Do sector de Cafunfo à sede do município do Cuango vai uma distância de 50 quilómetros, uma região rica em diamantes e um flagelo de miséria e abusos.
Por volta das 9h30, cerca de 40 moto-taxistas convergiram junto da administração municipal do Cuango, na província da Lunda-Norte, para protestarem contra as práticas de extorsão a que têm sido sujeitos diariamente no referido trajecto.
“A Polícia Nacional tem montado três controlos nessa via e todos os moto-taxistas têm de pagar diariamente 500 kwanzas (US $5) em cada posto e mais 500 à fiscalização da administração municipal para podermos circular”, denunciou um dos manifestantes, Majingo Serafim, de 37 anos.
Uma viagem de motorizada, no percurso Cafunfo – Cuango, custa 1,500 kwanzas. O motorista não tem garantias de fazer a viagem de regresso com passageiro, para ficar com um terço das receitas.
“O que ganhamos tem de servir para o combustível, manutenção da motorizada e para o nosso sustento. Ficamos sem nada”, explicou o manifestante.
Majingo Serafim foi lacónico: “Nós aqui somos escravos das autoridades”.
Maka Angola recolheu, há dias, um caso que ilustra as consequências de que são alvo os moto-taxistas que não pagam.
A Emboscada
A extorsão tem sido a palavra de ordem na relação entre a Polícia de Trânsito e os automobilistas e motociclistas na região do Cuango.
Por causa de 500 kwanzas, David Xavier Changuvo, de 30 anos, caiu numa emboscada montada por agentes da Polícia de Trânsito, que lhe causou graves ferimentos no rosto, mãos e na zona abdominal. O passageiro Tony Justino continua hospitalizado com sérios ferimentos num dos membros inferiores.
O incidente aconteceu a 30 de Dezembro passado, por volta das 20 horas, no bairro Cambambe-Camazanga, a 25 quilómetros da sede do município do Cuango, na província da Lunda-Norte.
“A polícia montou a emboscada com um varão de ferro que atravessou a estrada. Quando eu ia a passar, à noite não vi o ferro e caí da motorizada” disse o moto-taxista.
“Um dos agentes atingiu-me com uma moca na cabeça, mesmo depois de eu já estar no chão a sangrar”, descreveu a vítima. “Ele [agente aggressor] acusou-me de ter tentado fugir sem pagar os 500 kwanzas de dívida, por isso bateu-me”, acrescentou.
Segundo David Changuvo, três agentes policiais haviam exigido, no mesmo controlo, o pagamento da “taxa de extorsão” de 1,000 kwanzas, por volta das 15h00. Por falta de dinheiro e clientes, pediu emprestado 500 kwanzas que entregou aos agentes, com a promessa de, no regresso, efectuar o pagamento do remanescente.
O controlo, montado numa baixa junto ao Rio Kindongo, localiza-se praticamente na mata, enquanto o bairro se situa acima, a umas centenas de metros.
“Eu não vi nada. Não havia sinal nenhum de controlo ou de polícia”, referiu o
motociclista.
Os sobas do bairro, Cambambe e Luhane, acorreram ao local do acidente e responsabilizaram a agente Marisa, que comandava o posto, acompanhada por dois agentes da ordem pública.
“Nós obrigámos a Marisa a evacuar os acidentados. Ela não queria. Obrigámo-la e ela pagou os 2,000 kwanzas a dois motociclistas que levaram, cada um deles, o meu sobrinho David e o outro jovem a Cafunfo”, explicou o soba Luhane ao Maka Angola, por via telefónica.
O Soba Luhane referiu ainda que a agente reguladora do trânsito chamou por reforços ante o descontentamento crescente da comunidade local. Pouco depois apareceu no local uma patrulha policial que, ao ser informada sobre o incidente, ignorou o caso.
Maka Angola conversou, por via telefónica, com a agente Marisa que apresentou uma versão diferente da ocorrência. “A instância superior indicou para montarmos os postos como medida de prevenção. É a negligência dos motociclistas e motoqueiros que os faz cair”.
À pergunta sobre a emboscada e a evacuação dos feridos, a agente disse: “Não sei como ele caiu. Quando há um acidente, o agente tem de socorrer o sinistrado e foi o que o regulador do trânsito fez”.
Entretanto, ao segundo telefonema, a agente Marisa lembrou-se melhor do incidente e disse que o jovem transportava “mais três elementos na motorizada, teve medo de ser parado pela polícia, preferiu romper os cones, um dos cones encravou na perna de um deles e caíram todos”.
“Não vejo onde está a culpa da polícia”, disse a agente.
“É tudo mentira”, reagiram os sobas ao Maka Angola. “Nós também somos do governo e temos de falar a verdade. Como podem quatro pessoas viajar mais de 25 quilómetros na mesma motorizada?”, interrogou-se o soba Luhane.
No mesmo dia, perto das 13h00, David Changuvo foi impedido de prosseguir viagem, de Cafunfo à sede do Cuango, no posto de controlo policial de Katewe. “Tive de pedir emprestado 1,000 kwanzas a um colega, paguei e passei”.
A região do Cuango é mercada pela abundância de diamantes, miséria e desemprego. Todos os actos de sobrevivência por parte dos locais representa sempre um risco elevado diante da arbitrariedade das autoridades locais, das empresas diamantíferas e das empresas privadas de segurança.
Os motociclistas, na região, têm rendimentos médios diários de 2,000 kwanzas e metade vai para os agentes da polícia.
“Vou sobreviver como agora? A motorizada ficou destruída”, lamentou a vítima.
A marginalização, exploração e espoliação das populações nas Lundas não tem equivalente na história de Angola independente. A região é um cativeiro para as comunidades locais, onde os desmandos das autoridades são a lei e a ordem.