RECADO A DITADORES
No seu primeiro discurso de aniversário da implantação da República em Portugal, em 5 de Outubro último, o presidente Marcelo Rebelo de Sousa usou palavras fortes e inequívocas para definir a essência do poder republicano em Democracia.
Numa linguagem extremamente clara e directa, o Rebelo de Sousa fez notar que “todo o poder é temporário” e que, em República e em Democracia, ele só pode mesmo ser temporário.
Para o líder português, essa limitação temporal é o cerne da mensagem ética que sustenta o conceito de República. Mais directa ainda foi a sua constatação de que, numa República, por oposição ao que se passa numa Monarquia, “o poder não se transmite por herança nem comporta a escolha do sucessor”.
Em República, disse Marcelo Rebelo de Sousa assinalando os 106 anos da República Portuguesa, “todo o poder político é limitado pelo controlo dos outros poderes e sempre pelo povo”. Numa declaração manifestamente dirigida à generalidade dos totalitarismos e muito crítica das perversões governativas, Marcelo salientou que “o poder político não é propriedade de ninguém, pessoa, família, classe, partido, grupo cívico, cultural ou económico”, e que esse poder tem a obrigação de se manter próximo da sua fonte de legitimação, que é o povo.
A inspiradora mensagem do presidente de Portugal neste seu primeiro ano de mandato tem de calar fundo numa ditadura monotonamente repetitiva como aquela que Angola vive vai para quatro décadas de intolerável usurpação de poder. Os 37 anos de afastamento definitivo da fonte de legitimação do poder político do regime de José Eduardo dos Santos tornam a República de Angola numa caricatura absurda, que só tem paralelo na brutalidade colonial. Foi este afastamento das bases que o presidente de Portugal destacou como sendo o maior risco da Democracia.
Deixando espaço a quem o ouviu para identificar os culposos, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou: “(…) De cada vez que um responsável político se deslumbra com o poder, se acha o centro do mundo, alimenta clientelas, redes de influência e de promoção social, económica e política, é a democracia que sofre.”
Na sua primeira edição de O Capital, Karl Marx abre o texto com uma página onde apenas se lê: Mutato nomine de te fabula narratur. Esta epígrafe em latim, que Marx optou por não traduzir, significa muda-lhe os nomes, e esta é a tua história. De facto, se tomarmos Angola como o sujeito e a corrupção e ditadura como os complementos directos, o discurso do presidente de Portugal é uma carta aberta a José Eduardo dos Santos.
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