TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DESAUTORIZA DOS SANTOS
Em Abril de 2015 tínhamos alertado no Maka Angola para a aberração jurídica que era o Decreto Presidencial n.º 74/15, de 24 de Março que impunha um regime putinesco (Putin) ao funcionamento em Angola das ONGs (Organizações Não Governamentais).
Esse Decreto era mais uma forma do regime controlar o pensamento e a expressão livres. Escrevíamos “O decreto presidencial angolano detém uma série de mecanismos que tornam praticamente impossível o trabalho independente e imparcial, enquanto representantes da sociedade civil, por parte das ONG”.
Muito bem andou a Ordem dos Advogados de Angola ao exercer as suas prerrogativas legais e requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação da inconstitucionalidade dessa norma jurídica.
O primeiro ponto alegado pela Ordem junto do Tribunal Constitucional era que o Decreto extravasava o âmbito da competência do Presidente da República porque este estava a legislar em matéria de direitos fundamentais que é da exclusiva competência da Assembleia Nacional. Dito de outro modo, o Presidente estaria a tratar de matéria que não lhe dizia respeito e em que estava proibido de interferir.
A 5 de Julho de 2017, no processo n.º 550-C/2017 o Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão n.º 447/2017 em que dá razão à Ordem dos Advogados e declara o referido Decreto Presidencial inconstitucional porque a matéria tratada nele é da competência da Assembleia Nacional e não do Presidente da República.
Este é um marco histórico, depois de anos e anos a ser deferente face ao Presidente da República, o Tribunal Constitucional assume frontalmente que este violou a Constituição e se imiscuiu em matérias para as quais não tinha competência.
Todos nós sabemos que esta é a prática corrente do PR: um desrespeito generalizado pelas formulações constitucionais e legais. Basta pensar nas adjudicações de empreitadas de grandes obras públicas aos seus filhos sem qualquer procedimento de contratação pública, que temos denunciado sistematicamente.
Agora, o Tribunal Constitucional parece com este julgamento colocar um ponto final no “imperialismo jurídico” da Presidência da República.
A argumentação do Tribunal é muito simples. De acordo com a Constituição, artigo 120.º, l) o Presidente tem poder regulamentar, quer isto dizer que pode emitir normas jurídicas, mas estas têm que ser desenvolvimentos de leis. Não pode emitir normas jurídicas que na prática tratem de novos assuntos ou mudem aquilo que está nas leis.
Ora no caso vertente, existia uma Lei, aprovada pela Assembleia Nacional, a Lei das Associações Privadas. Acontece que o Decreto Presidencial vai versar sobre essa matéria mas contém matéria diferente e nova. E isso não pode acontecer. O Presidente pode desenvolver, explicitar ou concretizar a Lei, mas não pode mudá-la ou criar ele próprio normas novas, afirma o Tribunal Constitucional. E isso, assevera está vedado ao Presidente, enumerando em detalhe os pontos do Decreto de José Eduardo dos Santos que mudam ou vão além da Lei da Assembleia Nacional.
E remata de forma incisiva “O que se questiona é a forma de fazê-lo [mudar a lei das associações privadas]. Não pode ser por via de um regulamento do Poder Executivo. Tem que ser por via de uma lei do Poder Legislativo, porque legislar em matéria de liberdades fundamentais (como é o caso da liberdade de associação), e de associações (como é o caso das ONGs) é reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia Nacional (alíneas a,b, c e l) do artigo 164.º da CRA.
Assim, o Tribunal Constitucional não tem dúvidas em declarar a inconstitucionalidade orgânica [por ter sido feito pelo órgão errado – o Presidente da República] do Decreto Presidencial.
Do ponto de vista legal, este Acórdão é uma afirmação da separação de poderes e da necessidade de se respeitarem os “checks and balances” (freios e contra-pesos) existentes na Constituição Angolana.
Do ponto de vista político, fica-nos uma dúvida.
O Tribunal Constitucional não se tem pautado, no passado, por uma jurisprudência afirmativa da Constituição, optando geralmente, embora com excepções, por uma atitude deferente face ao poder político.
Manifestamente, poderá ser inédito este “bater o pé” directamente ao Presidente desta forma. Não temos memória de tal ter acontecido, embora só uma pesquisa aos vários Acórdãos do Tribunal Constitucional possa confirmar ou não esta asserção.
O que explicará esta assertividade do Tribunal Constitucional?
Um reflexo da opinião pública generalizada de que este Presidente e os seus desmandos chegaram ao fim e que é preciso “pôr ordem na casa”?
Ou estamos perante um adicional condicionamento ao novo Presidente a ser eleito a 23 de Agosto, avisando-o que doravante vai ser vigiado intensivamente pelo Tribunal, não podendo exercer de facto, a mesma presidência “imperial” que José Eduardo dos Santos exerceu?
Não acreditamos que esta decisão seja inocente do ponto de vista político.
É um reflexo dos ventos de mudança que sopram em Angola.
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