A ODEBRECHT E A OCUPAÇÃO SELVAGEM DE TERRAS EM ANGOLA
Há uns anos, o presidente José Eduardo dos Santos afirmou que a Odebrecht (multinacional brasileira) era um dos grandes amigos de Angola. Tal afirmação de caução presidencial a uma empresa privada foi caso raro, se não único, tal como era estranha a audiência habitual que Dos Santos concedia aos dirigentes máximos da Odebrecht. Muitas vezes se especulou sobre qual seria a real natureza das relações do ditador-presidente angolano com a empresa brasileira, chegando a admitir-se que aquele seria accionista desta.
Mas o que nos interessa aqui são os abusos cometidos em parceria com as autoridades angolanas em Angola.
Ocupação selvagem de terras no Kwanza-Sul
Uma primeira situação concreta liga-se a factos ocorridos no município do Sumbe, província do Kwanza-Sul, objecto de uma participação criminal de Setembro de 2016 referente a danos, denúncia caluniosa qualificada e injúrias. Esta queixa foi apresentada por uma Cooperativa de Organização Comunitária do Sumbe, alguns dos seus membros e outros cidadãos contra Alexandre Almeida Bastos, director da Odebrecht, e outros incertos.
No centro da contenda está uma ocupação de terras e destruição de lavras no bairro da Chicucula, no Sumbe, que teve lugar a partir de Maio de 2015.
Contam os queixosos que funcionários da Odebrecht lhes invadiram as terras e destruíram as lavras. Os locais exigiram documentação formal que desse legitimidade à Odebrecht para ocupar os terrenos, documentação essa que os funcionários da Odebrecht rapidamente obtiveram da administração provincial. Munidos desses documentos, os funcionários da Odebrecht quiseram desocupar os terrenos e as lavras pela força. A população resistiu como pôde, e a Odebrecht desistiu daquele método de ocupação. Mas engendrou outro plano.
Em Março de 2016, os sobas da região foram convocados para uma reunião com figuras oficiais, entre as quais se destacava um vice-governador da província do Kwanza-Sul, vários administradores municipais e comunais, e um brigadeiro da Marinha de Guerra de Angola.
Foi-lhes dito que iriam ser desalojados das suas terras, a bem ou a mal, porque a Marinha de Guerra iria fazer um porto e ocupar os terrenos para as suas actividades.
Tendo-se manifestado contra tais intenções, os sobas foram demitidos pelas autoridades estatais e substituídos por uma Comissão da confiança do poder. Noutras reuniões posteriores com as populações, surgiram militares que apontaram as suas armas carregadas a quem protestou.
Na verdade, a Odebrecht pretendia ocupar o bairro da Chicucula para construir um condomínio. Perante a oposição das populações, chamou o governo, que se fez espaldar na força da Marinha de Guerra, colocando militares armados nos terrenos, destruindo as culturas, demitindo os sobas, intimidando as populações com armas.
Como bem se vê, os interesses privados da Odebrecht são defendidos pela força das armas públicas, existindo uma clara protecção dos negócios da Odebrecht por parte do Governo angolano. Trata-se de pura selvajaria, e faz lembrar o colonialismo do século XIX, quando as empresas majestáticas utilizavam a força pública para ocupar e desalojar os nativos das suas terras. Pensava-se que a independência tinha acabado com essa exploração colonial. Afinal, apenas mudaram os donos das empresas (ou, se formos ver bem, nem isso).
Odebrecht e Angola na mira dos procuradores americanos
A outro nível, temos a Odebrecht como ré numa acção proposta pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, por violação de várias leis norte-americanas. Trata-se da acção USA x Odebrecht (US District Court-Eastern District of New York).
Em termos muito simples, essa acção explica-se da seguinte maneira:
A Odebrecht é acusada de violar o Foreign Corrupt Practices Act de 1977, lei norte-americana contra a corrupção praticada no exterior por empresas com alguma ligação aos EUA. Neste caso, a Odebrecht é acusada de ter subornado entidades estrangeiras para obter vantagens nos países em que opera.
A este propósito, note-se que já escrevemos variadas vezes no Maka Angola sobre os perigos que as empresas com ligações aos EUA correm ao operar no presente contexto em Angola.
No caso específico, a folhas 17, ponto 47, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América (que corresponde a um misto de Ministério da Justiça e Procuradoria-Geral da República no sistema angolano) acusa a Odebrecht de ter corrompido, entre 2006 e 2013, membros do governo, não identificados na petição, com 50 milhões de dólares, para obter benefícios no valor de 260 milhões de dólares.
Estes valores são aqueles acerca dos quais o Departamento de Justiça norte-americano tem provas sustentáveis em tribunal. Tão sustentáveis são, que a Odebrecht já concordou em pagar uma multa de muitos biliões aos americanos, como punição pelos seus actos de corrupção em vários países, entre os quais Angola.
Resumindo os factos aqui apresentados: a Odebrecht é uma empresa activamente corrupta que opera em Angola. Cabe agora desvendar quem são os respectivos corruptos angolanos — a investigação norte-americana tem dados sobre eles — e puni-los de acordo com a lei.
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