O CASO TCHIZÉ E O FIM DA IMPUNIDADE ANGOLANA EM PORTUGAL
Em 7 de Junho de 2017, o desembargador Ricardo Cardoso, do Tribunal da Relação de Lisboa, tomou uma decisão em relação à investigação criminal que corre em Portugal contra Tchizé dos Santos, no âmbito do processo de inquérito n.º 208/13.9. Embora o documento elaborado seja extenso, com cerca de 100 páginas, cinco delas são de fundamental importância, e que merecem uma leitura atenta.
A importância desta decisão extravasa a investigação a Tchizé, pois pode representar o fim da impunidade dos negócios angolanos em Portugal, e a obrigatoriedade, doravante, de, em relação a todas as PEP (Pessoas Expostas Politicamente) como Isabel dos Santos, Tchizé, Kopelipa, Higino Carneiro e muitos outros, existir um efectivo escrutínio acerca da origem do seu dinheiro quando investem em Portugal.
O Tribunal de Relação de Lisboa considera que Portugal não pode ser “porto de abrigo” para “senhores do crime”, “barões da droga” ou “modernos piratas internacionais do crime organizado”, equiparando a eventual circunstância dos oligarcas angolanos aos tempos de uma lei inglesa de 1662, a qual oferecia aos antigos piratas que declarassem renunciar à actividade corsária um perdão total que, todavia, lhes garantia o direito de manter o produto dos seus saques. Trata-se efectivamente de uma comparação duríssima para os actuais senhores de Angola, assim colocados ao nível dos piratas do século XVII.
A doutrina expendida é muito simples. A partir de agora, Portugal arroga-se o poder de investigar qualquer movimento financeiro dos senhores de Angola, mesmo que não exista qualquer procedimento criminal contra eles no seu país de origem. Basta a suspeita de que o dinheiro tenha sido obtido de forma corrupta ou ilícita em Angola, e depois introduzido no território português, para que as autoridades portuguesas possam investigar a origem dos fundos. Repetimos, de modo que não haja margem para equívocos: para que Portugal investigue os dinheiros de Angola, deixou de ser necessário que exista qualquer caso criminal em Angola; basta que o dinheiro surja a circular em Portugal.
É portanto inegável a importância e o alcance deste acórdão. A partir de agora, nenhum investimento angolano realizado por pessoas com ligações ao poder, como Isabel dos Santos, Filomeno dos Santos, Leopoldino do Nascimento, Kopelipa e tantos outros políticos-generais angolanos, está isento de ser investigado pelas autoridades portuguesas quanto à origem legal ou ilegal dos seus fundos. Já não basta uma certificação da procuradoria-geral da República de Angola afirmando que não decorre qualquer investigação dentro de fronteiras.
De acordo com esta decisão histórica, Tchizé continuará a ser investigada pelos mais de dois milhões de euros que introduziu em Portugal. Contudo, o mais importante aqui não é tanto o que vai acontecer ao caso de Tchizé, mas aquilo que pode acontecer em relação aos outros casos; a todos os casos que envolvam ou venham a envolver personalidades angolanas. O patamar de exigência em relação à transparência do dinheiro que os membros do regime angolano aplicam em Portugal acabou de ser elevado radicalmente, e a partir de agora a justiça portuguesa passará a combater estes aspirantes a novos piratas ingleses do século XVII.
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