MORREU O REI
Eusébio da Silva Ferreira, 71 anos, glória do Benfica, morreu esta madrugada devido a uma paragem cardio-respiratória.
Fonte: Diário Economico
Divulgação: Planalto De Malanje Rio Capôpa
05.01.2014
Génio, ídolo, património nacional, embaixador, estátua viva - tudo isto está associado ao nome mítico de Eusébio da Silva Ferreira que fez História no Desporto e muito além dele, ganhou dimensão planetária, encheu de alegria os corações dos adeptos, alterando o próprio curso histórico do futebol português e internacional. Portugal e o Benfica conquistaram respeito pelos relvados do Mundo fora com as suas jogadas magistrais, os seus remates invulgares, os golos inesquecíveis. Aos 71 anos, o generoso coração de Eusébio parou. Mas os seus feitos vão perdurar na memória colectiva.
África e as ruas pobres do bairro da Mafalala, na então Lourenço Marques, em Moçambique, foram, na década de 50, os primeiros palcos de expressão para o futuro talento do futebol mundial. Bola de trapos, pés descalços, o futebol era o passatempo favorito com os amigos. Laurindo, o pai que era angolano, morrera de tétano aos 35 anos, após uma vida de trabalho nos caminhos-de-ferro moçambicanos, tendo sido a mãe, Dona Elisa Anissabana, a cuidar sozinha da educação dos filhos.
Entre os 12 e os 15 anos, depois de o cauteleiro Chico dar notícia das suas qualidades, foi num clube chamado "Os Brasileiros", ainda no bairro, que começou o brilhante trajecto. Porém, depressa iria chegar o interesse do Sporting através da filial de Lourenço Marques, após indicação de Hilário - amigo dos irmãos mais velhos de Eusébio -, que jogaria no clube de Alvalade. O menino preferiu o Desportivo, filial do Benfica, mas as duas experiências correram mal, foi rejeitado e, por isso, entrou no rival e ali jogou durante três anos.
Do duelo ao primeiro aviso
Com 18 anos já não restavam dúvidas quanto às suas reais capacidades, mas de Lisboa chegaram indicações de que o Sporting pretendia experimentá-lo. Seria Dona Elisa a decidir que o filho só viajaria para Portugal com um contrato assegurado. Isso mesmo foi apresentado pelos enviados do Benfica e, a 17 de Dezembro de 1960, Eusébio chegou à capital portuguesa para jogar na Luz.
No entanto, durante cinco meses ainda decorreu um mini-folhetim rocambolesco a propósito da contratação - o documento de desvinculação não chegava do Sporting de Lourenço Marques, as diversas entidades analisavam o assunto e a oficialização tardava. Até que, a 13 de Maio de 1961, por 400 contos, a filial moçambicana dos sportinguistas enviou mesmo o documento e o assunto ficou resolvido.
Passaram 10 dias até ao primeiro jogo com a camisola do Benfica, a 23 de Maio de 1961, frente ao Atlético (três golos na vitória por 4-2), mas já não foi a tempo de ser integrado na equipa que, um dia depois, rumou a Berna para conquistar o primeiro título europeu com o Barcelona. A estreia oficial no campeonato processou-se a 9 de Junho e Eusébio contribuiu com um golo para a goleada ante o Belenenses (4-0).
Uma semana mais tarde, no Torneio de Paris, aconteceu o primeiro encontro com o Rei Pelé, de quem seria amigo pela vida fora, e logo de modo marcante: o Benfica defrontava o Santos, perdia por 0-5, Eusébio entrou e, em cerca de um quarto-de-hora, apontou três golos, além de sofrer uma grande penalidade falhada por José Augusto. No final, o resultado seria de 6-3, mas o aviso internacional estava feito.
Instinto desequilibrador
A partir daqui, as espectaculares acções de Eusébio, a potência dos remates, a estonteante velocidade, os dribles desequilibradores, mudaram um pouco de tudo. No futebol português, a hegemonia começada pelo Sporting dos Cinco Violinos transferiu-se para a Luz, traduzindo-se na conquista de 11 títulos e cinco Taças; na Europa, dois golos na final da Taça dos Campeões Europeus de 1962, com o Real Madrid do seu ídolo Alfredo di Stéfano, valeram-lhe a Bola de Prata europeia, apenas atrás do checo Masopust (vice-campeão mundial frente ao Brasil) - ganharia o troféu em 1965, após a final europeia em que foi derrotado pelo Inter, perdendo o do ano seguinte por um ponto (jogara a final da Taça dos Campeões em 1963 ante o Milan e jogaria a de 1968 com o Manchester United, perdendo ambas); no Mundo, aos 25 anos, o papel que interpretou na campanha dos Magriços, tornando-se melhor marcador do Mundial em que Portugal garantiu a melhor presença de sempre (terceiro lugar) com nove golos, abriu as portas para um respeito universal que é eterno.
Um ano antes, a Juventus apresentara uma proposta fabulosa para o contratar e tudo parecia decidido quanto à sua saída. Contudo, seria o próprio Salazar a interpor-se na decisão, recusando a transferência com o argumento de que Eusébio era "património nacional". Em 1966, cerca de um ano depois do casamento com Flora, o Inter convidou o casal para passar mini-férias em Milão com o objectivo de convencer Eusébio a ficar. Dessa vez só o Mundial evitou a saída, pois a Itália foi afastada pela Coreia do Norte e os responsáveis italianos vetaram a entrada de jogadores estrangeiros.
Dos 75 jogos e 57 golos nas competições europeias, a maior parte (65 encontros e 46 golos) foram na Taça dos Campeões, sinal evidente de um desempenho histórico. Na selecção nacional foi, durante muitos anos, líder com 64 jogos e 41 golos, além de ter sido convidado para selecções da FIFA (quatro) e da UEFA (cinco). Em 1972, na Minicopa realizada no Brasil, ainda ajudou Portugal a chegar à final, perdida (0-1) com o país anfitrião. Tudo somado, a carreira fez-se com mais de 700 jogos e 1.137 golos, 320 dos quais no campeonato nacional, 317 pelo Benfica. E chamaram-lhe Pantera Negra.
Para sempre
Em 1976, depois de seis dolorosas intervenções cirúrgicas no joelho esquerdo, fez o último jogo pelo Benfica. Ainda voltou a recusar o Sporting antes de actuar pelo Beira-Mar. Seguiu-se percurso no futebol norte-americano e o final da carreira no União de Tomar. Voltaria à Luz na década de 80, primeiro nas equipas técnicas de Sven-Goran Eriksson, mais tarde como embaixador do clube e, num papel mais recente, enquanto embaixador da Federação.
Uma vida feita de alta intensidade deixou marcas e o coração lançou vários avisos ao mito até falhar esta madrugada. "A minha infância foi igual à de tantos e tantos miúdos", contava Eusébio. Como um miúdo, chorou de tristeza na derrota com os ingleses que o afastou da final do Mundial em 1966. Como um miúdo, chorou de alegria ao ver a selecção qualificar-se para a final do Europeu em 2004. Como miúdos choramos todos nós agora, unidos no respeito a um fenómeno incomparável.
Currículo
Eusébio da Silva Ferreira
Data de nascimento: 25 de Janeiro de 1942, em Lourenço Marques (actual Maputo), Moçambique
Clubes: Benfica, Beira-Mar, Rhode Island Oceaners, Boston Minuttemen, Monterrey, Toronto Metros, Las Vegas Quicksilver, New Jersey Americans e U. Tomar
Taça dos Campeões: 1961/62
Liga: 11 títulos (60/61, 62/63, 63/64, 64/65, 66/67, 67/68, 68/69, 70/71, 71/72, 72/73 e 74/75)
Taça de Portugal: 5 troféus (61/62, 63/64, 68/69, 69/70 e 71/72)
Melhor marcador da Liga em 63/64 (28 golos), 64/65 (28), 65/66 (25), 66/67 (31), 67/68 (42), 69/70 (21) e 72/73 (40)
Selecção: 64 jogos/41 golos (melhor marcador no Mundial 66 com nove golos)
Bola de Ouro: 1965
Bota de Ouro: 67/68 (42 golos) e 72/73 (40 golos)
Provas da UEFA: 75 jogos/57 golos
Campeonato da NASL (liga norte-americana): 1976
Medalha de prata da Ordem do Infante D. Henrique (1966); Grande Colar do Mérito Desportivo (1981); Águia de Ouro do Benfica (1982); Grande Colar de Honra ao Mérito Desportivo (1990); Ordem do Infante, medalha de ouro da cidade de Lisboa e estátua no Estádio da Luz (1992); Ordem de Mérito da FIFA (1994); Terceiro melhor jogador do século XX para a FIFA, a seguir a Pelé e Maradona (2000).