quinta-feira, 24 de novembro de 2016

LUANDA: O Irrealismo e o Perigo da Proposta do OGE de 2017

O IRREALISMO E O PERIGO DA PROPOSTA DO OGE 2017

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Lemos com atenção o Relatório Preliminar de Fundamentação da Proposta de Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2017.
Primeiro, o elogio: o Relatório está em geral bem escrito, escorreito, e os pressupostos técnicos são claros. Todavia, para escamotear as dificuldades, contém demasiado jargão económico e aquilo que em gíria se chama “palha”.
De qualquer forma, a sua leitura permite perceber o grave apuro em que as finanças e a economia angolanas estão metidas. O país corre vários perigos, que a seguir identificamos.
O primeiro perigo é a redução da capacidade do Estado para cumprir com a dívida externa.
Se repararmos, a queda das receitas do petróleo fez com que de imediato o Estado ficasse sem dinheiro para pagar as suas despesas. Por isso, teve de pedir dinheiro emprestado. Ora, é fundamental manter o pagamento das prestações da dívida, pois, se não se paga, não se recebem novos empréstimos, e o Governo entra em falência, sem dinheiro para cumprir os seus deveres.
Segundo os cálculos do Relatório, as receitas fiscais (dos impostos) representam apenas 49.6 por cento da receita total do Estado – dentro das quais os impostos petrolíferos representam a “pequena” parte (para o que era habitual) de 22.9 por cento. Por outro lado, 43.6 por cento da receita será procedente do endividamento, correspondendo 21.2 a endividamento externo.
Isto quer dizer que cerca de um quinto (20 por cento) das receitas angolanas dependem de empréstimos estrangeiros. Acresce que, neste momento, o pagamento da dívida é já a despesa que mais pesa na composição funcional da despesa do OGE para 2017, e aquela que cresceu mais intensamente desde 2014 – aumentou três vezes, 300 por cento.
Note-se que actualmente as emissões de dívida pública rondam os 23 por cento, valor já próximo do Estado falido de Moçambique.
Em resumo, devido à queda do preço do petróleo, Angola teve de pedir dinheiro emprestado. Esses empréstimos representam a maior fatia do OGE e colocam uma ameaça muito grave à economia e às finanças do país. O seu não pagamento paralisaria a economia angolana, e o seu pagamento representa já um peso excessivo no OGE.
O segundo perigo é que se venha a suspender a execução de projectos de investimento em curso. Não havendo dinheiro – e alocando-se o pouco que há sobretudo à dívida pública e à defesa e segurança (cerca de 66 por cento do OGE) – é normal que qualquer falha na receita implique a suspensão dos investimentos (construção de infra-estruturas como estradas, barragens, aeroportos, redes de telecomunicação, etc.).
Refira-se que a atribuição de cerca de dois terços do OGE ao pagamento da dívida e à segurança significa que, em termos económicos e sociais, se está a navegar à beira de um precipício.
E é este precipício que nos leva ao terceiro perigo: a redução da capacidade de financiar a prestação dos serviços de educação, saúde e assistência social. A previsão orçamental já determina um corte nestas despesas na ordem dos 18 por cento face a 2014. Ao longo deste ano, como foi bem notório, o sistema de saúde não respondeu às necessidades básicas da população e a educação não educou… Com cortes adicionais, torna-se evidentemente utópica qualquer visão de desenvolvimento humano para Angola.
Finalmente, a falta de dinheiro pode paralisar o funcionamento da administração pública. O país pára. Note-se que este diagnóstico é feito pelos próprios técnicos do governo, como se pode aferir da leitura das notas finais (p.60) do Relatório Preliminar do OGE. Aqui, apenas nos limitámos a sistematizar e a tentar clarificar as ideias.
Para percebermos bem a iminência dos perigos acima apresentados, temos de analisar a previsão da receita orçamental. Isto é, onde é que o Governo irá buscar o dinheiro para compensar o baixo preço do petróleo? (Obviamente, se o preço do petróleo subir ao longo de 2017 acima dos US $49 haverá mais dinheiro).
Como referimos atrás, o Governo espera ir buscar 49.6 por cento a receitas fiscais e 43.6 por cento a empréstimos.
A vertente não petrolífera das receitas fiscais representa 23.1 por cento da receita. Trata-se de um valor elevado. Para 2017, o Relatório prevê crescimentos de 40 por cento no sector da energia, 7.3 por cento na agricultura, 2.3 por cento na construção, e 4.0 por cento na indústria transformadora. Pretende-se que estes crescimentos gerem a receita de impostos não petrolíferos que financiará o Estado, além dos empréstimos.
A sustentação destes números é irrealista. Quanto à energia, estima-se que o aumento de 40 por cento resultará da entrada em funcionamento das Centrais 1 e 2 de Cambambe; Central do Ciclo Combinado do Soyo e Central de Laúca. Quanto à primeira, as previsões apontam para o início da actividade plena em Dezembro de 2016, pelo que talvez venham a confirmar-se as previsões do Governo. Contudo, as obras estão a cargo da Odebrecht, cujos financiamentos foram alvo de recente suspensão no Brasil, pelo que a sua conclusão pode estar posta em causa. Assim relatava a Agência Brasil neste Outubro de 2016. Aliás, o mesmo se aplica à Central de Laúca.
Basta a Odebrecht não ter dinheiro para terminar as obras, que os pressupostos do OGE cairão por terra.
Por aqui se vê a perfídia da corrupção dos líderes políticos angolanos e brasileiros, e o modo como ela afecta o bem-estar do povo angolano. Quanto mais corrupção, menos bem-estar. Graças à corrupção, a conclusão destas obras pode ser adiada, e não se percebe porque é que o Relatório Preliminar não tem em consideração este risco.
Quanto à agricultura, estima-se uma subida na produção de cereais e frutas, e uma baixa abrupta na produção de leguminosas oleaginosas. Da nossa parte, apelamos a um especialista em agricultura para que nos explique estes movimentos produtivos, pois não existe fundamentação no Relatório além de lugares-comuns sobre “um conjunto de políticas que visam a promoção deste sector…” (p. 46).
Para terminar, destacamos uma bizarria no campo da indústria, onde, sem qualquer explicação, se projecta um crescimento de 4 por cento, quando em 2016 este sector se manteve recessivo, com um decréscimo de 3.9 por cento. Isto quer dizer que se prevê para 2017 uma recuperação de 7 por cento, o que não é de todo realista e parece assentar apenas na entrada em funcionamento das barragens acima mencionadas.
Em resumo, este orçamento, fora o petróleo, aposta em duas fichas: a dívida e a entrada em funcionamento pleno das barragens de Cambambe e Laúca.
Obviamente, estamos perante um perigo claro, presente e imediato.

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