AS ELEIÇÕES DE 2017 E A DEMOCRACIA EM ANGOLA
Haver eleições num país não significa que esse país seja democrático. Actualmente, quase todos os países mais ou menos ditatoriais, brutais ou autoritários procedem a eleições. Na República Islâmica do Irão, um regime denominado teocrático, há eleições para vários órgãos, como a presidência da República ou o Parlamento, embora o poder final e soberano não resida neles. A China também se orgulha do seu processo democrático de base. As eleições tornaram-se um adereço de qualquer governo. Contudo, muitas vezes não servem para nada, a não ser frustrar os desejos da população e acelerar uma revolução política por outros meios.
Angola está a atravessar um momento desta natureza. Tem eleições marcadas, as pessoas desejam mudança. Oxigénio real e não oxigénio saído das botijas do poder. E, contudo, poucos acreditam que essa mudança provenha das eleições. Será outro evento que, um dia, promoverá a mudança.
Não devia ser assim. A teoria da representação política democrática cria um vínculo forte entre poder e eleições. A votação deveria determinar a vontade, organização e actividade do poder político.
Por isso, os cidadãos angolanos não só têm o direito de participar nas eleições, como também deveriam ter o direito de saber por si próprios se o processo eleitoral é válido. É a validade do processo eleitoral que garante a legitimidade necessária para o exercício do poder político.
Para que as eleições respeitem os seus objectivos democráticos e sejam válidas, devem ser autênticas.
É justamente a autenticidade das eleições que está em causa neste Agosto de 2017 que se aproxima. A autenticidade das eleições baseia-se em dois princípios essenciais:
i) Integridade;
ii) Credibilidade.
Integridade implica que todos os votos são contados para o cálculo dos resultados e que o partido que cada eleitor escolheu é o que aparece no seu voto e na tabulação final. Não pode haver distorção entre o momento da escolha e o resultado. Trata-se de um princípio vinculado à estrutura interna do processo eleitoral, que procura garantir que cada voto vale e corresponde ao que foi emitido.
A credibilidade assume uma expressão externa e está ligada à necessidade de a comunidade política ao redor se sentir confiante no processo eleitoral. A credibilidade é baseada na percepção pública de que o processo eleitoral não tem interferência externa, e de que os resultados são verdadeiros.
Saber que o processo eleitoral decorre de forma autêntica é a base para a confiança da população nas eleições e nos seus governos. Em suma, não basta haver eleições, é necessário que os seus resultados sejam confiáveis.
O que foi descrito acima como fundamental para o processo eleitoral não está, contudo, a acontecer em Angola.
Hoje Angola é formalmente uma democracia, mas a realidade é que se trata de uma democracia “falsa”, com um partido quase único que dominou o Estado e um presidente no poder durante os últimos 37 anos. As características democráticas básicas da independência judicial, do Estado de Direito ou dos direitos das minorias não são respeitadas. Os direitos humanos são muitas vezes violados. E os resultados das eleições correspondem sempre ao esperado, e atribuem consecutivamente uma confortável maioria ao partido presidencial.
Acontece que o país está num beco sem saída devido a pressões económicas e sociais. Para evitar uma revolução ou a renovação de um confronto intenso, as eleições devem ser uma resposta e não uma parte do problema.
É por estas razões que o processo eleitoral em curso tem que ser revisto do ponto de vista da credibilidade.
Deve ser autorizada a participação de instituições plurais e de controlos variados, por exemplo:
– Contagem local e imediata dos votos, com anúncio dos resultados, excepto nos sítios onde haja perigo de ataque de leões ou outras feras.
– Participação de organizações civis, como a Igreja, os jornais e portais livres, enquanto partes integrantes do processo de certificação do registo eleitoral, de contagem de votos e de publicação dos resultados.
– Existência de vários órgãos e agentes eleitorais, e não apenas a CNE ou o MAT.
Um sistema caracterizado pela espontaneidade, pelo pluralismo na certificação dos resultados e com uma alargada participação e deliberação de pessoas de diferentes sectores da sociedade é a única forma de garantir credibilidade às eleições. Caso contrário, estas não servem para nada, e a mudança acontecerá por outros meios.
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