sábado, 22 de outubro de 2016

LUANDA: O Estado Da Nação E A Burrice Dos Angolanos

O ESTADO DA NAÇÃO E A BURRICE DOS ANGOLANOS

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Excelência,
A essa hora deve ser enorme o alívio que sente, depois da expectativa gerada em torno do seu discurso sobre o Estado da Nação. Vários jovens pediram-me para analisar o que julgam já ter sido uma desilusão. Esperaram tanto para nada, e agora lamentam.
Ouvi também o Sr. Samakuva, líder da oposição, referir-se ao seu discurso como evidência do seu desconhecimento da realidade.
Por sua vez, os seus defensores brindaram a sociedade com análises que levaram as pessoas a tentar, por si próprias, perceber o que se passa na cabeça do presidente.
Há ainda os estrangeiros que se surpreenderam com o seu ataque aos Estados Unidos da América. Esses estado-unidenses que tanto esforço têm feito, do ponto de vista político e da saúde dos angolanos, através do programa de luta contra a malária, para serem seus amigos. A malária e a corrupção são as principais causas da morte desnecessária de milhares de angolanos por ano. É na luta contra a corrupção que o camarada presidente se encontra isolado, a lutar contra os seus próprios demónios.
Partilho do seu alívio. Ambos conhecemos muito bem a memória curta que define o comportamento da sociedade angolana em relação ao seu governo. Dois, três dias, no máximo, é quanto basta para o povo ignorar a realidade. É aqui que o Sr. Samakuva perde a razão na análise da sua pessoa. Tanto o Sr. presidente como o povo conhecem muito bem a realidade, apenas a ignoram.
Como não espero nada do Sr. presidente, nem mesmo a sua saída voluntária do poder ou por vontade popular, prefiro conversar consigo. Sei que me ouve e que procura com muito esforço ignorar-me, mas a colisão constante entre a minha vocação de cidadania e o seu exercício do poder aproxima-nos cada vez mais.
Excelência,
Melhor do que ninguém, o Sr. sabe que a raiz dos males que agora o acusam de ser o executor está no núcleo da sociedade angolana: a família. Toda essa expectativa gerada em torno do seu discurso não é senão um acto de desespero dessas mesmas famílias, que agora não sabem como justificar o seu apego à teoria do fingimento enquanto a ideologia que sempre permitiu aos angolanos evitar responsabilidades pelo bem comum.
Há muito que nos dedicamos à teoria do fingimento. Essa é a teoria da ausência de responsabilidade individual pelo Estado da Nação. É a teoria que reproduz a mentalidade de colonizados e submissos ou de neocolonizadores e opressores sob a capa do medo, para os primeiros, e da autolegitimidade e do “direito de exclusividade”, para os segundos. É justamente aqui que a família desempenha um papel instrumental na manutenção do complexo de inferioridade da maioria dos angolanos, em relação à minoria instalada no poder.
Foi no seio das famílias que a ditadura, a corrupção, a desumanização e a indignidade dos angolanos – esses males que hoje definem a sua presidência, o seu regime e a sua pessoa – encontraram terreno fértil. Lembro que lacrimejei com o relato do major João Raul Domingos (reformado) sobre o seu testemunho de um episódio dos massacres do 27 de Maio de 1977. Um conhecido comissário (governador) provincial, para provar a sua lealdade a Agostinho Neto, dirigiu-se ao salão nobre do Ministério da Defesa, então transformado em cela, sacou da pistola e ali, diante de todos, fuzilou o seu próprio filho, então suspeito de ter conspirado com os apoiantes de Nito Alves.
São as famílias que impedem os seus filhos de pensar diferente. São as famílias que entregam os seus filhos para servirem como agentes da polícia e do exército, esses mesmos que hoje se viraram contra o povo e que agem como força de ocupação. É só apreciar os processos de demolições contra os pobres levados a cabo por forças policiais e militares, o esbulho de terras e a corrida diária contra as zungueiras (aproveite e instale no seu telemóvel o jogo Zungueira Run – Zungueira Foge – e teste a sua agilidade para fugir dos fiscais com uma bacia de frutas na cabeça).
A culpa não é sua, Sr. presidente.
Posso apenas imaginar como muitos o invejam por ter sido capaz de nos manter burros por tanto tempo, apesar de nem sequer o Sr. presidente ser brilhante, ou perto disso.
A verdadeira segurança de Estado reside nos pais que censuram os filhos, nos tios, primos e amigos que “aconselham” os seus entes queridos a não se meter em política, a não contestar, a ficarem à espera.
O povo não tem noção do que é o Estado. O Sr. tem sido hábil a hipnotizar as massas. Esse povo sem rosto, na sua ignorância ou no seu fingimento, julga ou age como se o Estado fosse propriedade do presidente ou do MPLA. Por isso o povo não percebe, ou, mais uma vez, finge que não percebe, que a corrupção e o medo são as principais causas da mortandade anual entre os angolanos. A malária, que é acusada de ser a principal causa de morte oficial no país, é uma consequência da falta de saneamento básica e da corrupção no sector da saúde. Por exemplo, Angola tem a maior taxa de mortalidade infantil do mundo. Alguém poderá dizer que essas almas inocentes morreram porque não tinham medo de afrontar o poder? Essas malogradas crianças desafiaram o camarada presidente?
Com essa mentalidade popular, Sua Excelência não teve medo de nomear os seus filhos para altos cargos de responsabilidade pública. O camarada José Eduardo dos Santos não teve medo de ir ao parlamento dizer absolutamente nada, porque sabe que 24 milhões de angolanos têm medo de si, porque não o conhecem e nem sequer percebem que, acordando, bastariam horas para o acompanhar até à sua casa particular, no Miramar ou no Morro Bento, e fixá-lo aí como reformado.
No Brasil, onde estive há dias, durante um encontro com jovens angolanos só ouvi lamentações sobre o seu governo, a oposição, a sociedade civil. Disse aos jovens que não tinham de esperar pela oposição. Fiz-lhes notar que, por exemplo, muitos destacados membros da UNITA passaram mais de 30 anos nas matas a lutar e, tal como o Sr. presidente, já estão em processo de reforma. Por isso, cabe às novas gerações a formulação de um novo pensamento, criatividade e coragem para assumirmos a responsabilidade comum de forjarmos o futuro de Angola.
Recordei-lhes então o grande hino brasileiro contra a ditadura, o happening: “Vem vamos embora que esperar não é saber / quem sabe faz a hora, não espera acontecer…”
Excelência,
Quem efectivamente exerce a repressão são as famílias angolanas.
O Sr. é apenas aquele que tem um olho em terra de cegos. Por isso, aproveite e goze o poder à vontade, faça e desfaça como melhor sabe. O povo continua burro.
Com admiração, endereço-lhe os meus melhores cumprimentos.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

LUANDA: Esquemas De Corrupção: Angola Em Tribunal Nos EUA

ESQUEMAS DE CORRUPÇÃO: ANGOLA EM TRIBUNAL NOS EUA

O embaixador de Angola nos EUA, Agostinho Tavares.
Corre no Tribunal Distrital e de Bancarrota de Washington, DC, capital dos Estados Unidos da América, uma acção cível para arresto dos bens da embaixada de Angola e congelamento das suas contas bancárias, movida pelo cidadão angolano Luís de Sousa, proprietário de uma pequena empresa de camionagem.
A acção deve-se, segundo o queixoso, a alegados esquemas de corrupção do embaixador de Angola nos Estados Unidos, Agostinho Tavares, na realização de obras de manutenção e melhoria da embaixada.
Maka Angola contactou o embaixador Agostinho Tavares, a quem enviou um questionário com 10 perguntas sobre as alegações apresentadas em tribunal. Incumbida pelo embaixador, a adida de imprensa respondeu que “o referido assunto está a ser acompanhado por um advogado constituído pela Embaixada de Angola nos EUA, em Washington, DC”.
Os factos, de acordo com a queixa
Maka Angola apresenta aqui um resumo do caso, conforme os documentos remetidos a tribunal e aos quais este portal teve acesso, assim como depoimentos de Luís de Sousa.
Em Julho de 2015, o embaixador Agostinho Tavares conversou com Luís de Sousa, no seu gabinete, para lhe propor um negócio: Luís de Sousa ficaria responsável por encontrar um empreiteiro que efectuasse obras de reparação na embaixada, incluindo no parque de estacionamento (sem aparente justificação, o anterior embaixador gastara 800 mil dólars no parque de estacionamento).
Luís de Sousa fez uma pesquisa online, que poderia ter sido feita por qualquer funcionário da embaixada, e para isso escolheu a J&C Builders. Acto contínuo, organizou para o dia seguinte o encontro entre os gerentes desta empresa e o embaixador. Na presença dos seus funcionários, Agostinho Tavares encarregou Luís de Sousa de receber as estimativas e acompanhar as obras. “Ninguém era suposto saber o valor ou ver os documentos [apresentados pela J&C Builders, excepto o embaixador e Luís de Sousa].”
“Em privado, o embaixador disse-me que iria viajar e que era necessário que eu assegurasse que ninguém na embaixada falasse com os funcionários da companhia de construção sobre o contrato ou o valor, uma vez que estavam a fazer uma investigação aos funcionários da embaixada”, explica o queixoso.
“A mim foi-me dito que, quando recebesse a proposta ou o contrato da J&C Builders, deveria adicionar mais 14 mil dólares como comissão”, continua Luís de Sousa.
A J&C Builders apresentou uma factura pró-forma de 79 mil dólares para pagamento das obras propostas pelo embaixador, adicionando os 14 mil dólares de comissão de Luís de Sousa. De forma expedita, metade do valor foi pago à J&C Builders para dar início às obras, incluindo a comissão, que a empresa entregou de seguida a Luís de Sousa.
Até aqui, o negócio parecia correr como previsto. Entretanto, o embaixador Agostinho Tavares pediu a Luís de Sousa para este solicitar à J&C Builders a sobrefacturação da obra no valor de 98,943 mil dólares, ou seja, mais uma “comissão” de 19,943 dólares, desta vez para o embaixador.
Entretanto, passado um mês, a J&C Builders decidiu que só continuaria a trabalhar após a assinatura de um contrato, e de mais uma tranche de pagamento, no valor de 25 mil dólares. Luís de Sousa entregou os 14 mil dólares da sua comissão à J&C Builders para que as obras não parassem, enquanto se aguardava pelo regresso do financeiro da embaixada, Nordine de Almeida, que devolveria o dinheiro. Entretanto, este emitiu um cheque de 33,943 mil dólares a favor da J&C Builders, que por sua vez emitiu um cheque de 30 mil dólares a favor de Luís de Sousa, tendo cobrado uma comissão de 10 por cento pela estranha transacção.
Luís de Sousa contactou a adida administrativa, Sandra Guerreiro, por sinal filha do embaixador, para se queixar da transacção, porque temia ter problemas com o fisco norte-americano.
Recebeu então uma resposta alarmante da filha do embaixador, segundo a qual era objectivo dela e do pai “quebrar a vontade desses cães [funcionários da embaixada]” para que , segundo transcrição da conversa, obedecessem às ordens da família Tavares sem questionar.
Mais alarmante ainda foi o pedido do embaixador para que Luís de Sousa lhe entregasse a comissão de 14 mil dólares e o dinheiro a mais no cheque de 33 mil dólares. Com esse pedido, o embaixador justificara-se, dizendo que devolveria o total de 33,943 mil dólares aos cofres da embaixada, “porque ele não queria que os funcionários da embaixada pensassem que ele estaria a fazer algo imoral”.
Exasperado com o esquema, Luís de Sousa emitiu um cheque de 19,943 dólares ao embaixador, para supostamente se livrar da confusão em que se viu involuntariamente metido. O embaixador lembrou a “amizade” que tinha pelo intermediário, acusou-o de querer ficar com o dinheiro da embaixada e recusou o cheque e o pagamento total do valor em questão. Exigia que Luís de Sousa fizesse levantamentos e lhe entregasse o dinheiro em mãos em pequenas quantidades. O interlocutor recusou-se a fazê-lo, por receio de problemas com o fisco, e o embaixador, aparentemente constrangido, ficou com o cheque.
Como demonstração de amizade, Agostinho Tavares pediu a Luís de Sousa que acrescentasse mais uma “micha” (comissão) de 10 mil dólares à factura da reparação de ares condicionados da embaixada, que o compatriota tinha efectuado através da sua empresa, Luenda Group.
O cidadão angolano Luís de Sousa, o queixoso contra a embaixada nos EUA.
O cidadão angolano Luís de Sousa, o queixoso.
Agostinho Tavares fez a recolha de todas as suas comissões, mais os 10 mil dólares da reparação dos ares condicionados, num total de 43,943 mil dólares. O embaixador e a filha decidiram que não assinariam qualquer contrato e que prescindiam do trabalho da J&C Builders, ficando Luís de Sousa, como intermediário, com a responsabilidade de pagar 25 mil dólares à essa empresa, para desobrigá-la do contrato e não ser processado.
Furioso por ter feito o trabalho e incorrido em perdas financeiras, Luís de Sousa, através dos seus advogados, enviou uma factura à embaixada a cobrar um total de 149,169 mil dólares pelos seus serviços, pelo dinheiro investido na compra de materiais e pelo pagamento dos trabalhadores. O genro do embaixador, Nito Nobel, também funcionário da embaixada e marido da secretária do pai, envolveu-se no assunto, fazendo telefonemas ameaçadores a Luís de Sousa. O agente consular da embaixada, Lutuíma Tavares, também filho do embaixador, meteu-se igualmente no barulho, mas para moderar o conflito.
O segundo engano
Deprimido pela perda de dinheiro e com o esquema do embaixador, Luís de Sousa surpreendeu-se quando este lhe ligou a convidá-lo para um encontro no seu gabinete, a 11 de Janeiro passado.
Tratou-o por “filho” e ofereceu-lhe um contrato maior para recuperar todo o seu dinheiro. O embaixador propunha mais de 200 mil dólares por ano, em regime de contrato de exclusividade, para que a empresa de Luís de Sousa, Luenda Group, assumisse a manutenção e os serviços da embaixada, incluindo reparações, organização de eventos oficiais, tratamento dos jardins da residência oficial e limpezas.
Contudo, para que o contrato fosse assinado, havia algumas regras a observar, que foram explicadas pela secretária do embaixador e filha deste, Cláudia Silva, na presença do seu marido, Nito Nobel, o faz-tudo do embaixador.
“Falaram sobre eu ter de dar 10 por cento à Sra. Guerreiro, e como eu teria de pagar ao pai dela [o embaixador] e aos outros funcionários da embaixada. Depois de lhes explicar que eu faria o que quisessem desde que fosse legal, eles disseram para não me preocupar e que eles iriam falar com a Sra. Guerreiro e que o contrato seria assinado”, denuncia Luís de Sousa.
Para além dessas condições, Cláudia Silva exigia também que Luís de Sousa pedisse formalmente desculpas à sua irmã, a adida administrativa, Sandra Guerreiro, e ao seu marido, Edson Guerreiro, para fazê-los sentirem-se “melhores e superiores”. Porquê? A 26 de Setembro de 2015, a esposa de Luís de Sousa, Márcia de Sousa, fora chamada para decorar a residência do embaixador para a festa de aniversário da sua neta e filha de Sandra Guerreiro. Consta dos documentos em tribunal que o marido de Sandra Guerreiro, Edson Guerreiro, num acesso de fúria, empurrou violentamente Márcia de Sousa, que tinha o seu bebé de um mês ao colo, e que ambos caíram. Ao retirar-se do local para proteger o seu bebé Márcia foi acusada, com insultos verbais, de ter desrespeitado o embaixador.
Os tentáculos da família do embaixador chegaram à Angola, para onde se deslocou o genro do embaixador, com o intuito de “intimidar” a família de Luís de Sousa, conforme denúncia deste. Edson Guerreiro proferiu “sérias ameaças contra o meu irmão, António Artur de Sousa”. Segundo a denúncia, Edson apresentou-se como enviado do sogro e explicou a António de Sousa a alegada relação de parentesco e de proximidade entre o embaixador Tavares e o presidente José Eduardo dos Santos. Em texto anterior, Maka Angola reportou que a sua nomeação para Washington resultou de uma indicação da irmã caçula de José Eduardo dos Santos, Marta dos Santos, mais conhecida como Mana Marta. Com essa ligação familiar, Edson Guerreiro exigia de António de Sousa um telefonema ao seu irmão a pedir-lhe para retirar a queixa do tribunal.
“O Sr. Guerreiro de seguida disse ao meu irmão que, se eu não desistisse do caso no tribunal nos Estados Unidos, haveria sérias consequências e que o meu irmão e outros membros de família iriam sofrer retaliações”, continua.
Entra em cena o oficial identificado [nome omitido pela redacção] como pertencendo ao Serviço de Inteligência Externa (SIE), colocado na missão diplomática em Washington. Oficializou a mensagem transmitida por Edson Guerreiro, em conversa telefónica mantida com a matriarca da família, a tia de Luís de Sousa, Emília de Jesus, conforme se lê nos documentos.
Embaixada responde
Edifício da embaixada de Angola nos EUA (Wikimedia).
Edifício da embaixada de Angola nos EUA (Wikimedia).
A 16 de Junho passado, a firma de advogados Foley Hoag, contratada pela embaixada angolana, contestou o pedido de arresto dos bens da embaixada, que incluem a residência oficial do embaixador e 20 viaturas ao seu serviço. A Foley Hoag argumenta que os pedidos de arresto de Luís de Sousa não têm cabimento, porque as propriedades da embaixada se encontram protegidas ao abrigo da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, datada de 1961. Os Estados Unidos incorporaram esse tratado na sua legislação doméstica em 1972.
Segundo a argumentação da Foley Hoag, a imunidade garantida às propriedades diplomáticas só poderia ser levantada com autorização do Estado visado, e lembra que em circunstância alguma a embaixada de Angola levantou o direito de imunidade para resolução do caso.
Para o analista jurídico do Maka Angola, Rui Verde, “verdade é que as imunidades garantidas pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 deixam alguma margem interpretativa, até porque esta não aborda explicitamente a questão das contas bancárias, por exemplo”.
Segundo o analista, “haverá que ter em conta a lei norte-americana, que abre várias excepções às imunidades soberanas, designadamente se um Estado tiver abdicado da sua imunidade, quer seja expressa, quer implicitamente (por tanto, pelos seus actos pode-se inferir que Angola levantou a imunidade), ou se a actividade em causa for de natureza comercial (cfr. 28 U.S. Code § 1605)”.
“A premissa básica da lei norte-americana é que, naquilo que se refere a actividades comerciais, a soberania estrangeira não deverá estar defendida por imunidades. Não parece que a contratação de umas obras e a colocação de uns ares condicionados seja outra coisa além de uma actividade comercial”, remata Rui Verde.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

LUANDA: A Dívida Da Sonangol Á Chevron E Um Comunicado

A DÍVIDA DA SONANGOL À CHEVRON E UM COMUNICADO

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Num tom agastado e gasto, a Sonangol de Isabel dos Santos emitiu um comunicado em que, além de insultar Rafael Marques e o Maka Angola, acusando-os de má-fé, falta de profissionalismo, desinformação e intentos políticos, vem confirmar que contraiu de facto uma dívida acumulada muito grande com a Chevron.
Essa dívida ascende pelo menos a US $600 milhões (o dobro do reportado neste site!), sendo que, segundo a administração da Sonangol, cerca de US $200 milhões estão em “processo de liquidação” (o que quer que isso signifique) existindo um “plano de pagamento” relativamente a um montante indeterminado. Já quanto aos US $300 milhões mencionados na matéria do Maka Angola, o comunicado confirma que o seu pagamento está em “fase de análise e processamento”.
Portanto, o comunicado, à parte os insultos, que é o que menos importa, confirma a existência de um montante em dívida superior ao reportado por Maka Angola e Rafael Marques, e é obscuro e hesitante quanto à sua liquidação.
O que aqui está em causa são os chamados Cash Calls. O que é isto? Muito simplesmente: o Cash Call é um pedido de dinheiro.
O contrato que liga a Sonangol à Chevron e que coloca a Sonangol como devedora tem por objecto a associação para a exploração do Bloco 0.
A Chevron é a operadora e detém uma participação de 39,2 porcento no Bloco 0. Em 2012, esta concessão na offshore de Angola atingiu uma produção acumulada de 4 biliões de barris de petróleo, segundo os dados da própria empresa.
Ora, sendo a Chevron a operadora, os outros participantes, como a Sonangol, têm que contribuir para as operações. Dito de outro modo, cada um tem que fornecer o dinheiro para as operações correrem adequadamente, e cada um depois recebe os resultados da produção.
É no âmbito deste tipo de contrato que a Chevron pede dinheiro à Sonangol. No fundo, a Chevron antecipa os custos e as despesas de investimento de 100 porcento da operação e depois solicita aos associados o seu reembolso, nas proporções correspondentes a cada um. Por consequência, não estamos perante nenhuma operação anormal envolvida em procedimentos complexos. Estamos perante uma operação básica da exploração petrolífera, em que uma empresa chamada “operadora” (Chevron) avança o investimento e em seguida pede às suas associadas a devida comparticipação. É tal qual uma sociedade, em que cada sócio tem que entrar com o seu capital social. Caso contrário, não terá direito aos lucros.
Aliás, não por coincidência, numa publicação portuguesa sem qualquer ligação a Rafael Marques, surge a notícia acerca do desconforto do Banco Chinês relativamente à Sonangol. Segundo o semanário Expresso, o China Development Bank recusou um financiamento à Sonangol de Isabel dos Santos, devido ao incumprimento no pagamento de dívidas de planos anteriores.
O que se passa, muito concretamente, é que a Sonangol não tem dinheiro e tem faltado sistematicamente com a palavra, falhando todos os planos de pagamento de dívidas, seja com americanos, seja com chineses. E a verdade é que não há passes de magia nem operações de charme que resolvam os problemas, pois sabe-se que a falta de dinheiro da Sonangol não resulta da queda do preço do petróleo (em Agosto de 2016, o preço de referência estava abaixo dos US $45,00, ao passo que agora, em Outubro, está em US $51,00; no último ano, chegou a estar nos US $27,80), mas sim exclusivamente da corrupção e da falta de transparência na gestão da petrolífera.

domingo, 16 de outubro de 2016

LUANDA: Corrupção, Fome e Morte em Angola

ANGOLA: CORRUPÇÃO, FOME E MORTE

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Em Angola, a corrupção mata.

A Welthungerhilfe (Auxílio à fome no mundo), prestigiada organização alemã, anunciou no passado dia 11 de Outubro, em Berlim, o seu Índice Global da Fome 2016.
A boa notícia é que o Índice da Fome decresceu 29 por cento desde 2000, e a organização admite ser possível erradicar a fome no mundo no ano 2030.
A má notícia é que Angola é o país em pior situação, no contexto dos países africanos de língua portuguesa: pior que a Guiné-Bissau. No mundo lusófono, apenas fica acima de Timor-Leste. E na escala mundial situa-se entre a Etiópia e o Djibouti, e bastante abaixo de países desgovernados, como o Zimbabué ou a Guiné-Bissau. Da análise da evolução do índice em Angola, verifica-se que teve uma evolução razoável entre 2000 e 2008, mas a partir desse ano as melhorias foram muito pouco significativas.
Uma comparação interessante é com a evolução do PIB angolano no mesmo intervalo temporal. Entre 2008 e 2015, o PIB aumentou de 84 biliões de dólares para 102 biliões de dólares, uma subida de 22 por cento, e o PIB per capita subiu de 3,020 dólares para 4,180 dólares, um acréscimo de 39 por cento. Face a estes números, facilmente se percebe que a razão da existência de um problema gravíssimo de fome em Angola não é económico, nem natural. É político e institucional.
Há fome em Angola devido à natureza do sistema político e, sobretudo, pelo facto de o seu funcionamento assentar massivamente na corrupção.
Muitos intelectuais não têm pudor em alegar que a corrupção é um fenómeno cultural e comum em África, e que a corrupção facilita as trocas e o desenvolvimento de uma burguesia nacional poderosa. Por exemplo, Ha-Joon Chang, da Universidade de Cambridge, que por vezes tem umas posições muito interessantes noutros assuntos, defende que a corrupção é moralmente censurável mas que por vezes pode ter efeitos positivos, criando emprego e rendimento, e que outras vezes tem efeitos negativos, quando os seus frutos são colocados a render num banco suíço. Ha-Joon conclui que as consequências económicas da corrupção dependem das decisões que o próprio acto de corrupção afecta. Como exemplo de corrupção benévola, Ha-Joon refere a Indonésia; para o impacto negativo, refere o Zaire. Estas teorias relativistas da corrupção boa e má também são defendidas por alguns teóricos marxistas do neocolonialismo, que vêem no combate à corrupção apenas uma forma de os países ocidentais condicionarem as antigas colónias com um código cultural que não é o deles (ver, por exemplo, V. Vakruchev).
Estas teses acabam, em primeiro lugar, por relativizar a corrupção, depois por banalizá-la e finalmente por aceitá-la. Tudo isto está errado, quer do ponto de vista moral, quer do ponto de vista económico.
Veja-se a situação de Angola. Em Angola, a corrupção tem um custo enorme que em última análise explica a pobreza e a fome que devastam a sua população. E como afirmou recentemente Rafael Marques, “em Angola a corrupção mata. E mata porque a população é privada de recursos básicos para sua subsistência, para sua sobrevivência”.
Este é o ponto essencial que queremos focar: existe uma relação directa de causa e efeito entre corrupção e fome, e em Angola a corrupção de facto mata.
Esta afirmação é defensável por duas razões essenciais, explicáveis por recurso aos conceitos básicos da economia.
A primeira ideia a considerar é a de custo de oportunidade. Este é o nome que se dá ao valor da opção não realizada. Por exemplo, se eu tenho que estudar para um exame e prefiro ir comer um gelado em vez de estudar, o custo da minha opção é não estudar e chumbar no exame. Como gelado, não estudo, chumbo.
A um nível macroeconómico, passa-se o mesmo. De um lado, temos a falta de hospitais, escolas, alimentos, toda a desgraça social de que padece a população angolana e que está reflectida nos vários índices mundiais, em que Angola surge na cauda em áreas tão prementes como a mortalidade infantil, os cuidados de saúde ou a fome. Do outro lado, temos os biliões incalculáveis desviados pela corrupção. Em 2012, o FMI anunciou que tinham desaparecido 25 biliões de dólares das contas do tesouro angolano. Depois parece que apareceram umas justificações, mas o certo é que este número poderá ser um indício dos valores desaparecidos. Muitos e muitos biliões de dólares foram desviados de forma ilegal através de actos corruptos. Se, ao invés, fossem investidos pelo Estado angolano e na economia angolana, serviriam para construir hospitais, escolas, formar médicos e professores, e combater a pobreza.
Além disto, é do conhecimento geral que uma boa parte dos “investimentos” angolanos e do dinheiro está colocado em off-shores ou em empresas portuguesas, não contribuindo em nada para o progresso de ambos os países, e apenas beneficiando meia dúzia de indivíduos e empresas.
Além do custo de oportunidade, temos outra questão: a eficiência. Os recursos que sobram depois da rapina corruptora não são aplicados de forma eficiente, devido à uma democracia deficitária e à falta de transparência do sistema político.
A eficiência implica que, face a determinados recursos empregues, se obtenham os melhores resultados. Ora, quando a decisão e gestão dos recursos não é se rege por critérios de eficiência, mas somente para ir ao encontro do interesse de A ou B, do filho ou do sobrinho, que foram corrompidos ou receberam comissões, então não existe qualquer eficiência. Um hospital que custaria 100 em tijolos, vai custar 200 em tijolos, porque os tijolos têm de ser comprados ao filho A. Um fundo soberano que investiria em empresas lucrativas e traria lucros, perde dinheiro porque investe em hotéis de amigos e em empresas obscuras no Sul da Rússia.
Não restam dúvidas de que a corrupção está ligada à fome e de que a corrupção mata. Quando o dinheiro gasto em corrupção tem um elevado custo de oportunidade, quando é investido sem eficiência, é a população quem sofre e paga.
Por todas estas razões, se não mudar de presidente da República e de Governo, de oligarquia dominante, Angola nunca conseguirá acabar com a fome e com o subdesenvolvimento. Não é uma questão de falta de recursos, é puramente uma questão política.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

LUANDA: Angola, Lula e Sócrates: O paraíso da Corrupção

ANGOLA, LULA E SÓCRATES: O PARAÍSO DA CORRUPÇÃO

Lula da Silva e José Eduardo dos Santos, durante um encontro em Luanda.
À medida que avançam as investigações sobre o ex-presidente do Brasil Lula da Silva, no âmbito da Operação Lava-Jato, e sobre o ex-primeiro-ministro português José Sócrates no âmbito da Operação Marquês, destaca-se um elemento comum: boa parte dos actos de corrupção tem origem em Angola ou está ligado a este país, seja sob a forma de subornos, de transferências monetárias, de contratação de obras públicas ou de financiamentos bancários. Angola tornou-se o habitat natural dos corruptos e corruptores do mundo lusófono.
Recentemente, o Ministério Público Federal brasileiro denunciou o ex-presidente Lula da Silva e o empresário brasileiro Marcelo Odebrecht pelos crimes de corrupção activa e passiva, lavagem de dinheiro, tráfico de influências e organização criminosa. A procuradoria-federal indicia Lula por práticas criminosas que terão ocorrido entre, pelo menos, 2008 e 2015 e que incluem a sua actuação junto do Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES) para financiar empreitadas da Odebrecht em Angola. Como contrapartida, Lula e os seus associados teriam recebido o equivalente e 12 milhões de dólares. Ao serem analisados os dez países a quem o BNDES emprestou dinheiro, verifica-se que, no período a que a investigação corresponde, Angola foi aquele com que o banco celebrou mais contratos, que recebeu o maior volume de dinheiro e que beneficiou das taxas de juro mais favoráveis.
Nas actividades ilegais surge um sobrinho (por afinidade) de Lula, de seu nome Taiguara Rodrigues dos Santos, que se terá estabelecido em Angola em 2007 para aí acompanhar os negócios do tio. Este sobrinho terá usado duas empresas para fazer circular o dinheiro: a Exergia Brasil e a Exergia Portugal.
Em Portugal, o Grupo Lena, suspeito de ter canalizado dinheiros para José Sócrates, terá pago comissões relativas a obras em Angola, no valor de 16 milhões de euros, à empresa do sobrinho de Lula da Silva, bem como ao amigo de infância de José Sócrates, Carlos Santos Silva, que foi preso preventivamente ao mesmo tempo que Sócrates, em Novembro de 2015.
Taiguara Rodrigues dos Santos e a sua empresa Exergia fazem a ponte completa entre Brasil, Portugal e Angola, em parceria com o amigo de infância de Sócrates.
Um caso concreto já sob investigação pelas autoridades é o da reabilitação da estrada entre Lucusse e Lumbala N’Guimbo, no Moxico, a segunda maior obra contratada pelo Grupo Lena, com um valor adjudicado de 230 milhões de euros.
Neste negócio, aparentemente, os intermediários brasileiros capitaneados por Lula terão lucrado 12 milhões de dólares, enquanto os intermediários portugueses capitaneados por Sócrates terão recebido quatro milhões de dólares
Resta agora saber quem terão sido as contrapartes em Angola e que quantias terão recebido.
O mais interessante de toda esta história é perceber que existiu uma óbvia triangulação de interesses corruptos entre Lula, Sócrates e Angola, a qual está finalmente a vir ao de cima. Trata-se de uma verdadeira organização criminosa internacional, em que dois elementos — o sobrinho de Lula, Taiguara Rodrigues dos Santos, e o amigo de infância de Sócrates, Carlos Santos Silva — funcionavam como testas-de-ferro. Naturalmente, a este triângulo falta adicionar os responsáveis angolanos. Um dia, quando as devidas investigações se realizarem em Angola, eles serão descobertos, responsabilizados e, espera-se, julgados em tribunal.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

LUANDA: Isabel dos Ovos Santos Gasta Fortunas Em Londres

ISABEL DOS SANTOS GASTA FORTUNAS EM LONDRES

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Talvez o tema seja do domínio da psiquiatria, mas por alguma razão estranha Isabel dos Santos insiste em gastar pequenas fortunas em eventos desnecessários em Londres.
Agora temos a conferência Oil and Money (Petróleo e Dinheiro), que se realiza na capital londrina a 18 e 19 de Outubro, num luxuoso hotel e que é patrocinada pela Sonangol, entre outros. Sonangol, a mesma empresa que não tem dinheiro, que enfrenta dificuldades de crédito, e que teve de vender com prejuízo a sua participação na Galp portuguesa, financia uma conferência em Londres.
Essa conferência reúne vários oradores influentes, desde o ministro da Energia e líder da Aramco na Arábia Saudita, a Bob Dudley da BP ou Watson da Chevron, mais os CEO da ExxonMobil, Conoco, Total, etc. Curiosamente, não surge ninguém de Angola a falar… e também nos patrocínios a Sonangol é acompanhada de outras empresas, passando despercebida. A não ser que Isabel vá receber o Prémio de Executiva do Petróleo do ano 2016, em mais um jantar de gala.
A pergunta é inevitável e pertinente: para quê gastar dinheiro nestes eventos? Ou se está numa fase de reestruturação, ou não. Patrocinar eventos de países ricos é no mínimo discutível, e é sobretudo ridículo e perdulário.
Há alguns meses reportámos que Isabel andava ocupada a pagar uns jantares chiques e a ganhar uns prémios da British Expertise International, empresa privada de consultoria e aconselhamento, especializada em criar redes de negócios, e que organiza finos jantares em Kensington, Londres, pagos a €200,00 por cabeça e regados a champanhe, no decorrer dos quais são entregues prémios distribuídos por 12 categorias. Esta é uma legítima empresa de negócios que cria prémios como exercício de relações públicas, mas não tem o estatuto de qualquer academia ou instituto científico ou técnico.
Entretanto, Isabel comprou para a sua empresa de jóias De Grisogono umas instalações opulentas na Bond Street, a rua mais cara de Londres, tendo ficado a arquitectura de interiores a cargo do David Collins Studio; tudo – aquisição, decoração, abertura – decorreu de forma muito rápida. O jornal inglês The Telegraph comentou: “In typically fast-paced De Grisogono style, the boutique has opened just 12 months after the initial briefing.” (“No habitual ritmo acelerado bem ao estilo De Grisogono, a boutique abriu apenas 12 meses após o briefing inicial.”)
Todos estes eventos servem apenas para sugar dinheiro. Não representam qualquer mais-valia, a não ser umas breves notícias jornalísticas, em que aliás se podem misturar “boas notícias” com danos reputacionais. Na conferência Oil and Money um dos oradores é Igor Sechin. Sechin viu o seu património congelado pelos Estados Unidos e ficou proibido de viajar para aquele país em 2014. Qual a vantagem da Sonangol em se associar a Sechin quando os bancos americanos já estão com relutância em trabalhar com Isabel dos Santos devido às suas ligações perigosas, como se viu com a aparente recusa do Bank of America em participar na venda da participação da Galp.
Qualquer promoção, quer por parte de Isabel dos Santos, quer por parte da Sonangol, seria bem mais útil a apoiar as crianças e os doentes dos subúrbios de Luanda, os esfomeados do Cunene, a construir escolas, a pagar a professores para irem estudar em Londres, e por aí adiante. A filha de JES é presidente da Cruz Vermelha de Angola. Se consultarmos o site desta instituição, verificamos com espanto que a sua única actividade referida é um curso de primeiros-socorros realizado em 2 de Junho de 2012… Há qualquer coisa muito errada nesta estratégia, nesta política.
Isabel dos Santos patrocina o evento do New York Times e da Energy International, a tal conferência Oil and Money em Londres, mas na Cruz Vermelha em Angola nem sequer o Plano Estratégico é desenvolvido desde 2009.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

LUANDA: Paguem Os US $300 Milhões: Chevron Faz Ultimato Á Sonangola

PAGUEM OS US $300 MILHÕES: CHEVRON FAZ ULTIMATO À SONANGOL

O campo de Mafumeira Sul, no Bloco 0 em Cabinda, operado pela Chevron.
O director-geral da Chevron em Angola, John Baltz, enviou há dias um ultimato ao Conselho de Administração da Sonangol. A multinacional norte-americana reclama pagamentos no valor de US $300 milhões referentes às obrigações da Sonangol relativamente aos custos de produção no Bloco 0 em Cabinda, operado pela Chevron (39,2 por cento) e onde a Sonangol detém 40 por cento da quota.
Desde a nomeação do Conselho de Administração, em Junho passado, a Sonangol deixou de honrar os seus compromissos contratuais com a Chevron, no mais lucrativo bloco em Angola.
Fontes do Maka Angola em Houston, nos Estados Unidos da América, indicam que Isabel dos Santos dispõe de uma semana para explicar à Chevron de que forma pagará a dívida. Essa exigência decorre do facto de a Chevron ter tentado alcançar uma solução amigável e não ter encontrado reciprocidade por parte da administração de Isabel dos Santos. A filha do presidente certificara inicialmente a data de 27 de Junho para cumprimento das obrigações da Sonangol para com a Chevron. Uma nova promessa foi feita para 27 de Julho, e também não foi cumprida. A data de 29 de Setembro foi igualmente ignorada.
O Acordo de Operações Conjuntas do Bloco 0 estipula que, em caso de incumprimento nos pagamentos por mais de 21 dias, o associado faltoso passa a incorrer na perda dos seus direitos de participação.
A Chevron fez saber, sem rodeios, que poderá accionar esta cláusula do acordo caso a Sonangol não explique e se comprometa no prazo de uma semana acerca de como e quando liquidará a sua dívida. Esta tomada de posição significa que a Chevron poderá vender a quota de petróleo pertencente à Sonangol, ao invés de a entregar.
Caso a multinacional norte-americana recorra a esse direito, a Sonangol poderá entrar em default junto de outros parceiros internacionais, nomeadamente bancos, por ter contraído empréstimos que viriam a ser saldados com petróleo bruto, desencadeando assim um brutal efeito dominó de incumprimentos. Esta redução no acesso aos direitos petrolíferos por parte da Sonangol, além das relações mutuárias, poderá afectar relações económicas, designadamente com a China, que, como se sabe, vê os seus empréstimos pagos em petróleo.
Não deixa de estar ligado a este problema o rating da República de Angola, que segundo a Moody’s (agência de notação financeira internacional) está em B1 com perspectiva negativa. Ou seja, o crédito de Angola é negativo, considerado de alto risco e especulativo. Sem petróleo para cumprir os compromissos, e sem acesso a crédito, as finanças angolanas poderão estar à beira do colapso.
Ironicamente, o director da Chevron, John Baltz, foi das primeiras vozes internacionais a conferir legitimidade e credibilidade ao nepotismo do presidente José Eduardo dos Santos quando este nomeou a sua filha para PCA da Sonangol. “O governo decidiu. É clara a direcção que eles [governo] querem seguir. Sou sempre optimista. Certamente apoio a direcção que a Sonangol está a seguir”, afirmou John Baltz à Reuters após a nomeação de Isabel dos Santos: Agora, Baltz é o primeiro gestor internacional a ameaçar a gestão da filha do presidente.
A Chevron sempre foi o coração do petróleo em Angola, e a sua posição actual revela o descrédito em que caiu a Sonangol. Até 2012, o Bloco 0 produziu mais de quatro biliões de petróleo. No ano passado, registou uma produção média diária de 85 mil barris, conforme dados encontrados no portal da Chevron.
Por sua vez, Jacques Azibert, director-geral em Angola da multinacional francesa Total,, que também fez parte docoro internacional de legitimação de Isabel do Santos, está neste momento a “roer as unhas”. A Sonangol deve mais de US $80 milhões à Total, pela sua participação no Bloco 17 (Girassol), actualmente o mais produtivo de Angola.
Logo após a sua nomeação, a filha do ditador prometeu que imprimiria uma “cultura de excelência” na Sonangol. “A excelência é a nossa melhor defesa e o nosso melhor ataque”, explicou em declarações públicas.
Numa avaliação dos 100 dias de gestão de Isabel dos Santos, muitas vozes se multiplicaram a destacar quão positiva tem sido na melhoria da petrolífera nacional.
“Levantaram-se algumas vozes, mas acredito que depois dos primeiros resultados apresentados pela sua administração – não por ela em particular, mas pela administração como um todo – acredito que a opinião é diferente, porque nota-se que existe um conhecimento muito grande do que se está a fazer”, afirmou à Lusa a principal boca de aluguer de José Eduardo dos Santos, o embaixador-itinerante Luvualu.
No entanto, a realidade é diferente. A Sonangol tem neste momento um administrador financeiro, o indiano Sarju Raikundala, que nunca foi director financeiro (as funções que desempenhou foram de auditoria, e como gestor a sua experiência resume-se à direcção de um centro de tratamentos holísticos baseados no despertar espiritual…) e que não sabe nada sobre a indústria petrolífera. A filha do presidente tem concentrado a sua acção na microgestão enquanto anda às apalpadelas no que diz respeito à macrogestão da empresa.
Por sua vez, vários fornecedores nacionais reclamam que, desde a tomada de posse de Isabel dos Santos, estão sem receber pagamentos. Enquanto esta alega atrasos devido ao processo de reestruturação, alguns parceiros nacionais que falaram com o Maka Angola sublinham que a Sonangol está a reter centenas de milhões de kwanzas em pagamentos nas suas contas, causando escassez de moeda nacional no mercado.
Actualmente, a Sonangol apenas está a honrar os seus compromissos com o Grupo DT, da multinacional Trafigura, que tem como sócios angolanos o triunvirato presidencial Manuel Vicente e os generais Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa” e Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino”, o testa-de-ferro do presidente. O Grupo DT recebe mensalmente US $100 milhões pela venda de combustíveis à Sonangol. Portanto, só funciona em circuito fechado, para alimentar a família presidencial e o seu círculo de amigos negociantes.
O presidente José Eduardo dos Santos, com a sua teimosia em entregar num momento crítico a Sonangol, a jóia da soberania nacional, à sua inexperiente filha, tem estado a acelerar o colapso da empresa. Tudo pela família, nada pelo país, parece ser o seu único plano de saída da crise em que o país se encontra mergulhado.