzas pela nossa soltura e mais 50 mil kwanzas para travar temporariamente a demolição da casa do coordenador Cassegunda. Mas a proposta resultou em fracasso, fruto de um desentendimento entre os soldados.
Nesta mesma ocasião, o comandante das operações despejou a sua fúria na equipa do NJ, batendo, por duas vezes seguidas, violentamente, nos ombros do escriba, com uma maceta de madeira. A terceira maceta tinha como destino o repórter de imagem, mas escorregou e partiu-se ao bater na carroçaria da viatura militar. “Agora, vamos levá-los aos chefes para serem punidos e partam já a casa do coordenador”, ordenou o chefe da missão. Ordem cumprida por volta das 16h00.
De seguida, fomos levados ao chefe do posto, que ordenou que retirássemos os cintos e os atacadores dos sapatos. Um dos militares fez o registo da nossa detenção, anotando nomes, função e números telefónicos. Apresentaram ao chefe do quartel os nossos equipamentos apreendidos, que nos foram devolvidos posteriormente, à excepção do gravador e dos 20 mil kwanzas, que ficaram na posse do chefe da operação militar no terreno.
“O gravador já não vamos entregar e o dinheiro é para as tropas”, determinou o militar, na presença do seu superior hierárquico.
O chefe do posto ainda tentou insinuar, com ameaças, negociatas para que fossemos soltos, mas sem sucesso. Minutos depois, chegou o comandante da unidade, um tenente-coronel, que, após ter recebido explicações da nossa detenção, ordenou de imediato a nossa soltura. “Vão para casa, mas não escrevam nada”, determinou.
O chefe do posto, à revelia do seu chefe, ainda deu ordens para que apanhássemos alguns focos de lixo ali espalhados. “Vocês até têm sorte. Os da Gazeta arrumaram blocos. Vão e não escrevam nada. Se não vamos vos caçar”, ameaçou o chefe do posto, devolvendo a nossa liberdade, seis horas depois.
Militares sem salário há três anos
Durante o tempo em que estivemos detidos, apurámos, em conversa com alguns militares, que muitos dos que estão ali destacados não recebem salário há mais de três anos. Referem um total de três mil efectivos que não vêem os seus ordenados, desde a data da sua incorporação.
“Meus, aqui também, só estamos a cumprir ordens. O cabrito come onde está amarrado. Um soldado ganha 23 mil kwanzas e, ainda assim, não recebemos o nosso salário, há três anos. Somos muitos destacados nestas missões. Uns estão no Benfica, outros no Ramiro, Bengo e noutras partes. Por isso, se têm godo (dinheiro) falam e vos soltamos já”, desabafou um soldado, dando-nos a conhecer factos que nos fazem perceber a fúria que os militares despejam sob as vítimas das demolições. Nem polícias são respeitados. Para os militares no terreno, “todos são inimigos”.
As demolições no Zango decorrem há mais de um ano, mas o grito de socorro das populações fez-se ouvir intensamente no mês passado, após o assassinato do adolescente Rufino António, vítima de disparos dos militares. A ninguém é permitida a entrada no Zango, nem mesmo as autoridades municipais. Até o provedor de justiça foi barrado.
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